Capítulo 73

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- Helena? -uma voz rouca chamou minha atenção.
- estou aqui! -falei sem me mover.
- pensei que estivesse sonhando! -disse ele se mexendo com dificuldades.
  Meu pai se sentou na cama, com as costas apoiadas em uma quantidade impressionante de travesseiros.
  O sol começou a despontar no horizonte iluminando o quarto com seus primeiros raios.
  Pela primeira vez depois de muito tempo, finalmente pude ver meu pai.
  Ele já não era mais aquele homem roliço de antes, estava extremamente magro, com olheiras profundas, pálido. O brilho no olhar já não existia mais, assim como seus cabelos que antes eram macios e brilhantes, e agora estão finos e quebradiços.
  Senti vontade de chorar.
- você veio! -disse ele olhando para mim.
  Eu ainda não sabia o que lhe dizer, então apenas fiquei olhando para ele.
- Helena, se aproxime! -pediu ele.
  Uma tosse insistente fazia sua respiração fraca falhar.
  Hesitante, me aproximei da cama e me sentei ao lado dele.
  Ele me surpreendeu agarrando minha mão. Senti-me mal em ver como ele estava fraco, seu aperto era frouxo, seus dedos finos e frios, sua aliança estava larga e incomodava.
- Ah papai! -murmurei.
- Shh... - ele me mandou fazer silêncio.
  Olhei pra ele confusa.
- deixe-me te olhar pela última vez! -sussurrou ele entre uma tosse e outra.
- essa não será a última vez! -falei apertando sua mão.
- será sim Helena. Meu tempo está acabando!
  A voz dele que antes era comparada a um trovão, hoje é quase inaudível, praticamente um sussurro ao vento.
- não faz isso pai! -implorei.
- Helena, deixe-me falar!
- não se esforce! -pedi com lágrimas nos olhos.
- eu preciso! -disse ele em meio a uma tosse.
  Fiquei olhando para ele sem saber o que fazer. É tão difícil dizer adeus.
- eu fui um péssimo pai! -concluiu ele com um sorriso amargo.
- não! Não foi! Você fez o melhor que pôde! -falei.
- Helena, sei que estou morrendo mas não tem que mentir pra mim!
- não estou mentindo! -falei baixo.
- que seja. Eu não tinha o direito de fazer o que fiz com você. Sempre coloquei os negócios acima da família, mas hoje vejo como nunca fui nada sem vocês! -disse ele com dificuldades.
  Fiquei em silêncio, esperando enquanto ele respirava fundo.
- sei que fui um pai ausente. Meus mimos tinham segundas intenções e meus castigos eram ridículos. Nunca fui amável ou bondoso, apenas exigente e rude. Mas me arrependo disso.
- não faça esforço pai! -pedi vendo sua respiração fraca.
- eu preciso minha filha. Já me despedi de todos, só faltava você. Confesso que pensei que você não viria...
- papai, apesar de tudo... Eu te amo! -falei segurando as lágrimas.
  Meu pai sempre foi durão, mas vi as lágrimas escorrendo em seu rosto.
- perdão Helena. Perdoe esse velho pai que nunca soube te dar o que merecia. Te joguei em uma família estranha, obrigando você a casar contra sua vontade. Isso não se faz.- disse ele tossindo.
- meu pai... Eu fiquei com muita raiva do senhor. Pensei que jamais poderia te perdoar. Mas a verdade é que eu entendo... Eu entendo que você só queria o melhor pra mim! -falei baixo.
- sim, eu queria o melhor pra você e para os seus irmãos. Mas o melhor pra você talvez não seja casar.
- papai...
- eu queria que você fosse feliz Helena. E se esse casamento não for te fazer feliz, desista. Ainda há tempo! -disse ele fraco.
  Eu sempre quis ouvir essas palavras, mas agora que foram ditas, desejei que não tivesse ouvido.
- não papai. Não posso desistir. Não agora, ou nunca mais irei me casar! -expliquei.
- tem certeza? Tem medo de ficar sozinha? Ou é outra coisa?
- a verdade é que aprendi a amar Ian nesse pouco tempo... Não consigo me imaginar longe dele.
  O que eu estava falando era a mais pura verdade, mesmo que eu fosse me casar com Dorian, eu precisava ficar perto de Ian, mesmo que apenas como bons amigos.
  Meu pai sorriu cansado.
- me perdoa Helena? -perguntou meu pai.
- claro que sim. E você meu pai? Pode me perdoar?
- eu não preciso. Você nunca fez nada de errado. A culpa é exclusivamente minha.
