Epílogo

1K 116 48
                                    

Era uma casa simples no topo de uma pequena colina, feita de madeira com uma pequena varanda. Algumas margaridas cresciam ao redor dela. Havia um cercado próximo com cerca de pouco mais de meia dúzia de ovelhas pastando.
Duas crianças brincavam no gramado em frente à casa. Uma delas era uma garotinha de não muito mais que dois anos, sentada, arrancando a grama com seus pequenos dedinhos; ela tinha cabelos castanhos caídos pelas costas. O menino, que corria em círculos com um pássaro de madeira nas mãos, possuía cabelos loiros volumosos, e se parecia muito com Sam.
Havia uma mulher pendurando roupa em um varal ali perto. Tinha cabelos loiros que estavam presos em uma longa trança, que caía por sobre o ombro toda vez que ela se abaixava para pegar a próxima peça de roupa em um cesto de madeira no chão.
Vincent caminhou até ela. Estava usando as roupas que sempre o deixaram tão confortável, calça social cinza chumbo, uma camisa branca, suspensórios, e um longo casaco preto com uma cartola sobre sua cabeça e os vários anéis mágicos em seus dedos. A trança branca dele balançava conforme ele andava calmamente.
– Mãe! – A garotinha chamou e correu para junto de sua mãe, agarrando suas saias.
A mulher se virou e viu Vincent. Ficou visivelmente assustada e o feiticeiro já estava acostumado com esse tipo de reação por causa de sua aparência. Ele parou a uma distância que considerou que ela acharia segura.
Aquela mulher tinha grandes olhos castanhos e cabelos loiros, se parecia com ele, tinha as feições dele, Vince podia ver claramente agora. Aquilo encheu seu peito de esperança e alegria.
– Ada Schwarzburg?
O nome fez o rosto dela empalidecer, a mulher puxou a filha para detrás de suas costas.
– Samuel! – ela chamou – Venha cá.
O filho parou de rodar e foi para junto de sua mãe, que o agarrou firmemente pelo pulso. O menino, o pequeno Samuel, olhou para a mulher que era sua mãe, confuso.
– O que você quer? – ela quis saber, assumindo uma postura defensiva, pronta para fazer qualquer coisa para proteger seus filhos, inclusive dar sua própria vida. Assim como Sam tinha feito por ela. Aquilo arrancou um sorriso de Vincent.
Ele olhou por cima do ombro, para além da colina, para o bosque onde Ellie, Dante, June, Amber e Dimitri o observavam em silêncio. Vincent achou melhor ir sozinho, não queria assustar Ada mais do que já estava assustando. Talvez tivesse sido melhor pedir a Dante que fizesse isso, mas o feiticeiro sabia que deveria ter sido ele, tinha que ser, foi ele quem prometeu.
Tinha passado um ano inteiro desde que Sam fechara as portas do inferno e desaparecera para sempre. Um ano em que Vincent ficou incessantemente procurando por ela. Um ano interrogando pessoa após pessoa, fazendo perguntas sobre o passado, investigando arquivos em lugares que ele teve que invadir, lendo a mente de diversos homens. Procurando em orfanatos, postos de oficiais, tavernas ao redor de seu castelo, buscando qualquer pista que conseguisse encontrar de uma garotinha loira, que havia sobrevivido a um massacre, que tinha um ar nobre, mas que se tornara órfã.
E encontrou a pista da qual necessitava, uma mulher dona de uma taverna que se lembrava desse dia, de ter dado cerveja a homens que tinham participado do tal massacre, ela se lembrava de tê-los ouvido conversando sobre o assunto. E, após ver a memória na mente dela, ver o rosto desses homens, pôde encontrar um deles, ainda vivo. Vincent o matou, porque achou que Sam merecesse essa mínima justiça, mas antes se obrigou a ver as lembranças daquele dia, mas isso não o ajudou a encontrar Ada.
A informação veio de um orfanato, que tinha abrigado uma menininha loira que tinha ficado órfã naquela época, a mulher com quem conversou lhe disse que ela havia sido adotada por uma família de fazendeiros. Infelizmente, eles já haviam morrido quando Vincent encontrou a casa, mas, por sorte, um dos funcionários deles estavam vivos e ainda trabalhava lá. Ele disse a Vince que ela, que já não mais se chamava Ada, mas Kora Garver, agora Hertz, devido ao casamento.
Não teria conseguido sem Dante, já que fora ele quem encontrara o orfanato. Ele estava tão focado nessa caçada quanto Vincent.
– Quem é você? – ela disparou.
– Meu nome é Vincent Maddox. Eu conheci seu irmão, Sam.
Ela franziu o cenho, desconcertada.
– Isso é impossível, você é tão jovem e ele já morreu há...
– Fico lisonjeado, Ada, mas sou mais velho do que pareço e quando eu o conheci, ele já havia morrido. Sou um feiticeiro.
Ada exalou com força e cambaleou para trás, mas seu filho mais velho, Samuel, segurou seu braço para ampara-la.
Vincent se aproximou e retirou a medalha do bolso, esticou o braço e a segurou pelo cordão, deixando que a medalhinha de São Jorge balançasse diante de Ada. Com as mãos trêmulas, ela pegou o cordão e encarou o metal gravado, boquiaberta.
– Essa é... essa é... – Os olhos dela marejaram e não demoraram para transbordar. Ela caiu de joelhos e a sua filha começou a puxar a manga de seu vestido incessantemente gritando “mamãe, mamãe, mamãe” enquanto sua mãe chorava. – Ele está... vivo?
Esperança brilhava nos olhos dela e aquilo machucou Vincent.
– Não, Ada. Mas saiba que ele te amava tanto que... A única coisa que o prendeu a esse mundo após sua morte foi a necessidade de saber se você estava viva, bem e feliz.
Ela desabou novamente em lágrimas e pressionou a medalha contra o peito, segurando-a com as duas mãos, o corpo curvado pra frente em uma prece.
– Eu também te amo, Sam, eu nunca te esqueci. Eu também te amo. Te amo, te amo. Estou bem, eu fui amada e vivi... Vivi graças a você. Eu te amo, te amo, te amo. – Ela ficou repetindo em meio aos soluços e a convulsão que tomava conta de seu corpo.
Vincent sorriu e olhou para o céu azul brilhante da primavera. Desejou que Sam pudesse ver isso, desejou que pudesse ouvir sua irmã, desejou que pudesse ver seus sobrinhos e saber que um deles havia recebido seu nome, em sua homenagem.
Uma brisa fresca soprou seu rosto, agitando as mechas soltas de seu cabelo e Vincent entendeu que aquilo era um sim, ele podia ver.

O FeiticeiroWhere stories live. Discover now