Capítulo 19

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  O café da manhã foi silencioso.
  O Senhor Seymour parecia um tanto aborrecido e lançava olhares frios para mim.
  Não consegui entender o clima que pairava sobre nossas cabeças.
  Dorian estava completamente bêbado, não sei por que as pessoas toleravam ele assim na mesa, ele parecia prestes a cair dentro de seu mingau a qualquer instante.
  Pietra parecia satisfeita, na verdade ela parecia exultante. Ela fez algum progresso, posso ver o brilho de vitória em seus olhos perversos. Ela sorria triunfante para mim.
  Ian estava estranhamente quieto essa manhã, pensei que depois de nossa longa conversa, ele se tornaria mais afável.
  A única que parecia próximo do normal era Virgínia, que conduziu a conversa por todo desjejum. Ela estava ansiosa pela festa do noivado e pela festa da uva, que seria comemorada em breve com o fim das colheitas.
  Após o café, pensei em bordar um pouco, mas minha paciência não anda colaborando, pensei em ler um pouco, mas minha cabeça estava pesada com o pouco sono. Eu não teria escolha a não ser me sentar e esperar as horas passarem enquanto eu espero por uma ideia genial.
- Senhorita?
  Ao ouvir a voz familiar, me virei e sorri.
- Olá Senhor Seymour! -falei para Ian.
  Ele sorriu em resposta e disse:
-me acompanha em um passeio?
  Fiquei um pouco hesitante, não queria caminhar, o sol estava muito quente.
- gostaria que a Senhorita conhecesse a vinícola. - disse ele.
- é muito longe Senhor? -perguntei olhando para o sol quente lá fora.
- é aqui na propriedade, mas teremos de ir cavalgando. Se incomoda?
   Hesitei novamente em responder e vi o brilho de seus olhos desaparecerem. Então cedi.
- claro, será ótimo! -respondi forçando um sorriso.
  Isso não está certo, eu não deveria ir. Não deveria ter cedido e muito menos ter ficado com pena dele.
  Ele me ofereceu o braço dele e caminhamos juntos até os cavalos que já estavam selados a nossa espera.
  Se os cavalos já estão selados, quer dizer que ele já tinha planejado este passeio. E se haviam dois cavalos, é porque ele tinha certeza que eu viria.
  Não gostei nem um pouco de meus devaneios.
  Cavalgamos pela imensa propriedade que se estendia por quilômetros. Eu nunca percebi o como era imensa.
  Me surpreendi ainda mais quando paramos no alto da colina e de lá, avistei quilômetros a se perder de vista, de parreiras de uvas. Haviam muitos pontos brancos aleatórios no meio de todo aquele verde. Depois de tanto olhar, percebi que não eram pontos aleatórios, mas sim homens trabalhando.
- é enorme! -falei.
- essa é só a parte Norte. Essas aqui são só de pele escura. A parte Sul da propriedade contém as de pele clara.- explicou ele.
- podemos ir lá?-perguntei.
- claro que sim!- disse ele saindo a frente com o cavalo.
  Deixamos os cavalos na sombra de uma árvore, Ian os serviu de água pois estava quente.
Depois disso, Ian me ofereceu o braço novamente e eu aceitei. Isso estava se tornando um hábito, e eu não poderia continuar com aquilo.
  Prometi a mim mesma que a tarde eu voltaria a ignorar ele.
  Começamos a caminhar em meio aquelas enormes parreiras de uvas, e de perto eu podia ver o que a distância não permitia. Elas estavam carregadas.
  Enormes cachos de uvas pendiam das parreiras, elas eram tão redondas, gorduchas e roxas, que pesavam e ameaçavam a cair.
   Nós entramos cada vez mais fundo, e eu estava começando a ficar preocupada, eu não conseguia mais ver a saída.
- não estamos nos afastando de mais? -perguntei.
- está com medo de se perder? -perguntou ele achando graça.
- claro que estou! Ainda mais com um arrogante como o Senhor de companhia. - declarei.
- Ai, magoou! -disse ele sorrindo antes de completar. - eu cresci aqui Senhorita, não existe nada a temer. Conheço tudo por aqui!
-acho bom mesmo!-resmunguei.
  Continuamos por mais alguns metros, até pararmos.
   Ian retirou um cacho de uvas bem roxinhas e trouxe para nós.
   Ele comeu a primeira e sorriu.
- vamos senhorita, experimente!
-sem lavar? Nem pensar! -falei veementemente.
- não seja fresca Helena. Não te fará mal algum. Não usamos nenhum tipo de agrotóxico, e o nosso controle de pragas é bastante rigoroso.
- não me convenceu! -reclamei cruzando os braços.