- meu pai, todos erram tentando acertar. Mas o senhor... O senhor acertou errando. Sei que não faz muito sentido, mas é isso. Eles são parte da minha família agora. Estou feliz por estar lá e estou feliz por estar aqui com o senhor.
- eu te amo minha filha. Nunca se esqueça disso... Eu sempre te amei e sempre vou amar. Não importa o que aconteça, estarei com você pra sempre! -disse ele.
- eu também te amo papai! -falei não conseguindo mais segurar as lágrimas.
- não chore pequenina! -pediu ele.
- sua bênção meu pai? -pedi.
- Deus te abençoe minha filha! -disse ele tossindo.
  Me aproximei mais dele e beijei sua testa e ele a minha.
- cuide de sua mãe e seus irmãos. Eles vão precisar de você! -disse meu pai.
  Ele fechou os olhos e ficou respirando fracamente enquanto eu chorava ao seu lado.
  Senti seus dedos afrouxarem em minha mão e vi que seu peito não se movia mais.
- Papai? -chamei.
  Ele não me respondeu.
  Desesperada, sacudi meu pai pelos ombros, mas ele não se moveu nem abriu os olhos.
- PAPAI! -gritei aos prantos.
  A porta se abriu com força e minha mãe entrou com Ian ao seu lado.
  Minha mãe colocou as mãos na boca e caiu de joelhos ao lado da cama.
  Papai estava morto.
  Saí da cama e me joguei contra Ian que me abraçou apertado enquanto eu chorava com o rosto comprimido contra seu peito, molhando sua camisa e dando soluços de tristeza.
  Ian beijou minha cabeça e passou as mãos em minhas costas, sussurrando em meu ouvido:
- sinto muito!
  Eu não conseguia aceitar. Só deu tempo de me despedir, então ele partiu. Partiu para nunca mais voltar.
  Minhas pernas cederam e Ian sentou no chão comigo em seus braços.
  Não sei o que eu faria se ele não estivesse aqui. Eu tentei ser forte, mas era impossível. Mas nos braços de Ian, eu me sentia segura e tinha certeza que tudo acabaria bem, mesmo sabendo que isso não era verdade, me permiti por um momento acreditar que tudo terminaria bem.
  Louise suportou bem a notícia. É claro que ela chorou como qualquer criança de dez anos que perdeu seu pai, mas ela suportou melhor que eu. O fato de já estarmos preparados para a morte, não diminui a dor da perda. Ao contrário, isso só prolonga o sofrimento.
  Louise se apegou a Ian de uma forma impressionante. Então eu tinha que dividir meu porto seguro com minha irmã, que também se sentia mais segura nos braços de Ian.
  Na verdade, todos estávamos suportando a situação graças a Ian. Ele sabia o que dizer e como dizer, e quando as palavras lhe faltavam, ele simplesmente nos abraçava e nos deixava chorar.
  Minha mãe sofreu bastante, mas ela estava conformada e muito grata pela ajuda de Ian.
  Joseph era apenas uma criança, mas sentiu a perda e chorou muito, mesmo sem entender exatamente o que estava acontecendo.
  O velório de meu pai aconteceu muito rápido graças a Ian que se encarregou de tudo.
  Foi uma despedida triste. Todos os moradores da região estavam presentes. Muitos deles nos levaram bolos, pães e frutas. As flores que traziam consigo, eram depositadas sobre meu pai.
  A certeza de que ele já não estava mais sofrendo me consolou um pouco, mas a tristeza no peito iria demorar a sumir.
  Parecia que todos tiraram a mesma conclusão, pois apesar dos rostos tristes e olhos vermelhos, minha mãe, Louise e eu já não estávamos chorando mais.
  Deixar uma pessoa partir, é doloroso. Mas mesmo assim precisamos deixar, só assim eles encontrarão a paz.
- Meus sentimentos! -disse uma voz atrás de mim.
  Me virei para agradecer e me deparei com Lorenzo em minha casa.
- o que faz aqui? -perguntei em voz baixa.
- eu tinha negócios com Alberto. Bom homem. Vim prestar meus respeitos! -disse ele simplesmente.
- não acredito em você!
- Helena, por favor. Eu estou sendo sincero. Eu realmente era amigo do seu pai. Pergunte a sua mãe se duvida de mim!
- acredito em você! -falei de mau humor.
- posso lhe dar um abraço? -pediu ele.
- não.
- estão todos olhando Helena. Eu não vou fazer nada. Prometo!
   Revirei os olhos e deixei que Lorenzo me desse um abraço. Ele se demorou mais que o necessário e manteve seu rosto em meu pescoço por um longo tempo.
