27. A profecia

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O tempo de Kurdis em Topemari estava chegando ao fim.

— Está quase proficiente, meu jovem grisalho! — O Ribas vinha o chamando assim desde que Nofaviz descoloriu de modo definitivo seus cabelos. Também exibia agora um bronzeado escuro, mesmo sem tomar sol. E seus olhos estavam claros e assumiram uma incomum tonalidade âmbar.

— Obrigado! É que tenho um bom professor! E também, depois que se entende a lógica dos radicais, o deravo escrito se torna quase matemático.

— Bem colocado... É como se houvessem equações por trás da ordenação escrita. E também...

Kurdis vinha aprendendo a cortar o Ribas antes que emendasse um assunto no outro.

— E então, já sabe quando zarpará a Rainha Crispa?

— Não ao certo, mas será logo. Um ou dois dias. Se bem que...

— É... temos que nos despedir daqui. Não pensei que fosse gostar tanto dessa cidade.

— Certamente são ótimos ares e uma culinária sem igual! Você vai se despedir de Nofaviz? Quem sabe ela aceite um beijo de despedida, hã?

— Já lhe disse, Regis, ela não se interessa por homens.

— Ah, mas conte outra, meu jovem grisalho! Uma mulher que cuida tanto da aparência?

— Muitos feiticeiros são castos.

— Eu só acredito em castidade pública. Entre quatro paredes, o que ocorre é sempre diferente. Em Dera, me arrisco a dizer que não há um único sacerdote que não seja um fornicador.

Kurdis se levantou. — Com a sua licença... Vou me despedir.

O rapaz saiu pelas ruas da cidade em direção às escadarias. O dia já exibia suas últimas luzes. Caminhava pensativo pelas ruas.

Devo dizer que sentirei saudades? Ah, não... Isso é tão piegas! É... eu acho que aquilo que vivi. Ter tocado em sua pele quente e escamosa. Não foi um sonho. Ela pode bem ter mantido as aparências por meio de uma ilusão.

Kurdis chegou ao colégio dos capa-azul, local onde alguns feiticeiros como Novafiz trabalhava e residia. Foi convidado entrar por Rūs Glauvorax.

O barbudo de capuz e capa roxa não sorriu, tampouco emitiu algum som, mas Kurdis sentiu um toque gelado em sua mente "entre, vamos conversar".

O local estava vazio, não viu Boitux, Nofaviz ou qualquer outro capa-azul. Ele sentou-se em um dos bancos e o mago zanzidiano fez o mesmo, numa postura rígida. Seus olhos cor de gelo se fixaram em Kurdis causando incômodo.

"Percebo que veio aqui carregando emoções e desejando despedir-se de nossa irmã, Nofaviz".

— Sim, senhor Glauvorax, é isso que pretendo.

"Infelizmente não poderá. Ela já cumpriu seu contrato e não há nada mais para tratarem".

— Não penso assim, e tenho dúvidas de que ela também pense assim.

"Entendo sua posição''. Ele não movia os lábios, não coçava a barba, não movia as botas pretas no chão, não torcia os dedos. Era como estar diante de uma estátua de carne e osso. "Eu ordenei que ela o investigasse durante a execução do contrato. Entendo que tenha tomado o interesse dela por sua pessoa como algo pessoal, mas posso lhe garantir. Não há emoções envolvidas, tampouco amizade".

— Estou ciente de suas colocações, mas fico pensando por que o senhor está se dando o trabalho de conversar comigo? De se colocar entre nós?

"Essa é uma boa pergunta, portanto farei a gentileza de lhe responder, já que está associado a um velho cliente de nossa corporação. Primeiro, para poupá-lo de uma situação constrangedora, segundo para deixar claro que sempre trabalhamos de modo profissional, não permitindo relações pessoais entre nosso pessoal e a clientela, terceiro, e aqui está a razão principal: tenho outro assunto a tratar com você.

O Bruxo e a Foice SombriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora