Capítulo 3

1K 139 170
                                    


 Pela imensa planície, sob uma gélida e forte tempestade que dificultava os primeiros raios da aurora de ressurgir no céu tomado por nuvens escuras, um rapaz sem destino arrastava seus passos. A lama parecia tragar as suas pernas. Ele jazia sem forças para continuar tal enfastiante andança que somente lhe desgastava fisicamente.

Não trazia nada consigo, nada além de dores, e sangue seco que sobressaía os lábios. Abaixo de seus olhos, que eram destacados em um tom de mel selvagem, um grotesco hematoma arroxeado maculava a beleza de seu rosto jovial. Seu cabelo, que era da cor das tâmaras, estava ligeiramente molhado pela chuva. Seus ombros largos e cansados davam claros sinais de que aquele rapaz era um andarilho por bastante tempo. Seu casaco pendia pesado, puxando-o para baixo. As suas botas, uma vez presas na densa lama, foram abandonadas quase que de imediato por ele, e o rapaz retornou a andejar descalço pela desconhecida pradaria. Olhou para os lados, completamente inerte, sentia-se sufocar. O que havia feito com a sua vida para chegar em tal ponto?

Era um espantalho em forma de gente. Uma piada de carne e osso que se denominava como homem.

Oh, mas ele ainda tinha um nome a zelar.

Nicholas.

E somente isto.

Fora azarado o suficiente para que não lhe batizassem com um sobrenome. Em verdade, ele carregava um sobrenome, mas que não era devidamente seu. O sobrenome viera com o tempo. O rapazote mesmo havia o inventado com orgulho. 

Whitehouse. 

Quando era apenas um bebê, foi deixado na porta da casa de um casal amargurado que já possuíam quatro filhos. Viviam em um lugar decadente, uma cabana de ripas arqueadas e podres, cujo único charme do local era o jardim com campânulas — conhecidas como flores de sino — a brotar. Nicholas conviveu com os dois adultos das quais chamava por Sr. e Sra. Floyd, e desde pequeno havia provado o amargo sabor do desprezo. Levava surras e era privado de todo o tipo de bondade. Convivia com o mal-humorado e bêbado Sr. Floyd, a maledicente Sra. Floyd e sua língua venenosa, e as quatro crianças que eram piores que qualquer pesadelo.

Ele sabia ler ou escrever de forma mui precária, pois a Sra. Floyd não gostava de perder tempo em ensiná-lo. Nicholas aprendera algumas letras do alfabeto com um cavalheiro idoso que transportava uma carruagem repleta de vários livros, seguido por diversos criados. Muitos diziam que aquele homem era a ruindade em pessoa quando jovem, mas que tornou-se bondoso por um milagre. Quando tomou gosto pela leitura, apreciou a forma como aquela palavra Whitehouse soava. Fazia-o sentir-se especial.

Lembrava-se com tristeza como a Sra. Floyd lhe negava tudo, desde mingau a um bom par de sapatos, e em como ela não escondia como o odiava profundamente.

— Oh, eu não tenho condições em mantê-lo aqui conosco, Nicholas. Já são sete anos cuidando de ti, e a troco de quê? Sequer és meu filho legítimo, e de nada vale o esforço. Como cuidarei de uma criança que não é minha, sendo que tenho mais quatro bocas para alimentar? Apenas você sozinho já consome todo o leite de minhas cabras, e come o queijo como um esfomeado que esteve amarrado em um poste. Não pedi a Deus para carregar este pesado fardo. Meu marido está doente e preciso vender leite e queijo para sustentar meu lar, porém como farei isto sendo que você, monstrinho, devora tudo? Por que, de tantas casas, colocaram tua cesta quando tu eras bebê justo em minha porta? Por que justo eu fiquei encarregada desta terrível tarefa? Seria uma provação de Deus?! Reze, garoto, para que um dia alguém lhe aceite na vida, porque é um fraco, sem nenhum pingo de beleza, além de não dispor de inteligência ou sagacidade. É um completo estorvo.

Além das humilhações por parte da Sra. Floyd, Nicholas recebia beliscões pelos filhos petulantes da senhora, que chamavam-no de órfão sujo, piolhento, morto de fome e saco de ossos.

Colina dos Ventos VerdesWhere stories live. Discover now