62. Os Cinco que São Um

4 0 0
                                    

O sol raiou na Floresta de Hashan e Kurdis pode observar toda aquela paisagem de um ponto de vista singular. Naquele instante, ele compartilhava parte da mente do grande dragão negro, Hymur.

Sua visão mudou de perspectiva rapidamente, saindo da observação do solo para erguer-se acima das copas das árvores. O dragão esticou a cauda usando sua musculatura especial a fim de encher os pulmões de sibilo. O ar estufou não apenas o peito, mas a cavidade lateral aos cinco estômagos, intestinos, seguindo a longa espinha dorsal até a ponta da cauda.

O sibilo longo e agudo de Hymur soou como uma sirene convocando todos os dragões da região para mais um cranten. Não era um som que ouvidos humanos conseguiam ouvir, era agudo demais, mas partilhando a mente de Hymur, Kurdis conseguiu escutar a longa nota do sibilo convocatório.

Pouco depois, a mente se descolou e viajou rapidamente até cair sobre seu corpo. Kurdis virou-se de lado, no beco e vomitou um pouco de bile. Saiu do beco e cambaleou até a fonte na praça da torre. Os primeiros raios de sol do dia projetavam a sombra da torre amarela até quase os limites da cidade.

Na praça, Kurdis bebeu da água que jorrava das mãos da bondosa deusa Fiste para dentro duma pequena cuba de pedra. Lavou o rosto e sentiu-se aliviado da dor de cabeça causada por partilhar a mente de uma criatura tão estranha. A água escorria da cuba suavemente para preencher uma piscina estreita na forma de um semi-círculo. Ali, o líquido se assentava de modo tranquilo formando um espelho d'água.

Kurdis olhou para a própria imagem e surpreendeu-se ao notar a íris de seus olhos cintilando com brilho amarelado. Seus cabelos estavam escuros, suas feições, mais próximas do que havia sido em sua juventude, veias saltadas em seu pescoço indicando uma musculatura rija. Aquela infusão de energia minimizou alguns aspectos do disfarce imputado a seu corpo em Topemari por Novafiz.

Não acredito que absorvi tanta energia! Bashir devia ter o quê? Duzentos? Trezentos anos?

Sentindo a energia circular dentro de si, ele olhou para o alto, admirando o cume da torre, rosado devido à luz do alvorecer.

Os dragões estão vindo. Só me resta fazer meu trabalho para finalmente colocarmos abaixo esta cidade!

Cedo, como estava, as ruas de Jaffe ainda não mostravam grande movimentação de pessoas. Kurdis apanhou a bolsa com sua foice e o cajado e embrenhou-se nos arbustos que ficavam à sombra de uma imensa salvineira. A árvore de raízes aéreas, e folhas pequenas, verde-escuras e com três pontas, logo estaria gerando uma generosa sombra sobre a praça.

Logo mais, Reilena vai ceder seu turno a outro membro da ordem.

***

Kurdis aguardou ali, sentado nas raízes da salvineira pensando em como agir agora que aquele momento crítico se aproximava. Para aliviar a tensão, esfregava os dedos, batia os pés de leva no chão, depois arranhava a raiz da árvore com as unhas, esfregava os dentes, voltava a esfregar os dedos.

Minha ação deve ser precisa. Devo agir com perfeição. Só me falta decidir a linha de ação.

Kurids visualizava diversos cursos de ação que poderia tomar. Pensava sobre os deuses sombrios que aprendeu a cultuar entre os Wux'shien. Tinha ciência de ser um instrumento nas mãos de Fre'garzam, mas ocasionalmente conseguia favores de Hulbrigult, o embusteiro. Certamente sua fuga de Tedris sob a imensa névoa escura tivera um dedo dele. Goltran poderia favorecê-lo numa abordagem direta, no combate sanguinário, mas as ilusões e truques de Hulbrigult tinham seu lugar...

Estou pensando demais... Talvez deva apenas me entregar aos ventos do acaso. Seguir o impulso e permitir ser o instrumento de Sass'zassno'tor. É isso, devo abraçar o caos!

O Bruxo e a Foice SombriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora