44. O sacrifício

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A estadia foi curta. As pessoas do vilarejo ficaram um pouco agitadas com a presença de um estrangeiro, mas Huon evitou qualquer incidente garantindo pretenderem apenas pernoitar ali. Acordaram bem cedo e com as primeiras luzes do dia seguiram na trilha que subia por entre as montanhas. Kurdis notou que Huon tirou seu arco da bagagem, passou a corda, pegou a aljava com flechas e prendeu às costas.

— Está esperando por problemas, jun Huon?

— Ah, sim. É um caminho mais perigoso. Já não podemos contar com o serviço dos Czun'luó.

— Serviço?

— Sim, a região que ficou para trás, estradas e fazendas, são sempre patrulhadas. Isso afasta bandidos e animais perigosos.

— Entendo...

— Doravante é bom ficar atento. As Qijunas costumam se alimentar de viajantes incautos.

— Qijunas?

— Grandes felinos de pelagem cinzenta. Andam em bandos e são mais atrevidos que as Djunas.

— Shunas?

Huon parou um instante e olhou para Kurdis inclinando a cabeça.

— É como os nortenhos os chamam...

Kurdis mudou de assunto — Diga-me, jun Huon, daqui para a Torre Prístina levaremos quanto tempo?

— Entre quatro e seis, dias, depende do clima. A torre fica num ponto remoto do país, mas já viajei para lá muitas vezes. Sempre levando alguém para ver os Wux'shien.

— O senhor mencionou que não lhe agradava aproximar-se deles. Por quê?

— Você se arrisca a desagradar um deles... Eles punem os desagrados com grande facilidade.

— Que tipo de punição?

— Se estiver com sorte, apenas uma maldição temporária... Um antigo companheiro de viagens tropeçou e sujou a túnica de um Wux'shien. Foi transformado num porco-wuin. Assustado, ele correu para o mato e nunca mais foi visto.

Magias de transmutação são muito difíceis de dominar. Eu mesmo nunca consegui fazer uma transmutação básica.

"Os Wux'shien obviamente são superiores aos Mahiari."

Pode ser verdade, mas nem mesmo essa superioridade teve o poder de fazer com que os kunérios vencessem os kedpirenses.

Huon observou o semblante compenetrado de Kurdis — Está repensando se realmente deseja ir até eles, tlav Daman?

— Agradeço por me informar mais sobre eles, jun Huon, mas continuo firme em meu propósito.

A trilha se tornou mais estreita e íngreme. Em apenas duas horas de caminhada tinham alcançado uma boa altitude. Dali do alto, podiam observar o lago que deixaram para trás, o vilarejo, bosques e as terras cultivadas. Adiante, montanhas crescendo, quedas d'água e distantes nuvens cinzentas.

O murrão que carregava a barraca e os suprimentos emitia relinchos curtos como se estivesse reclamando. Huon falava com o animal e acariciava o pescoço peludo para acalmá-lo.

As bolhas nos pés de Kurdis doiam mais. As dores constantes estavam minando seu humor.

— Vamos acampar aqui. — Huon apontou para a reentrância na encosta rochosa, não chegava a ser uma caverna.

Com o martelo, fincou espigas de metal no solo. No local havia um círculo de pedras empilhadas e terra cavada com cinzas. Certamente o local já fora usado antes para fazer uma fogueira. Huon atirou o saco de carvão e um pequeno feixe de lenha ao lado de Kurdis.

O Bruxo e a Foice SombriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora