EPÍLOGO 1

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Encarei meu reflexo no espelho, talvez pela milésima vez naquela última hora, buscando algum defeito que poderia ter deixado passar despercebido. Como já era de se esperar, não havia aparecido magicamente nenhuma falha em minha maquiagem e nenhum fio dos meus cabelos castanhos estava fora do lugar. É claro que eu estava bonita, mas ainda me sentia bastante insegura. Não por causa da minha aparência, mas pela magnitude do que estava prestes a acontecer.

Em alguns minutos, o momento pelo qual eu havia esperado por tanto tempo a se tornaria realidade. E eu nunca mais seria a mesma pessoa depois disso.

Talvez não fosse como eu havia sonhado desde o início. Não era um lugar grande, cheio de fotógrafos e celebridades, mas era muito melhor do que qualquer coisa que eu havia esperado nos últimos anos, quando cheguei perto de desistir daquilo que mais amei em toda a minha vida. Era melhor do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado porque era meu, parte de mim – parte da minha história.

— Lizzie! — a voz de Brianna me fez desviar o olhar do espelho iluminado do camarim. Minha melhor amiga passou pela porta, parecendo uma rainha mística com suas roupas chiques e o longo cabelo ruivo voando atrás dela conforme ela vinha em minha direção. Acho que essa era a minha coisa favorita sobre Bree: ela parecia completamente alheia ao fato de que poderia se destacar em qualquer lugar no mundo e era a única pessoa que não conseguia entender o quão maravilhosa ela era, por dentro e por fora.

Fiquei de pé e Brianna me prendeu em um abraço apertado que retribuí com força.

— Estou tão animada! — Bree deu um gritinho, sorrindo de orelha a orelha — Você está nervosa?

Era uma pergunta retórica, obviamente. Provavelmente nunca estive tão nervosa.

— Estou pronta — respondi, simplesmente, porque pareceu mais apropriado. Nervosismo era algo pequeno demais para me parar ou sequer me preocupar. Sempre soube do que eu era capaz.

Atrás de Brianna, John deu uma risadinha. Ele se aproximou e eu ergui os braços.

— Estamos orgulhosos de você, Lizzie. — ele falou.

— Obrigada, Grey — respondi, sorrindo, e nos abraçamos.

Acho que John sabia, mas eu estava orgulhosa dele também. Ele havia ganhado alguns pontos comigo desde que havia decidido não entrar no avião para a Islândia, mas foi o seu trabalho no centro comunitário no Brooklyn que me fez ter certeza de que John era muito mais do que um rosto bonito e um artista talentoso. Ele se importava com aquelas crianças como se fossem sua própria família; cada uma era especial para ele, não havia como negar. Ver o amor de John por aquele projeto me fez admirá-lo ainda mais, porém eu não admitiria isso em voz alta. Não queria inflar o ego dele.

Enquanto eu e Mandy começávamos a escrever e produzir a peça, Brianna e John salvavam o centro comunitário. Com o seu novo emprego na empresa de Cooper, Bree conseguiu ter mais tempo livre para dar aulas às crianças. John arrecadou dinheiro o suficiente com a venda de seus quadros para estabilizar as coisas e garantir a aposentadoria da antiga diretora do local. Ele assumiria o cargo oficialmente em algumas semanas, e Brianna continuaria o ajudando com as aulas.

Um casalzão da porra, eu diria.

— Por favor, não me diga que estamos muito atrasados — Marsali falou, abrindo a porta e disparando em minha direção como uma força da natureza.

— Chegou bem a tempo, meu amor — respondi, logo antes de ser esmagada por seu abraço. Para alguém do seu tamanho, Mars era surpreendentemente forte.

— Você vai se sair ótima — disse ela, afastando-se o suficiente para me segurar pelos ombros, soando extremamente séria. Marsali era movida pela lógica e pela razão na maior parte do tempo, então se ela estava dizendo aquilo era porque realmente acreditava em mim. — Você é incrível.

— Eu sei.

Je te dis merde, ma chérie — Fergus veio até nós, me prendendo em um sanduíche entre ele e Marsali. Dei risada.

Merde — retruquei. Meu francês vagabundo do ensino médio era o suficiente para entender que a expressão referente ao "quebre a perna" em francês era mandá-lo à merda.

— Dottie e Denny já pegaram os lugares deles e encontraram o sr. Wemyss lá fora — John anunciou, encarando o celular — Ela pediu para avisar que a casa está cheia.

