PRÓLOGO

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5 ANOS ANTES


A vida não é ruim. Ela apenas é difícil às vezes.

Era isso que Brianna Ellen Fraser dizia para si mesma, mentalmente, toda vez que estava tendo um dia péssimo – a vida não é ruim, ela apenas é difícil às vezes. Ela repetia como se fosse um mantra, até ao ponto em que chegava a ser ridículo e ela começava a caçoar de si própria. Garota branca e privilegiada acha que sua vida é difícil – piada do ano. Ao mesmo tempo em que se martirizava, ela também tentava enxergar a realidade ao seu redor.

Bree tinha uma casa maravilhosa e uma família incrível, que a amava. Afinal, ela era a filha de James e Claire Fraser – se a vida fosse um filme ou uma série de televisão, Jamie e Claire seriam o casal protagonista amado pelo público, e Bree seria a filha coadjuvante que os fãs pediriam para que tivesse menos falas, porque suas cenas estavam roubando o tempo de tela dos pais.

Claire Beauchamp era órfã desde os cinco anos de idade. Viajou pelo mundo com seu tio Lambert e, quando decidiu se estabelecer em um lugar para começar a faculdade, conheceu Frank Randall. O seu charmoso e manipulador – pelo menos, era assim que Mamãe descrevia – primeiro marido, com quem ela se casou com apenas 19 anos, ingênua e apaixonada. Ele foi o seu primeiro amor, ela contava, mas a chama daquele casamento se apagou muito antes do seu fim – e sendo aquela a vida mais estável que Claire já conhecera, ela permaneceu com Frank até que ele sofresse um trágico acidente de carro que tirou sua vida, pouco tempo antes de eles completarem as bodas de oito anos.

A vida de Claire continuou: na verdade, antes de Frank, o seu primeiro amor havia sido a medicina. Algum tempo depois de ter se tornado viúva tão jovem, conheceu Jamie Fraser na Scotland Yard – ela, médica forense, e ele, na época, sargento. Bree já conhecia de cor as palavras que Mamãe usava quando contava sobre a história dela e de Pa: ele não foi o primeiro amor dela, mas era o amor de sua vida.

"Estive em um casamento por conveniência, Bree, e em um casamento por amor", ela contava, mesmo que Brianna estivesse longe da idade de sequer pensar em se casar. "Quando for a sua vez, lembre-se de escolher o amor".

Ela amava seus pais. Amava eles juntos. Mas também se perguntava se ela não havia apenas se tornado uma projeção do que eles queriam que ela fosse – se é que algum dia ela havia pertencido somente a ela mesma. Ela não era a primeira filha – essa era Faith, sua irmã natimorta que foi a primeira tragédia que quase abalou o casamento de Claire e Jamie. Buscando um recomeço, eles se mudaram para Boston, onde Bree nasceu. Mas ela tampouco era a filha mais velha – esse era Fergus, seu irmão adotivo. Jamie e Claire haviam adotado o órfão francês quando ele tinha dezesseis anos e Bree, doze.

Quem era ela, então?

Ela era a reencarnação de sua avó Ellen, que ela nunca havia conhecido. Pelo menos era isso que seu pai dizia – e ela podia ver a semelhança entre as duas pelas fotos em preto-e-branco da avó. Ela era a melhor bailarina da sua turma, mas também era faixa preta em taikwondo desde a pré-adolescência: era a garotinha do papai, mas também sabia se defender. Nunca havia feito nada de errado, além de socar um colega da escola que tentou assediá-la, e de qualquer forma, todos ficaram do lado dela. Ela era o histórico acadêmico perfeito, a oradora oficial de sua classe. Ela era acadêmica de História em Harvard, e nem sequer havia sentido o nervosismo e a expectativa para receber sua carta de aprovação, ela simplesmente sabia que seria aceita. E foi.

Brianna não culpava seus pais por quem ela era – ela gostava de quem era, apesar de tudo. Mas ela sentia falta de ter a empolgação por algo, dos nervos à flor da pele, de fazer alguma coisa pela primeira vez, de fazer algo inesperado. Sentia falta... de se sentir viva.

Mamãe e Pa, pensou ela. Eu achei que queria ser uma historiadora. É fácil, eu conseguiria. Mas... eu não sei mais se é isso que eu quero. Não sei mais se quero estar em Harvard.

Quero... construir coisas. Fazer coisas.

Não era a primeira vez que ela tinha aqueles pensamentos. Se ao menos ela tivesse coragem de dizê-los em voz alta...

Mamãe e Pa, eu não sei o que quero fazer agora. E quero me sentir bem com isso. Quero descobrir um mundo fora de casa... talvez fora de Boston. Eu os amo muito, mas... não acho que quero mais morar com vocês.

Ela sentiu o coração acelerar por um momento, a excitação de uma mudança que ainda não havia chegado. Mas iria vir. Ela criaria coragem e diria aquelas palavras em alto e bom som para Jamie e Claire.

A vida não é ruim. E ela iria fazê-la valer à pena, nem que precisasse fazer isso até o seu último dia para que se sentisse completa.

Bree não poderia se importar menos com a aula de História da América Colonial – faziam minutos desde que a voz do professor Stewart havia se tornado apenas um barulho abafado para seus ouvidos. Ela abriu o caderno no meio, numa página aleatória em branco, e começou a escrever, sentindo – talvez, pela primeira vez – a animação até na ponta de seus dedos.

 Ela abriu o caderno no meio, numa página aleatória em branco, e começou a escrever, sentindo – talvez, pela primeira vez – a animação até na ponta de seus dedos

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Parou de escrever, se sentindo ridícula. Quase caçoou de si mesma ao ler os últimos itens que havia escrito – eram vergonhosos, mas eram a verdade. Brianna nunca havia tido um namorado, em primeiro lugar porque seus um metro e oitenta de altura (desde os quinze anos) assustavam os garotos. Em segundo lugar, porque seu pai assustava os garotos.

Ela nem sequer tinha dado um beijo de verdade, um que lhe causasse frio na barriga e a fizesse se sentir que estava flutuando. Bem, ela não podia culpar os meninos com quem tivera, às escondidas, suas tentativas fracassadas envolvendo aparelhos dentários e outros detalhes mais nojentos. Afinal, ela nunca sequer tinha se apaixonado. O que eles podiam fazer?

Balançou a cabeça, como se pudesse fazer os pensamentos irem embora, e voltou a escrever.

Balançou a cabeça, como se pudesse fazer os pensamentos irem embora, e voltou a escrever

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Uau. Por que raios ela tinha colocado o título como 100 coisas para fazer? Por que ela não podia ter pensado em um número menor? Ela nem tinha certeza se conhecia 100 palavras.

(Metaforicamente falando, é claro. Brianna também tinha ganhado o concurso de soletração da escola.)

Completar sua lista de 100 coisas não seria fácil, ela percebeu. Mas se aquele era o começo da sua trajetória para a liberdade, ela não iria parar até terminar. Sua mãe costumava dizer com frequência o quanto os Frasers eram teimosos.

E, dentre eles, talvez ela fosse a maior.

{PT} Brianna and John's Things-to-Do ListWhere stories live. Discover now