- estão doces e suculentas! -disse ele sorrindo.
- me convenceu! -respondi pegando algumas.
  Ele ficou me encarando com expectativa enquanto eu levava uma a boca.
  Eu mordi a uva e ela fez um barulhinho agradável. Ela estava muito doce, e suculenta como ele me prometeu. Senti um pouco do mel da uva escorrer pelo canto da minha boca.
  Rapidamente limpei, para que ele não achasse que eu estava babando.
  Quando olhei para ele, notei que me observava com diversão nos olhos.
- que foi?-perguntei irritada.
- nada!-disse ele sorrindo tanto que mostrou suas covinhas.
   De repente eu senti um desconforto.
- Ian!-falei alarmada.
- O que foi Helena? - perguntou ele de olhos arregalados.
   Eu estava em pânico, tinha alguma coisa muito errada acontecendo.
- POR DEUS HELENA!-gritou Ian.- VOCÊ ESTÁ BRANCA FEITO VELA.
  Ele tinha seu olhos arregalados, e eu ainda não conseguia falar.
- Helena? Está passando mal? Está ferida?
  Ele tocou meus ombros e me sacudiu. Senti aquilo novamente.
- Ian...- minha voz pareceu um sussurro rouco.
- o  que está acontecendo Helena? -perguntou ele apavorado.
- Ian, tem alguma coisa gelada se enrolando na minha perna!-falei em um sussurro de pânico.
  Os olhos de Ian se arregalaram, ainda mais se é que é possível. Sua boca se tornou uma linha furiosa e soltou um xingamento.
- Ian...- choraminguei. -Está gelado, e apertando...
- Helena, presta bastante atenção no que vou te falar... Faça do jeito que eu mandar.
   Não consegui responder apenas fiz que sim com a cabeça.
- agora Helena, levante seu vestido devagar!
   Como Ian haviam me instruído, fiz o que ele pediu. Ergui meu vestido até a altura dos joelhos para que eu também pudesse ver.
- MERDA!-praguejou Ian.
   Ao ouvir aquela palavra eu soube que não era boa coisa e me deseperei.
- IAN TIRA ESSA COISA DE MIM!-gritei.
- Helena, calma. Não se mexa e não olhe!-instrui ele.
  Tarde de mais. Olhei para minha perna direita e vi uma cobra enorme enrolada nela.
   Desesperada para me livrar daquele bicho asqueroso, balancei a perna com força, como se tivesse chutado o ar.
- HELENA NÃO! -gritou Ian.
   Não funcionou muito minha tentativa de me livrar da cobra, e Ian pareceu horrorizado com o que eu fiz. Não apenas não consegi me livrar dele, como irritei o bicho que cravou suas presas em meu tornozelo.
- AH!- gritei com a dor lancinante que senti imediatamente.
  Ian pegou ela pelo rabo e a arremessou para longe dali.
  Cai no chão de tanta dor. Era terrível.
- IAN!-gritei.- IAN...
  Eu comecei a chorar e ficar trêmula, eu  sabia que picadas de cobras doíam, mas também sabia que a de algumas poderia ser fatal.
- Ian...-chamei por seu nome como um apelo.
  Eu estava com muita dor, e ao mesmo tempo muito medo.
  Deitada na poeira eu só conseguia me retorcer de dor.
- Ian...
-estou aqui Helena!-disse ele.
- Ian...
- Helena, pode me ouvir?
- estou muito cansada! - reclamei.
  Meu corpo estava pesado e eu sentia calor e dor.
  A princípio não entedi o que Ian estava fazendo, ele arrancou meu sapato e começou a beijar meu pé?
  Não, não era isso. Senti uma leve pressão, ele estava sugando o veneno da cobra com a própria boca.
   Vi Ian sugar o veneno e cuspir algumas vezes, mas eu estava ficando sonolenta.
- Ian...- falei baixo com uma voz rouca.
  Ele não parou o que estava fazendo, contiunuou sugando o veneno do meu pé.
- Ian...- falei outra vez.- É tarde de mais...
  Ele me encarou por alguns segundos, eu estava ficando com a visão turva, sonolenta...
- não Helena, não dorme!-disse ele.
  Ele continuou a trabalhar em meu pé enquanto eu virava a cabeça de um lado para o outro.
  Fixei meu olhar entre algumas folhas e vi o sol no horizonte. Eu não vou ver o próximo pôr do sol. Nem o próximo nascer do sol. Estou sentindo isso em meu interior.
  Lágrimas quentes escorreram dos meus olhos enquanto se fechavam, definitivamente.

Casamento Arranjado [Completo]Where stories live. Discover now