- adoro esse perfume! -sussurrou ele.
  Me afastei de mau humor.
- você prometeu! -briguei baixo.
- e eu cumpri. Não fiz nada errado, apenas elogiei seu perfume! -disse ele com um meio sorriso esperto.
- Lorenzo? -perguntou minha mãe aparecendo do nada.
- Senhora De Castro, meus sentimentos! -disse ele abraçando minha mãe.
- fico feliz que veio. Alberto prezava muito sua amizade!-disse minha mãe.
  Lorenzo me encarou como se pra provar que estava falando a verdade.
  Revirei os olhos pra ele.
- jamais deixaria de vir me despedir! -disse ele com a voz baixa.
  Mesmo assim, eu continuava achando muita falsidade para uma pessoa só.
- vem comigo, Louise ficará feliz em te ver! -disse minha mãe.
  Antes de ir, ele me deu uma piscadela e me deixou ali encarando suas costas.
- o que ele faz aqui? -perguntou Ian no meu ouvido.
  Dei um pulo de surpresa.
- Ah, ele é um amigo da família! -respondi confusa.
- sério? -perguntou Ian incrédulo.
- estou tão surpresa quanto você! -falei baixo.
- isso é recente? -perguntou ele.
  Eu e Ian estávamos lado a lado encarando intensamente Lorenzo a vontade na minha casa e tendo tendo a completa atenção da minha família.
- eu creio que sim. Nunca o vi aqui antes! -falei confusa 
- confesso que estou desconfiado.
- eu também, mas...
- mas? -incentivou ele.
- acho que ele foi sincero! -falei surpresa com minhas próprias palavras.
   Ian me encarou como se eu fosse louca.
- quê? -perguntei.
- acreditou nele?
  Dei de ombros.
  Ouvi Ian respirar fundo de frustração.
- Ian?
- Sim?
- obrigada! -falei do fundo do coração.
- não há de que!
- é sério! Isso seria muito mais difícil se você não estivesse aqui!
  Ele sorriu brevemente e depois olhou ao redor.
- seu pai era muito querido! -disse ele.
- sim. Ele era bom para as pessoas. Gostava de ajudar.
  Notei meu erro ao falar sobre isso. Ian estava triste por seu pai. Ferdinando Seymour não chegava nem perto de ser querido, mas de odiado...
- Helena?
  Me virei e vi uma loira de cabelos cacheados em um lindo vestido de renda preto. Ela parecia triste, mas seu rosto angelical irradiava luz, fazendo com que eu sorrisse involuntariamente.
- Cristal! -cumprimentei.
  Ela me abraçou apertado e meio sem jeito.
- Meus sentimentos! -disse ela com a voz rouca.
  Ela viu Ian e o agarrou também, o abraçando desajeitada.
  Ian me olhou em busca de ajuda e eu só pude dar de ombros e rir discretamente do pânico dele.
- por onde você anda? -perguntei.
- Ah, descobrindo novos talentos! -disse ela sorrindo.
  Ela tinha a péssima mania de ficar gesticulando com as mãos enquanto fala.
- como assim?
- aprendi a jogar baralho! Sou muito boa nisso! Já arranquei uma fortuna do meu pai!
- você iria adorar jogar com Dorian! -falei rindo.
- quem é Dorian? -perguntou ela indiferente.
- meu irmão! -disse Ian.
- Se ele for tão bonito como você eu adoraria jogar com ele!-disse ela maldosa.
  Ian ficou sem jeito e suas bochechas ficaram vermelhas.
- você deveria ir me visitar na mansão Seymour. Eu tenho uns amigos que adoram jogar baralho. -comentei lembrando de Doc e Fera.
- jura? Claro que vou. - disse ela meio alto.
  Sorri sem jeito pela animação dela em pleno velório de meu pai.
- Me desculpe Helena, mas preciso ir. Fiquei de aprender uns truques com meu pai ainda hoje! E claro, tenho que comprar novos vestidos com o dinheiro que ganhei nas cartas. Mas espero te ver novamente. Meus sentimentos e até breve!
  Depois dessas palavras rápidas, ela desapareceu entre o mar de roupas pretas da nossa sala de estar.
- quem é ela? -perguntou Ian meio assustado meio constrangido e com um meio sorriso.
- Cristal Moore. Uma amiga de infância! - expliquei vagamente.
- espontânea ela! -disse ele com a testa franzida.
- espontânea? Ela é completamente doida.
- sério? Ela parece saber o que faz! -disse ele.
- você não viu ela bêbada ainda! -falei séria.

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