Senti como se de repente meu coração tivesse decidido dar cambalhotas dentro do peito. Os minutos se passaram e continuei sorrindo enquanto meus amigos conversavam comigo, falando sobre como estavam felizes com o sucesso das vendas dos ingressos. Eu também estava, é claro – a peça contava a história de uma vítima de assédio sexual e todo o dinheiro arrecadado com os ingressos seria doado para uma instituição de apoio a sobreviventes de abusos. No entanto, meu nervosismo começou a aumentar conforme o início da apresentação se aproximava e eles não chegavam.

Jo e Kezzie. Eles haviam dito que estavam presos no trânsito, mas eu não achei que... Não, ordenei a mim mesma, não pense nisso. Eles chegariam a tempo. Eu precisava deles ali. Desde o início, quando essa peça ainda não passava de planos e rascunhos, eles haviam sido meus maiores apoiadores. Eles acreditavam em mim, mais do que eu acreditava em mim mesma.

— Tenho certeza de que eles estarão aqui em breve — Brianna se aproximou de mim, segurando minha mão e me direcionando um olhar reconfortante. Apenas sorri e balancei a cabeça, contendo uma súbita vontade de chorar e me sentindo grata por ela me entender sem que eu precisasse dizer nada.

No instante seguinte a porta foi aberta novamente, e eu finalmente pude respirar de alívio. Me atirei nos braços de Kezzie primeiro, puxando Jo em seguida, que estava segurando um buquê gigante de rosas. Eu nunca havia recebido flores em toda a minha vida.

— Desculpe por termos demorado tanto — Kezzie disse.

— Mas nós queríamos fazer algo especial — Jo explicou, entregando o buquê para mim. Senti meus olhos marejados e pisquei para afastar as lágrimas, puxando Jo pela gola da camisa para beijá-lo e fazendo o mesmo com Kezzie em seguida.

É claro que seria especial. Todos que eram importantes para mim estavam ali.

Talvez aquela peça jamais acontecesse se algo horrível não tivesse acontecido comigo, mas foi preciso passar por aquilo para que eu percebesse e tivesse a certeza de que eu era amada e que jamais estaria sozinha. Se eu não tivesse encontrado Mandy, talvez eu tivesse desistido de ser atriz. Mesmo que eu me esforçasse para não deixar transparecer, por muito tempo me senti como um fracasso, como se estivesse atrasada na vida e como se meu sonho fosse inútil e descartável.

Foi preciso passar por algo terrível para que eu encontrasse algo que esteve dentro de mim o tempo todo. Eu era mais forte do que o trauma, e eu usaria o meu sonho para honrar a força de todas as mulheres que haviam passado por aquilo também.

Eu esperava que elas pudessem se sentir tão amadas e cuidadas quanto eu me sentia agora.

Meu olhar alternou entre os dois casais e meus namorados. John e Brianna se casaram poucos meses depois de se conhecerem, movidos pelas motivações erradas, mas eu não tinha dúvidas de que os dois usariam o restante de suas vidas para compensar por isso do jeito certo. Qualquer idiota com um par de olhos podia ver que os dois eram feitos um para o outro, não somente porque se amavam, mas porque eles tornavam um ao outro melhor do que já eram, e juntos estavam construindo algo muito maior do que eles mesmos por crianças que compartilhavam o amor deles pela arte. Marsali e Fergus não chocaram ninguém quando disseram que iriam morar juntos depois da formatura dela: por causa da proposta de emprego, Mars não precisaria voltar para Inverness, e Fergus havia decidido se mudar oficialmente para Nova York. Por mais diferentes que fossem, eles se completavam e faziam um ao outro mais feliz do que jamais haviam estado. Jo e Kezzie... eles eram as duas metades do meu coração, os únicos que realmente haviam me entendido e me amado da maneira mais sincera. Os julgamentos nunca importaram para mim, porque eu havia achado neles algo que muitas pessoas procuram por todas as suas vidas e nunca encontram, e eu não abriria mão de um deles apenas para me encaixar num padrão mais aceitável.

Nenhum de nós ali tinha uma história de amor convencional. Acho que era exatamente isso que fazia delas tão especiais.

Com um suspiro de êxtase, me preparei para entrar no palco.

{PT} Brianna and John's Things-to-Do ListOnde as histórias ganham vida. Descobre agora