15. Chegada em Dera

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Nos seis dias de navegação entre Valta e Dera, Kurdis passou boa parte do tempo mareado. A viagem em alto mar parecia um pesadelo, mas felizmente, nos últimos dois dias, sentiu-se melhor. Passou a prestar atenção na conversa dos marujos e até mesmo, tentou alguma comunicação.

Mal entendo o que dizem... Eu pareço um idiota gaguejando coisas sem sentido! Eu devia ter me aplicado mais nas lições de idiomas durante a escola. É engraçado... Eu pensava que nunca viajaria para fora de Kedpir. Então, qual seria a utilidade de gastar tempo aprendendo outros idiomas?

— Deixem o rapaz em paz — Gustapo falou em sua língua materna e colocou os marujos para circular.

— Você os ameaçou? — indagou Kurdis.

— Não foi necessário... Mas estou curioso. O que pretende fazer em Dera? — O sorriso sem alguns dentes de Gustapo era simpático, mas, ao mesmo tempo, desconcertante. Kurdis não sabia para onde olhar. Em Kedpir, mesmo pessoas simples conseguiam economizar para consertar os dentes com artífices. Não estava acostumado ver tantos dentes faltantes em alguém jovem.

— Eu preciso ficar longe de Kedpir. Esperar o fim dessa guerra.

— O que aconteceu?

— É uma longa história...

— Temos tempo. Ainda faltam dois, talvez três dias para chegarmos em Dera.

É claro que Kurdis não confiou em Gustapo para contar que era feiticeiro e sobre seus crimes. Falou sobre sua família, sobre a injustiça que cometeram contra seu pai, sobre ter perdido tudo e estar sendo perseguido.

***

A primeira visão do porto de Dera deixou Kurdis abismado. Havia centenas de navios e uma quantidade imensa de atracadouros, mais que Jaffe e Valta juntas. Distraiu-se com a zoeira que uma quantidade de pássaros marinhos fazia. Depois, observou a cor escura da água e a imensa quantidade de construções que combinavam madeira e pedras, em um estilo totalmente diferente do que vira nas cidades de seu reino.

— Seja bem-vido a Dera, Cidade dos Mil Barcos. — Gustapo tirou seu chapéu e suspirou.

— Mas onde cabem tantos navios?

— Vamos passar na Boca e parar num dos ancoradouros internos.

Boca? Não vejo nenhuma boca...

Daquela distância, tudo que se via era um emaranhado de construções que pareciam se sobrepor umas às outras.

Outro navio com a bandeira da serpe e bandeirola verde e branca passou bem perto do Rainha Lucca. Os homens acenaram e tocaram sinos. Gritavam de lá pra cá e vice-versa. Kurdis não entendia as frases, apenas uma ou outra palavra avulsa.

— É o Rainha Crispa, mais um navio de nossa companhia. Nós servimos à Casa Tannis. Veja, estamos chegando à boca.

Kurdis franziu o cenho e colocou a mão sobre os olhos para olhar na direção da imensa ponte que estava contra o sol. A ponte formava três arcos altos, sendo o central o maior deles. Ali navios de grande porte como o Rainha Lucca conseguiam passar. A ponte tinha diversas construções amontoadas sobre ela, pequenas casas, torres, janelas e mais janelas. Nas duas extremidades, havia duas torres de pedra circular, circundadas por escadarias em espiral.

Entravam agora num imenso canal que se dividia em três. A esquerda e à direita, havia docas com pelo menos trinta píeres e adiante, o canal seguia cortando boa parte da cidade. A via principal era cruzada por sucessivas pontes de menor porte, sobre as quais, apenas embarcações menores podiam passar. O piloto manobrou o navio para as docas à direita, onde havia diversos navios da mesma companhia de sua embarcação.

O Bruxo e a Foice SombriaWhere stories live. Discover now