T w e l v e

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– T w e l v e –

Depois de pernoitar em casa do Niall, ele levou-me a casa dizendo-me que os meus pais sabiam que eu tinha ido dormir a casa de uma amiga. Era estranho dizer algo como isso visto que eu nunca falei dos meus amigos á minha mãe, por questões óbvias.

Quando entrei em casa estava completamente vazia, fazendo-me acreditar que os meus pais tivessem ido visitar o Isaac ou que estivessem simplesmente a trabalhar. Era tão estranho ouvir tanto silêncio nesta casa, embora não fosse comum ser barulhenta a casa nunca estava tão silenciosa, tão vazia. O Isaac fazia imensa falta.

Estes últimos dias têm sido um pesadelo para mim, garrafas de álcool espalhadas no chão do meu quarto, caixas de tabaco consumidas num picar de olhos, enumeras lágrimas salgadas, e cortes, cortes fundos e sentidos. Eu sentia-me como se estivesse numa piscina com quinhentos quilos nos meus pés, e água até ao queixo, estava tudo tão desordenado, na realidade nunca esteve ordenado, mas agora está tudo muito pior, e temo que não melhore.

Cada vez me sentia mais encalhada no meu iceberg de problemas, cada vez era mais difícil de me soltar, e sei que ficarei para sempre presa neste presente, mas eu sempre tive esperança de um dia poder sair, poder ser uma rapariga normal, sem automutilação, sem dor no peito, sem cigarros, eu queria ser normal. Eu queria por uma vez na vida poder sair com amigos á noite, poder fazer festas de pijama, poder desabafar, poder fazer mil e um planos porque iria ter amigos para os fazer comigo, mas é tudo ou contrário na minha vida, aliás neste momento, está tudo virado do avesso.

Quando me apercebi que continuava ali parada, no meio da sala gelada, corri escadas a cima abrindo o meu quarto com uma das chaves do meu porta-chaves, apenas o tranquei porque não tive tempo de o arrumar e não queria, de maneira nenhuma, que a minha mãe visse garrafas de álcool ou sentisse o cheiro a tabaco.

O quarto estava pior do que eu me lembrava, a minha cama estava desfeita apenas com o colchão, os lençóis brancos tinham manchas de sangue e estavam espalhados no chão. Existiam cacos de vidro provenientes do copo de no qual bebera primeiramente, antes de começar a beber apenas pela garrafa, que se encontrava estilhaçada no chão. Vi lâminas ensanguentadas em cima do colchão, bem como cigarros apagados.

As memórias do pesadelo da noite anterior atacaram a minha cabeça, fazendo lágrimas crescerem nos meus olhos, o desespero daquela menina estava tão presente, a maneira como ela gritava até não ter mais ar, era tão notável a dor no seu rosto, e todo aquele cenário era-me tão familiar. Eu tive a certeza de que tudo aquilo se tratava da minha vida quando a chuva vermelha me molhou, quando fui agarrada por caules espinhosos, quando a minha boca foi cozida não me deixando gritar e pedir por ajuda, eu tive toda a certeza quando fui engolida por um mar tóxico onde metaforicamente se encontravam todos os meus problemas a consumirem-me lentamente.

Eu já soluçava de joelhos caídos no chão e cabeça baixa, perguntava-me o que poderia ter feito eu de errado para merecer algo tão cruel, quando foi que as pessoas viraram tão picuinhas a ponto de te julgarem sem te conhecerem, ao ponto de te tratarem mal por seres diferente, parece que as suas memórias foram sugadas e não se lembram que eu sou humana, que eu posso ter uma cor de pele diferente mas sou exatamente igual a eles, eu tenho olhos, nariz e boca, tenho braços e pernas, mais importante do que exteriormente, é o interior onde eu tenho um coração como toda a gente, e o meu por todos estes anos tem vindo a ser tão magoado, tão partido que por vezes parece que desapareceu.

Lembrei-me do meu passeio com o Niall, ele deveria estar aqui em pouco tempo, por isso enxuguei as lágrimas com as costas das mãos e parti para a casa de banho, onde me despi lentamente enquanto olhava o espelho. As cicatrizes espalhadas pelo meu corpo davam-me tremenda vergonha, sentia-me tão envergonhada por as ter, era um sinal de fraqueza, eu não fui forte o suficiente para manter aqueles metais cortantes longe do meu corpo, eu fui e sempre serei uma fraca.

Racism | njhWhere stories live. Discover now