26. A QUEDA DE ÍCARO

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JOHN


Havia um mito na mitologia grega que John sempre achou extremamente preciso, quando traduzido para a vida real. Quando Dédalo foi aprisionado no labirinto junto com seu filho, Ícaro, ele precisou encontrar alguma forma de salvar seu bem mais precioso de um aprisionamento que ia muito além dos limites físicos. Ele projetou asas fortes o suficiente para permitir que eles fugissem das garras do tirano que os havia aprisionado e conseguiu se lançar na direção da liberdade que ele tanto desejava. Ele sabia que aquela emancipação significava muito mais para o filho do que para si mesmo e, talvez, aquilo fosse suficiente para o velho inventor.

Ícaro não era ingrato. Ele não planejou trazer dor para o pai, mas foi exatamente o que aconteceu. Porque, quando se experimenta a liberdade, é muito difícil aceitar que você um dia poderá voltar para o aprisionamento de onde você tentou desesperadamente fugir por tantos anos. Naquele momento, mais do que nunca, John entendia Ícaro. Embriagado pela liberdade e pela felicidade genuína, ele havia voado muito perto do sol e agora suas asas estavam em chamas. Disparando em direção ao oceano, ele só podia esperar que sua queda não trouxesse dor para mais ninguém.


No dia 26 de dezembro, John e Dottie foram até o centro comunitário, onde ele havia esquecido sua jaqueta de couro na semana anterior. Os corredores e as salas de aula estavam vazias e estranhamente silenciosas, fazendo um arrepio infundado percorrer a sua espinha. Ele sabia que as coisas não iam bem para o refúgio que Emma Knightley havia criado. O centro estava passando por problemas financeiros e, por isso, algumas turmas tiveram que ser fechadas. Aquele lugar representava tudo pelo que John lutara durante sua vida e, ouvir o som dos próprios passos enquanto andava por entre as salas de aula parecia semelhante demais com a sensação de se andar por um mausoléu.

— Todos os alunos são imigrantes ilegais? — perguntou Dottie, ficando na ponta dos pés para espiar o depósito pela janela na porta.

— A maioria — murmurou John, apertando o molho de chaves na mão suada. Havia algo ligeiramente perturbador em andar por aqueles corredores, normalmente tão cheios de vida, e ser recebido pelo silêncio cheio de ruídos de um prédio velho. Ele sentia falta das crianças, mas as aulas só voltariam na segunda semana de janeiro, quando as festas de fim de ano acabassem. — Alguns só querem ser artistas quando crescerem.

— Nunca pensei que isso fosse possível — admitiu sua prima, lançando-lhe um sorriso. — Crianças sempre querem fazer o que seus pais fazem. Leva alguns anos até que elas aprendam a pensar por si mesmas. Fico feliz em saber que existem artistas mirins que sabem desde cedo o que querem.

— Você é muito otimista — murmurou John, semicerrando os olhos azuis ao ver a iluminação passar pela fresta de uma das portas no fim do corredor.

— Todos precisam aprender a ter seus sonhos destruídos em algum momento da vida — Dottie comprimiu os lábios. — Não significa que eu não possa torcer por eles. O que foi?

Ela seguiu o olhar do primo e franziu o cenho ao ver a luz.

— Você disse que o prédio estava fechado para as festas de fim de ano.

— E está.

Dottie deu de ombros, caminhando em direção à luz.

— O que você está fazendo? — perguntou John, apertando a jaqueta contra o corpo.

— Dizendo um "oi" — respondeu ela.

Ele não era paranoico — sem motivo, pelo menos —, mas a andar por uma escola escura na manhã pós-Natal não estava na sua lista de coisas agradáveis para se fazer. Todavia, sem muitas opções, ele decidiu seguir Dorothea e, ao se aproximar da porta, ficou imóvel como uma estátua quando ouviu uma voz feminina cantarolando do lado de dentro.

{PT} Brianna and John's Things-to-Do ListWhere stories live. Discover now