Capítulo 38

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Os devidos papéis para a peça teatral foram distribuídos a seus respectivos representantes. Surgiram boatos de que Arthur desejava realizar, além da peça teatral, um pomposo baile porque ainda não havia tido o seu próprio, e para isso, nomeara o seu casarão naqueles dias com o título de Winter Valley (Vale do Inverno), após um pedido incessante de Alden para renomear o casarão, pois achava que chamar o lugar de "casarão do outro lado do lago" era demasiado enfadonho e nada fantástico, e também, porque lera em tal livro sobre uma casa que carregava aquele mesmo nome e muito apreciou.

Dava-se a impressão de que Arthur Saint-Clair estivesse encantado pela Colina dos Ventos Verdes, e que também, estivesse preocupado com a condução de sua estimada peça de teatro, no entanto, olhares mais perspicazes desvendariam que o rapaz queria ficar mais perto de Nicholas Whitehouse, vigiando-o, pois apesar de Edgar Young, seu amigo de mais alta confiança ter lhe prometido que investigaria a vida pregressa de seu rival, Arthur achara melhor observá-lo, obviamente, sem levantar devidas suspeitas, afinal a própria Charlotte Saint-Clair desmotivara seu filho a cometer qualquer ato mínimo que o fizesse se arrepender amargamente na vida, e considerava toda aquela rivalidade uma grandessíssima tolice. 

Nesse ínterim, Arthur estudava silenciosamente os trejeitos de Nicholas de mesmo modo que tentava desvelar Alessia, pois o rapaz queria agir como uma espécie de "herói", salvando-a das garras de um tenebroso vilão que apenas almejava roubar seu precioso dote. Assim ele pensava. Agiria de forma sutil, ele planejara consigo mesmo, que colocaria dúvidas na cabeça da Srta. Kingstone, e para isso, para sua grande tristeza, usaria Alden. Ele estava a par dos sentimentos de Nicholas por Alden, mas duvidava se Alessia sabia dos mesmos, e era aquilo que ele queria provocar. Desconfianças, relutâncias, um coração partido. 

Na sala de estar da Colina dos Ventos Verdes, as damas e os cavalheiros haviam se reunido para ensaiarem seus papéis. Felicia compareceu para representar seu papel, mas não permitia que os outros ensaiassem com devida concentração, pelo simples fato de que atrapalhava a todos com cada mínima e insuportável reclamação. Ficou demasiada ofendida com a escalação de seu papel, pois almejava ser a estrela da peça, a protagonista que dividiria o palco com seu almejado Nicholas. 

Ali, no dado momento, estavam reunidos Arthur, Alessia, Cecilia, a Sra. Charlotte, Clementine e Felicia, que contemplavam a audição de Fanny que muito quis participar da apresentação da peça, e a mocinha muito gaguejava e errava suas falas, assustada com a importância de seu papel, pois seria a mãe da protagonista.

— Não, não, Srta. Fanny — Charlotte negou com a cabeça. Não fazia parte da peça, mas ajudava aos outros naqueles dias. — Tens de colocar mais comoção em sua voz. Precisas deixar a plateia perturbada e fascinada, fazê-las sentir o que a personagem sente. Aqui! Deixe-me ler.

Charlotte passou os olhos no papel, e rapidamente, após um suspiro, seus lábios se entreabriram e sua voz cativou o coração das moças que a assistiam. Sua voz era poderosa, sua expressão facial tornou-se etérea, e ao mesmo tempo, perturbadora. Levou-as para uma atmosfera onírica, e até mesmo Alessia surpreendeu-se com a Sra. Saint-Clair e a sua capacidade de emocionar aos demais. 

— "Não, Deus. Que desgraça imensa! A misericórdia virou a face para longe de mim. Preferia ter morrido ao invés desta criança. Minha vida nada vale se meu filho está morto. Sou uma infeliz. Uma amaldiçoada. É por isso que estou a lamentar. Minha filha está com o destino fadado como o meu. Sou prisioneira deste lugar e de meu marido. A única importância que tenho para ele, é de lhe dar um filho varão. Clamei tanto a Deus para que a minha criança não tivesse o destino infeliz assim como o meu. Ser criada como uma boneca, ter toda a sua vida traçada pelas mãos de outrem, moldada para procriar de um homem tirano, sem ter direito de ser ouvida ou a liberdade para escolher o seu destino. E eu bem conheço o meu marido. Ele jamais amará esta criança se souber que ela é uma menina, e que o filho homem que tanto esperava, nasceu morto. Direi a todos, inclusive ao meu marido, que dei à luz a um varão. Cuidarei desta criança para que seu destino seja diferente do meu. A ensinarei e esculpirei o seu destino. E quando seu decrépito pai morrer, direi a verdade à ela, e a razão de ter feito tudo isto. Que Deus perdoe o meu pecado. Quanto ao meu outro filho, o meu anjinho que me foi tirado, farei um velório decente e discreto no cemitério do povoado. Não quero que ele seja velado como um indigente. Falarei ao coveiro que ele é o filho de uma parente sua que nascera morto. Colocarei flores em sua lápide, e acenderei velas para que a alma dele descanse em paz."

Colina dos Ventos VerdesWhere stories live. Discover now