8. Estirga

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— Vamos, Daman. Acorde! — o capitão Solan chutou o pé de Kurdis com sua bota enlameada.

Esse cara é pior que o mestre Lorran.

— O que houve? Não vê que o dia não começou? Volte mais tarde!

O corpo do jovem bruxo estava dolorido. Sua cabeça pesada só queria voltar a dormir.

Não vou sair daqui nem que o próprio rei venha me pedir.

Solan chutou-o novamente.

— É sério! Temos uma missão. Ordens do general Barsh.

— Eu não ligaria nem se fosse o próprio rei. Me esquece! Aquela batalha de ontem já valeu por um mês. Me deixa dormir!

— O general não vai ficar feliz.

— Que se dane o general!

— Bruxo cabeça dura! — Solan recuou e saiu dali pisando firme.

Kurdis ficou quieto, escutando os passos do capitão se afastando e tomando contato com outros sons. Roncos, gemidos e choramingos. Havia muita gente ferida em outras barracas perto da sua. Ele se virou para um lado, depois para o outro. Um soldado chorando à esquerda. Outro gemendo, à direita. E nada do sono retornar. Não conseguiu pregar os olhos.

Você tem que ir, Kurdis. É o seu dever.

O bruxo revirou-se na manta e trincou os dentes.

Meu dever? Você deve estar de brincadeira!

Finalmente, ele se sentou. Ali ao lado, enrolada em uma lona, estava a foice. Apoiado sobre o embrulho, seu cajado.

Certamente essa missão envolve fatiar kunes. Você não terá sossego enquanto essa maldita guerra não terminar. Além disso, o Grão-Mestre prometeu interceder a favor de meu pai se vencermos a guerra.

— Aff! Mas que porcaria! — Kurdis estalou o dedo, e a ponta de seu cajado brilhou emitindo uma pequena chama. Seu manto estava enrolado em cima de suas botas. Vestiu-se, pegou o cajado e jogou a foice embrulhada por cima dos ombros, prendendo-a com uma corda nas costas.

Esse troço é perigoso. Ontem, quase tocou minha mente.

Do lado de fora da barraca, pôde ver o céu estrelado e, perto do horizonte, uma faixa de azul mais clara. Estava frio, mas logo aqueceu-se com o poder do cajado.

Logo mais vai amanhecer.

Seu olhar foi atraído pelo fogo, a cerca de cem metros dali. Havia uma fogueira acesa do lado de fora da barraca alta do general Barsh. Pôde reconhecer a silhueta do capitão Solan, sozinho, atiçando o fogo.

— Então, resolveu levantar? — indagou Solan, puxando um espeto com um pedaço de carne que assava no fogo.

— Algo me diz que essa missão envolve matar kunes.

— Pode apostar. Quer um pedaço?

Kurdis aceitou, e Solan colocou a carne em cima de um toco para cortar em pedaços.

— Sirva-se.

Kurdis pegou a carne e mastigou. Era dura e tinha um gosto estranho.

— O que é isso?

— Murrão.

— Que porcaria...

— Mas vai te manter vivo. Melhor que palitos de carne seca e pão de ferro.

— Você me acordou de madrugada para comer essa porcaria de carne de murrão?

— O general quer você fora daqui antes do amanhecer. Tem alguns bruxos da sua ordem chegando, e ele ficou sabendo que vieram para buscá-lo. Ele não está disposto a deixar você ir... ainda.

O Bruxo e a Foice SombriaWhere stories live. Discover now