10. UMA BENÇÃO DISFARÇADA

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JOHN


Naquela manhã, nenhum oficial de polícia apareceu à sua porta para levá-lo até a delegacia. Era bem cedo, ele sabia disso, mas seu cérebro não havia parado de funcionar desde a noite anterior, martelando insistentemente ao redor de cenários catastróficos que provavelmente se desenrolariam como consequência da sua imprudência. Ele não devia ter contado seu segredo, foi estúpido e ingênuo, mas uma parte dele — e não importava que essa parte soasse extremamente tola e infantil — sabia que ele podia confiar em Brianna Fraser.

Havia também as palavras dela. A forma como sua resposta o envolvera em uma bruma de esperança e, de certa forma, desejo. Eu quero, ela havia dito. Você sabe que eu quero. Ele sabia, sim, mas ouvir aquilo era quase tão inebriante quanto um bom vinho. Era doce, também, e estranhamente viciante. Ela o queria — muito provavelmente nem de longe tão intensamente quanto ele a queria, mas já era alguma coisa. Existe algo mágico em saber que seu desejo por alguém é correspondido. Seres humanos, como os espécimes sensoriais que são, conseguem demonstrar esse sentimento de diversas maneiras. Nenhuma, entretanto, era tão efetiva quanto admiti-lo em voz alta.

Por isso, depois de a deixar em River Run Gallery, John foi até o metrô. Ele não sabia o que o havia levado até ali, além do seu subconsciente refazendo seus passos desde o dia em que ele conhecera aquela mulher; ruiva e poderosa como uma deusa. Nova York nunca dormia, mas até mesmo o metrô conseguia ser menos caótico em alguns horários. Ele se sentou em um dos bancos, analisando o fluxo reduzido de pessoas com uma curiosidade quase profissional. Ele não sabia porque fazia aquilo, mas imaginar a vida das outras pessoas parecia ajudá-lo a encontrar coerência na sua própria. Quais problemas elas enfrentavam? Quais marcas de expressão eram causadas pela idade e quais eram consequência do estresse causado pelo pelas adversidades presentes no dia-a-dia? Quanta informação estava escondida em suas expressões, trejeitos e sua forma de andar?

Já era bem tarde quando ele viu o casal. Ele estavam na parte mal iluminada do metrô e John entendeu o motivo pela escolha estratégica do local. A jovem estava sentada no colo do seu companheiro e, mesmo com toda a distância entre ele e o casal, era possível vê-la movimentando o quadril na direção da mão que desaparecia por debaixo da sua saia. Era impossível ver o rosto dela, assim como o dele, mas os movimentos lentos que eles faziam contavam uma história que ele não deveria estar lendo. Ele pensou em se levantar e sair, sentindo-se como um voyeur pervertido que não deveria estar ali, mesmo que eles não devessem estar fazendo aquilo ali. Ele percebeu que, de onde o casal estava, atrás de uma das pilastras, ninguém que descesse em direção à estação poderia vê-los.

Estava prestes a levantar quando finalmente entendeu o motivo pelo qual o casal chamou sua atenção, em primeiro lugar. John prestava muita atenção nos detalhes, fazia parte do seu trabalho como artistas. Mesmo protegida pela iluminação irregular do canto mais afastado da estação, ele ainda conseguiu distinguir a silhueta de Katherine Howard. Não havia como ter certeza, já que ela era extremamente parecida — fisicamente, pelo menos — com qualquer outra garota loira de estatura baixa que parecia existir aos montes em Nova York.

John se perguntou se aquele cara era o professor com quem ela estava dormindo, mas, mais uma vez, ele foi surpreendido pela sua própria falta de interesse em saber mais sobre ela. Eles não tinham obrigações um com o outro, nem mesmo saíram tantas vezes assim, mas ele sabia o que tinha que fazer. Sua memória vagou, quase que instintivamente, em direção à feira em que Brianna e ele quase se beijaram. Ela não o teria sem resolver as coisas com Roger antes e ele sabia que deveria fazer o mesmo.

Sendo o mais discreto possível, ele subiu para a superfície de novo e inalou uma grande lufada de ar gelado, sentindo seus pensamentos se desfazerem e deslizarem pelas suas narinas quando ele expirou. A distância até Dumbo era enorme, mas ele andou boa parte do caminho antes de pegar um táxi, aproveitando a noite nova-iorquina como ele costumava fazer. Como uma trilha sonora incoerente e caótica, tocando na parte mais distante da sua mente.

{PT} Brianna and John's Things-to-Do ListWhere stories live. Discover now