7. A antiga foice

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Kurdis cuspiu a poeira erguida por um grupo de cavaleiros que passou por ele galopando. Aquela batalha seria enorme, talvez a maior que o reino de Kedpir já vira. Levou um tempo até a poeira baixar e ele poder enxergar novamente. Seu exército descia a colina em direção ao descampado das fazendas a oeste de Jaffe. Ali, uma mancha imensa e furiosa das forças kunes se preparava para receber o inimigo.

Por que não me mandaram na vanguarda?

Lá adiante, pôde ver as margens dos dois exércitos se chocando. Explosões e soldados voando pelos ares indicavam que bruxos de ambos os lados já estavam engajados. O céu acima, tempestuoso, prometia uma tempestade.

A visibilidade ficou prejudicada assim que uma chuva gelada e forte desabou sobre o campo de batalha. Kurdis logo ficou encharcado.

"Que gelo!", exclamou enquanto esfregava as mãos no cajado para produzir um pouco de calor.

— Pela esquerda! Pela esquerda, homens! — gritava e sinalizava o Capitão Solan. Ele tinha preso às costas uma vara subindo onde flamulava o estandarte amarelo com duas lanças cruzadas sobre um círculo.

Kurdis e cerca de trezentos soldados de infantaria leve, com uma fita de tecido amarelo presa ao braço, desceram seguindo Solan, afastando-se do miolo da batalha. Avançaram apreensivos.

Solan era um sujeito de tórax largo, barba ruiva desgrenhada e braços musculosos que ele não gostava de cobrir com peças de armadura. Quando gritava, seu rosto parecia querer explodir.

— Esperem! A linha, homens! A linha!

No flanco esquerdo, um batalhão aliado lutava sob o estandarte vermelho com a estampa do gatigre. Foi dali que veio um grito horrível que Kurdis reconheceu imediatamente. As labaredas do fogo verde confirmaram sua percepção. Era o demônio de ossos.

Devo tirar a arma dele! É nossa única chance!

— Guldo! Onde pensa que vai?

— Preciso enfrentar aquela coisa! — Kurdis apontou com o cajado para a silhueta sinistra do demônio de ossos, a cerca de cem metros da posição deles.

O capitão Solan concordou com um aceno.

— Homens, avançar! — ordenou Daman, liderando as tropas enquanto abria caminho em direção à terrível criatura.

Entretanto, não demorou até que membros de ambos os exércitos se afastassem do demônio. Uma clareira se formou no meio do campo de batalha. Um soldado de Kedpir, com uma faixa vermelha presa ao braço, estava prestes a ser atingido pela baforada de fogo verde quando outro o empurrou no chão, salvando sua vida.

O herói que o salvou derreteu em instantes sob o calor intenso daquela chama infernal. O Demônio de Ossos mirou o soldado caído e ergueu no alto sua foice de lâmina escura.

É agora!

Ele lançou um feitiço retalhador na forma de um pequeno disco púrpura brilhante. A magia zuniu e acertou o pulso do demônio. A mão segurando a foice girou no ar e caiu no chão.

O demônio bramiu furioso e cuspiu um longo jato de fogo contra Kurdis. O jovem saltou de lado e rolou na lama para escapar da labareda.

Quando ergueu a vista, viu que o soldado apanhara a foice e a cravou na criatura. O fogo verde atingiu o soldado, que caiu gritando. Era um fogo tão forte que enfrentava a chuva e vencia.

Kurdis se ergueu e afundou a ponta do cajado na lama. Uma onda de lama cresceu e encobriu o soldado e o demônio. Coberto por uma grossa camada de lama, o fogo verde se apagou. A lama também atingiu a face do demônio, que parou para limpar o rosto.

Não posso errar!

Aproveitando-se da cegueira temporária do demônio, Kurdis reuniu praticamente toda força que ainda lhe restava e convocou um segundo feitiço retalhador. O disco atingiu a metade do pescoço da besta, fazendo a cabeça pender de lado.

Droga! Falhei!

O demônio avançou contra o soldado, procurando reaver sua foice, mas foi recebido com dois golpes. Um deles decepou o antebraço do demônio, e o seguinte terminou o serviço, cortando a cabeça da criatura.

O soldado virou-se para Kurdis. Havia uma espécie de fúria brilhando em seus olhos. O jovem bruxo observou o rapaz forte, queixo largo e cabelos curtos cobertos de lama. A pele do braço do soldado estava em carne viva devido à queimadura, mas ele parecia conseguir ignorar a dor. Com o olhar de bruxo, Kurdis percebeu que uma aura umbrosa escorria da foice, cobrindo os braços do soldado. Aquela teia escura subia pelo pescoço e crescia ao redor de sua cabeça.

A foice está agindo sobre ele. Se ele revidar...

— Entregue-me a foice, soldado! — ordenou Kurdis, com firmeza.

— Por que você quer minha foice? Fui eu que a peguei! Ela agora é minha! — respondeu o soldado com um tom de possessividade.

— Esse item é maligno — disse o guldo — vai dominar você! Somente um guldo treinado como eu pode manuseá-lo com segurança.

— Não! Ela é minha!

Kurdis sabia que era necessário agir rapidamente antes que o soldado fosse totalmente corrompido pela foice. — Me perdoe soldado, mas talvez isso doa. Sem hesitar, ele lançou um feitiço da ponta de seu cajado, fazendo o soldado tremer e cair.

Daman tomou a foice do soldado e em seguida, lhe ofereceu a mão.

— Ótimo trabalho, soldado! Como é seu nome? Todos vão querer saber o nome do homem que me ajudou a matar o demônio.

— Vedd'terys Mol'empro.

Assim que disse seu nome, a teia escura foi se dissolvendo e Vedd'terys voltou a segurar o braço queimado com expressão de dor.

— Por Fiste! Isso queima como o inferno!

Kurdis se distraiu por um instante e viu que a teia escura subia por seus braços. Olhou firme para o objeto e rechaçou o avanço da aura maligna.

Fique onde está! Eu comandarei você. Para trás!

O toque do cabo metálico da foice era congelante e queimava sua mão como se fosse gelo. Kurdis cruzou a foice com seu cajado e imediatamente a força escura recolheu-se. Um pouco de calor voltou à sua mão.

Consegui. Dominei essa coisa.

— Cuidado, Daman! — Avisou a voz de Solan. Kurdis estava distraído ao tentar domar a arma e não viu o soldado kune que avançou em sua direção com a lança em riste. Poderia ter sido um golpe mortal, mas conseguiu desviar com a foice. No instante seguinte, já estava manejando o instrumento contra seu oponente. O jeito que ela cortou, num golpe limpo, a armadura de escamas e o corpo do kune, do alto do ombro até o meio do tórax, mostrou o quanto aquela lâmina era afiada.

— Desgraçado! — Kurdis gritou. E quando deu por si, estava brandindo a foice contra outros soldados inimigos. A batalha seguia firme e virou para o lado de Kedpir.

Os kunes responderam ao sinal de retirada e o exército de Kedpir venceu aquela batalha.

Vencemos! Vencemos!

Kurdis sentia um êxtase de vitória como nunca havia experimentado. Nunca tanto sangue dos inimigos estivera em suas mãos.

— Vencemos! — ele gritou erguendo a foice com ambas as mãos. Não chegou a perceber que, em algum momento, no calor da batalha, deixou cair seu precioso cajado.

O Bruxo e a Foice SombriaWhere stories live. Discover now