Capítulo 20

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— Houve uma vez em que trabalhei como um burro de carga, e ganhei apenas quatro abacates como recompensa. E eu nem gosto de abacate.

— Sr. Whitehouse, o que esta protelação tem a ver com o resto de sua história? Como isso leva ao fato de que a Srta. Fitzberg... — Alessia falou baixinho, temendo magoá-lo — destruiu o seu coração?

— Creio que fui muito dramático ao relatar este acontecimento. Não devia levar tão a sério as minhas palavras, Raio de Sol, pois sou um emissor nada confiável. 

— Está perdendo o rumo da conversa, isso sim. Quer fazer-me pegar no sono e não me contar o restante de sua jornada.

— É necessário um pouco de suspense para saber se o espectador ainda está atento. E como passaste no meu teste, irei continuar a contar.

Nicholas pôs a mão fechada debaixo do queixo, como se costurasse uma colcha de retalhos em busca de recordações perdidas.

— Por favor, continue — Alessia clamou, piscando seus grandes olhos castanhos.

— Tenha paciência, senhorita. Sem interrupções. Posso ter vinte e dois, mas a minha memória é de um homem de seus noventa anos. Enfim, onde eu estava mesmo? — fizera mais uma de suas pausas dramáticas. — Oh, sim, lembrei-me. O Sr. Floyd vendeu-me para a família Fitzberg. Não faça essa expressão de espanto, Raio de Sol. Eu lhe avisei que não seria responsável por nenhum coração partido. O Sr. Floyd acumulou inúmeras dívidas de jogo, deixando a família quase à beira da eterna penúria, e como era um viciado incurável em apostas, a solução que encontrou para o seu problema foi vender-me para que eu trabalhasse nos estábulos da família Fitzberg. A Sra. Floyd concordou com um largo sorriso, afinal, eu era a pedra em seu sapato. Disse "adeus" e nem sequer olhou para trás. Aos oito anos, tive de aprender até o mais difícil dos ofícios. Trocar ferraduras dos cavalos, o que ocasionava em coices que eu sempre levava, além de ter de treinar os potros e pôneis, e claro, sempre deixar os equinos limpos e com a crina bem cuidada. 

Outra vez, inclinou o corpo para frente, os cotovelos repousando nos joelhos.

 — Eu era apto ao trabalho por ser uma criança muito ignorante e suja. Desdenhavam de mim facilmente por eu ser um garoto iletrado. Praticamente, os próprios criados da casa consideravam-me como uma criança feral¹, imagine só, apesar de eu nunca grunhir ou fazer sons incompreensíveis. Para eles, meu único objetivo de vida era morrer trabalhando nos estábulos fétidos. 

Cruzou os braços, jogando a cabeça para trás, mirando o teto do quarto. Alessia estava quase a roer as unhas devido as pausas que o rapaz fazia.

— No entanto, porque mudei de lugar, a misteriosa dama gentil que sempre aparecia em meus aniversários, desapareceu completamente de minha vida. Meus aniversários foram esquecidos. Não houveram mais bolos de nozes, tortas de cereja ou favos de mel. Tudo de repente não passava de uma mera lembrança distante, feita de fumaça e delírios. Enquanto eu cuidava dos cavalos, fui ordenado pelo Sr. Fitzberg que eu deveria preparar o mais belo pônei do estábulo, pois a filha dele estava aprendendo aulas de equitação. É o que chamam de destino, quando duas almas diferentes se cruzam? Eu não tinha qualquer valor, nem família e nem mesmo um maldito autêntico sobrenome, mas Alden apegou-se a mim e não queria que mais ninguém preparasse o pônei dela, apenas eu. Visitava-me constantemente no estábulo, a trazer pães de açúcar e sumo de maçã. Admito que Alden deixou os meus dias menos amargos naquela ocasião. Ficamos amigos. Os melhores amigos do mundo todo. Ela sempre se esforçava para que eu continuasse a aprender a ler, e, pacientemente, munida de uma lamparina e um livro com gravuras, me visitava no celeiro para ensinar-me as sílabas.

Alessia sentiu uma sensação estranha e amarga em seu peito. Nicholas falava sobre sua amizade com Alden como se recitasse uma imaculada poesia. Não podia demonstrar o quão facilmente incomodava-se ao escutar o nome da outra saindo dos lábios dele com tanto júbilo.

Colina dos Ventos VerdesWhere stories live. Discover now