55. Os vetustos

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Kurdis e os noruks conseguiram exceder a meta estabelecida pelo velho dragão, Arjune'zur. Um ossuário macabro foi erguido na colina da rocha quadrada e nele foram arranjados os crânios humanos que formavam uma espécie de altar. O local passou a ser conhecido como Djadum'kor, a pedra do dragão.

A história da tribo noruk que caçava humanos se espalhou por toda região e aldeia passou a receber visitantes, novos integrantes e comércio. Muito noruks chegavam curiosos para conhecer o grande ô-masu, o profetizado que unificaria os noruks sob uma única bandeira e que os lideraria contra os usurpadores humanos.

Meses se passaram e após um inverno rigoroso, Kurdis sentiu a presença mental de dragões, logo cedo, e saiu de sua tenda.

— Ayu ô-masu! — um grupo de noruks o cumprimentou.

— Ayu norukon! — Kurdis respondeu. Segurava seu cajado na destra e a foice, apenas com a lâmina embalada na capa de couro, na mão esquerda. Em par, as duas hastes lhe serviam como bastões d caminhada.

Kurdis informou aos sentinelas: — Irei até Djadum'kor e não quero ser incomodado.

— Hunda ô-masu! Hunda-hunda!

Arjune'zur surgiu e, para surpresa de Kurdis, ele não veio sozinho. Quando a neblina da manhã se dissipou, viu o majestoso colenk de chifre reto. Suas escamas pareciam totalmente negras naquele dia nublado, somente assumiam tonalidade azul, quando atingidas pelos raios do sol. Ao seu lado, havia dois scotenks de escamas altas, pareciam filhotes ao lado de Arjune'zur, mas Kurdis sabia que os três eram dragões adultos.

Kurdis ficou animado e escalou o monte mais depressa, de modo que quando chegou ao cume, perto do rochedo e do altar, estava ofegante. Retomou um pouco do fôlego, observado atentamente pelo olhar curioso dos três dragões. Então, fez uma vênia e disse:

— Saudações, grande Arjune'zur! Como pode ver, cumpri minha promessa. Aqui estão mais que cinquenta cabeças, sessenta e uma, para ser mais exato.

— Saudações, humano. Devo dizer que estou satisfeito com suas ações e por isso, trouxe comigo Hymur e Jadrite, são os vetustos entre os scotenks.

— Sinto-me honrado em sua presença.

Hymur bufou levantando poeira do chão e lançando uma onda de fumaça que esquentou as canelas do feiticeiro. Seus olhos eram ameaçadores, bem redondos, vermelhos e juntos, na frente da face.

— Os scotenks estão fartos da ousadia humana. Seus caçadores têm ceifado nossos jovens devido ao uso da imunda magia.

A dragonesa, Jadrite, sacudiu a pesada cauda, mais grossa que a do macho e disse: — Já se foram os dias em que lutar contra os incursores era uma prova justa para um jovem scotenk provar seu valor. Eu mesma, quando muito jovem, derrotei um grupo de dez caçadores. Mas atualmente, os bandos são cada vez maiores, e trazem consigo, os imundos feiticeiros. Enfrentar os caçadores deixou de ser prova de coragem, tornou-se prova de estupidez.

Eu não esperava por isso! O que será que eles querem de mim?

Arjune'zur falou por meio de sons guturais e chiados que Kurdis conseguia compreender. — Os dragões já não são unidos e fortes, como dizem as lendas já perdidas de nosso passado. Leva tempo para que os jovens despertem seu intelecto e possam adquirir algum traço elevado de cultura. Mas nosso ciclo de humilhação pode estar chegando ao fim.

— Entendo...

— Como devemos chamá-lo, humano? — indagou Arjune-zur.

— Daman. Podem me chamar de Daman.

— Muito bem, Daman. Você disse que queria minha ajuda para salvar seu pai. Podemos fazer isso, mas nós queremos algo em troca.

— É claro, grande Arjune'zur. Qualquer coisa!

— A sua magia... Você pode tocar a mente dos dragões.

— Sim, um pouco.

— Pois saiba que os dragões atingidos por sua magia, passaram por uma importante transformação. O despertar do intelecto deles foi adiantado. O pequeno scotenk, Kyor, que você convocou para atrair o grupo de caça, foi até os vetustos para relatar o acontecido. E dragões tão jovens, jamais se ocupam de conversar com os vetustos. Desde antes do último inverno, Kyor ficou com Jadrite e aceitou suas instruções, tornou-se um discípulo. É o scotenk mais jovem em gerações a se tornar um emancipado.

— Entendo... vocês querem que eu ajude os demais dragões a despertar o intelecto...

— Justo isto!

— Será uma grande honra ajudar os dragões. Devo dizer que devo minha vida a uma de vocês. A dragonesa Novafiz da Zanzídia me ensinou o Vishmae e me mostrou um pouco da história antiga de seu povo. Ajudá-los ainda não constituirá retribuição suficiente.

— Muito bem, Daman. Temos um trato. Agora, como posso ajudá-lo?

— Para ajudar meu pai, preciso retornar à Tédris, capital de meu antigo reino.

— Eu sei onde é... Posso levá-lo imediatamente. — Arkune'zur agitou levemente as asas.

— Ótimo! Mas antes preciso avisar Mãe Kullat e os noruks sobre minha viagem.

— Como quiser, assim que estiver pronto, volte aqui.

Kurdis fez uma nova vênia e disse: — Muito obrigado, grande Arjune'zur.

Hymur cobriu Kurdis com fumaça quente e disse irritado: — Não seja assim, tão bajulador. É desonroso!

O dragão tomou uma patada de Arjune'zur e rolou para o lado, fazendo deslisar e agitar muita terra, pedras e cascalho. O grande dragão abriu a boca e sua garganta se acendeu, brilhando como uma fornalha.

— Fique no seu lugar, Hymur!

Hymur se ajeitou e baixou a cabeça para Arjune'zur, em submissão.

— Escute Hymur! Devo lembrá-lo que Daman está apenas restabelecendo a forma da antiga ordem. Nos tempos antigos, os humanos veneravam os dragões. E tal veneração nunca foi desonrosa!

— Assim falou o grande vetusto! — Jadrite demonstrou seu apoio.

— E assim foi dito... — Hymur encolheu-se aceitando a reprimenda.

— Vá, pequeno Daman. Vá até os norukos e lhes diga que logo chegará o tempo em que nenhum noruko terá de temer os dragões. Diga-lhes que é chegado o tempo dos norukos servirem aos dragões novamente. O tempo da trégua.

— Farei isto, venerável Arjune'zur!

O Bruxo e a Foice SombriaDove le storie prendono vita. Scoprilo ora