2. DIAS DE LUTA, DIAS DE DERROTA

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JOHN


O apartamento que John Grey dividia com seu amigo, Denzell Hunter, ficava em Dumbo, no Brooklyn, e era — na melhor das hipóteses — arrumadinho. Não havia muito espaço para os poucos pertences de John, nem para a infinidade de livros que Denny usava na Universidade do Estado de Nova York, onde ele estudava medicina. Havia menos espaço ainda para Willie, seu ego inflamável e seu temperamento instável que não fazia questão de esconder que o apartamento era dele e que a presença dos outros dois ali era uma mera inconveniência.

A chave girou com dificuldade na fechadura e John precisou forçar a porta com o ombro para conseguir entrar. Ele ouviu o ronco alto antes de ver Willie esparramado no sofá de dois lugares, a barriga peluda subindo e descendo enquanto ele aproveitava o sono dos justos. Sem querer acordá-lo, John fechou a porta atrás de si com o máximo de cuidado possível e colocou as suas chaves na bancada de três palmos que separava a minúscula cozinha da ainda-menor sala de estar.

— Willie? — sussurrou ele, se aproximando sorrateiramente do sofá de veludo verde e puído. Ao se aproximar, John se inclinou para frente e afagou a cabeça castanho escura com toda a delicadeza do mundo, recebendo um rosnado e uma quase mordida. — Ai! Sua praga!

Willie latiu algumas vezes, mal humorado. John tentou se sentar no sofá, entendendo logo em seguida que acabaria perdendo uma orelha se tentasse invadir o espaço pessoal daquele maldito cachorro.

— Você dá amor, dá carinho, dá um lar e os alimenta — resmungou ele, tirando a jaqueta jeans e a colocando no cabideiro que ficava sobre a bicicleta velha que ele e Denny compartilhavam, pregado na parede atrás da porta. — Ainda assim, um belo dia, eles acordam e decidem que vão se rebelar contra você.

É isso o que você merece por ser tamanha decepção para os seus pais, pensou ele, amargamente.

Seus olhos desceram em direção ao cachorro cor de chocolate novamente e ele desfez a carranca.

— Você não é uma decepção para mim, ok? Eu te amo e te aceito como você é.

Willie rosnou mais uma vez e John sorriu, desafivelando o cinto enquanto se encaminhava para o banho. Havia algo sobre passar muito tempo nos metrôs de Nova York que sempre fazia com que ele sentisse a necessidade avassaladora de tomar um banho e eliminar qualquer resquício de sujeira e imundície da cidade grande. Com a porta fechada, ele chutou as calças para o chão e puxou a camisa cinza por cima da cabeça, franzindo o nariz com o cheiro pungente de cigarro. Ele odiava aquele cheiro, mas era impossível passar mais do que alguns minutos ao lado de artistas fracassados como ele sem que alguém puxasse uma morte em palito para inalar.

O banheiro que ele compartilhava com Denny era, como todo o apartamento, ridiculamente pequeno para dois homens adultos e um vira-latas de procedência desconhecida — John sempre tivera gatos durante sua infância e Denny havia frequentado uma palestra sobre a importância da adoção para o emocional dos animais de rua, então nenhum deles procurou saber que tipo de monstrinho Willie realmente era. O azulejo era de um tom bege que parecia terrivelmente encardido, apesar dos esforços meticulosos de ambos os moradores para ter certeza de que tudo estava perfeitamente limpo. Eles tinham uma banheira, mas ela era tão pequena que John, com seus 1,86m de altura, mal conseguia sentar sem ficar extremamente desconfortável e o chuveiro os torturava havia meses com um pingo e insistente.

De pé, John precisava ter muito cuidado para não bater com o nariz no chuveiro e era necessário um malabarismo imenso para que ele conseguisse lavar os cabelos escuros. Ele se lavou, tentando o novo exercício de meditação que sua mãe havia visto no YouTube e insistido para que ele aprendesse. Ele acordara com um sentimento ruim e mal humorado, sem saber muito bem o motivo que o deixara daquele jeito. Foi só durante o trajeto até o metrô que John se lembrou que dia era e soltou um palavrão que fez uma senhorinha entregando panfletos sobre o fim do mundo fuzilá-lo com o olhar.

{PT} Brianna and John's Things-to-Do ListWhere stories live. Discover now