Epílogo

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Kurdis se viu flutuando num fluido sutil e escuro. Havia um buraco em seu estômago. Era como se um redemoinho sugasse todo aquele fluido escuro para um vazio, sem fim, dentro de si.

Eu morri... Eu morri... É assim a morte. Escura, gelada e cresce dentro de minha barriga como um vazio infinito. Que sensação horrível!

— A morte não dura para sempre, mosquito.

Fre'garzam?

— Abra o olho. Veja onde está.

Kurdis não conseguia ver nada além da escuridão, sequer sentia suas mãos. Como um reflexo que não fazia muito sentido, tentou levar as mãos aos olhos. Mas não havia mãos, não havia olhos.

Você está zombando de mim? Depois de tudo o que fiz por você?

— Não mortal. Por que zombaria do meu pequenino servo? Sabe, devo dizer que conseguiu cumprir sua promessa. O mosquito atacando o reino de dentro para fora, foi mais eficiente as diversas vezes que os Wux'shien mobilizaram exércitos contra Kedpir.

Por que me diz para a abrir os olhos, se não tenho olhos?

— De fato, seu corpo se foi. Não há olhos ligados a um cérebro, mas a essência que animava aquele corpo, possui um olho.

Kurdis tentava encontrar aquele olho, mas tudo que podia sentir era aquele vazio na barriga, aquela fome capaz de comer um mundo inteiro.

— Veja!

Fagulhas esverdeadas dançaram ao redor de Kurdis. Centenas e milhares de fagulhas minúsculas aparecendo e sumindo, indo e vindo, em todas as direções. Aos poucos, as fagulhas começaram a formar estranhas imagens. Formas geométricas incompreensíveis. Tijolos que insistiam em se mover como óleo fugindo do sabão na superfície da água. Levou um tempo para o olho espiritual de Kurdis fazer algum sentido daquilo tudo que via.

E então ele viu. Estava deitado. Deitado em todas as direções ao mesmo tempo. Ele viu um par de pés em meio as fagulhas dançantes. Seus pés. Estavam apontando para baixo. Porém, viu outro par, e mais outro, até que pareciam infinitos pares de pé em todas as direções.

Enlouqueci? Ou eu virei uma bola de pés?

— Sua percepção está se ajustando. Concentre-se.

Não consigo, tenho fome!

— Os mortos não comem,

Por um instante, tudo parou de dançar. As centenas de dimensões que coexistiam em todas as direções voltaram a ser apenas três. Pra cima e para baixo, para os lados e para frente e para trás. Restaram apenas dois pés. Pés ligados em pernas, pernas no tronco, o tronco tinha braços, pescoço e uma cabeça. Sua imagem estava em perspectiva, os pés longe da cabeça, e, ao mesmo tempo, ele via a si, como se estivesse fora de si, ali deitado, numa sala de tijolos circular. Tentava mover aquele corpo, mas estava duro como mármore. E então viu aquela lâmina negra como uma imagem em negativo, brotando de sua barriga.

Estou espetado numa espada!

— Muito bem! Percebe então sua situação.

O que é isso? Um pesadelo?

— Não, pequenino. Apenas um tipo de morte bastante peculiar. Seu corpo espiritual espelha, neste momento, seu corpo físico, que jaz sem vida, além do abismo. A espada que atravessou seu corpo, que sugou sua alma, é apenas um reflexo de sua verdadeira natureza. E você está na sala da espada. O lar verdadeiro desta lâmina sombria. Seu espírito agora está preso a ela, impossível de se afastar, como uma bolinha de ferro que encontra um poderoso magneto.

Ficarei assim, com essa coisa na minha barriga? Com essa fome infinita? É esse meu destino, Fre'garzam?

— Eu não sei o destino de cada mortal, pequenino. Mas saiba que a lâmina prende apenas uma alma de cada vez. Então, por hora, ficará assim. Quem sabe sobre o futuro da Vortumbra? Quem sabe quando sua sede se sangue vai fazer outro mortal empunhá-la? Em que momento outra alma será sugada? Eu é que não sei...

Eu fui útil! Me ajude! Tenha misericórdia!

— Está apelando ao Deus errado, pequenino. Eu não sei o que é misericórdia.

Não! Não pode ser! Eu sou Kurdis Le'Daman! Eu servi a vocês! Servi aos Cinco que São Um!

— E esperava um final feliz após servir a deuses sombrios? Você quase me faz rir, pequenino. Quase me faz rir!

FIM

***

Que bom que chegou até aqui! Fico agradecido pelo seu interesse por esse romance! Obrigado pelo seu tempo!

Como foi sua experiência com este livro? Eu apreciaria muito saber sua opinião. Eu entendo que trilhei um caminho bem diferente com essa história. Gostaria de saber que aspectos gostaram e quais não. Seu feedback é muito valioso para mim.

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Novamente obrigado e até a próxima!

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