Capítulo 33

112 4 0
                                    

O cachecol que Gustavo havia me dado no nosso primeiro encontro perto do London Eye pousava delicadamente em cima da minha cama. Eu tinha colocado todo o meu "não tão grande" guarda roupa em cima da cama, a única certeza que eu tinha era que hoje eu iria usar o seu cachecol. Estávamos nos aproximando de novembro, e o tempo começava a mudar, não que aqui fizesse muito calor - passei pelo verão europeu um pouco de boa, pra quem mora no Brasil, um calor de quarenta graus não é assim TÃO ruim - mas quando aqui caprichava no frio, era bem frio. Abri a minha janela de leve e vi as folhas balançando de forma violenta lá fora, o que significava que estava congelando. Não era só o tempo, era o vento.

Desde que voltamos de Paris, as coisas estão mais "maduras" entre todos nós. Mands e Matheus ainda não voltaram, mas sei que estão caminhando pra isso. Contamos para eles tudo o que aconteceu e tudo o que aprendemos, e acho que nem eles nunca passaram por uma situação parecida com essa. Dhiego chorou por um bom tempo com os desenhos de Clair, e como era de se esperar, ele pensou desesperadamente em ir até a França conhecer essa menina; mas com uma agenda lotada e apertada como a deles era quase que impossível. Eles iam ter agora pouco tempo de folga, no meio de novembro já iam sair pelo Reino Unido, Estados Unidos e uma visita de leve no México para divulgação do novo CD. Não sei agora quando teria um tempo livre com Gustavo.

Hoje fazia três dias que nós tínhamos voltado, e mesclando o horário de leve, os meninos conseguiram uma folga, começando a partir de hoje até sexta feira - dois dias a mais. Lorelai e Lucas iam sair pra algum lugar que eu não sei, Matheus havia chamado Amanda para assistir um filme em sua casa, mas ela disse que só iria com a presença dos outros meninos, então Dhiego e Miguel tiveram que ir também. Em contrapartida, Gustavo me chamou para um programa super londrino: tomar um famoso chá da tarde, e depois passaríamos o resto do dia nesse lugar. Ah claro, não era simplesmente "um lugar", era O RITZ! Acho que agora dá pra entender o meu questionamento com minhas roupas, porque eu não tenho nada de bom, e acho que o cachecol do Gustavo é mais caro que metade do que eu tenho aqui.

Peguei duas ou três peças de roupa que eu até achava que fossem boas o bastante para o Ritz quando ouvi três pancadas em minha porta. Não era Amanda porque ela já estava na casa dos meninos, e não podia ser nenhum deles já que eles estavam com a Mands. Só me restou uma pessoa.

- Gustavo Torres - abri a porta sorrindo quando dei de cara com Gustavo dentro de um paletó, cabelos arrumados e sorriso apaixonante - Uau!
- É o Ritz - ele deu de ombros e começou a rir - Babe, eu sei que você não curte muito essas coisas, mas eu espero que você não vá com essa roupa - ela apontou para o meu camisetão do Bob Esponja, fiz careta.
- Claro que não, o problema é que eu não sei o que vestir - abri a porta dando espaço pra ele entrar - E nem me olha com essa cara de 'você tem um monte de roupa, Giovanna', porque você sabe que é mentira.
- Mas você tem um monte de roupa - ele riu - Quer ajuda?
- Você já foi ao Ritz alguma vez?
- Algumas - ele suspirou, tirando o paletó e colocando em cima da minha poltrona. Meu Deus, ele parecia um príncipe - Não é tão fresco como todo mundo pinta, na verdade só não pode chegar lá de calça jeans.
- Vestidos são aceitáveis? - perguntei, pegando uns dois que estavam em cima da cama.
- Aham - ele deu uma olhada no relógio.
- Tá, eu sei! Pontualidade britânica - eu ri - Que horas está marcado?
- Giovanna, chá da tarde em Londres...
- Cinco horas?
- Exato.
- E agora são...?
- Três e meia.
- Puta merda!

Ele gargalhou e começou a mexer nas minhas coisas. Entrei no banheiro e coloquei o primeiro vestido - eu já havia tomado banho, o que era meio caminho andado. O primeiro vestido era formal demais e não era exatamente o que eu estava procurando. Tirei-o e passei pra próxima peça, que eu achava ser um vestido, mas era na verdade uma saia e uma blusinha. A saia era um palmo abaixo do joelho, branca com bordados florais em preto e relevo apenas na barra, cintura alta e um pouco esvoaçante, mas nada em exagero. A blusa era preta com manga "três quartos" e ficava melhor quando colocada pra dentro da saia. Nos pés uma sapatilha preta que parecia aqueles sapatos de bailarina, a correntinha de bússola caindo delicadamente sobre a blusa, e os cabelos soltos e levemente ondulados - já que depois que eu tinha feito uma escova, os prendi em um coque. Base, pó, blush, rímel, gloss e pronto... Será que iam me deixar no Ritz assim? Depois que coloquei a roupa lembrei... TÁ FRIO! Ah, bosta.

- Gustavo? - abri a porta do banheiro e o vi no meu computador. Assim que ele me viu, fechou-o e sorriu, daquele jeitinho que eu to me acostumando a ver sem ficar completamente sem graça - Tá bom?
- Tá ótimo - ele se levantou, pegando o seu cachecol - Isso vai também?
- Não sei se com essa roupa vai combinar, mas eu queria ir com ele - sorri.
- Vem cá - fui até ele. Gustavo colocou o cachecol ao redor do meu pescoço e me deu um selinho rápido, lambendo sua boca depois porque ela estava com um pouco de gloss - Achei que ficou bom.
- Sério? - passei a mão pelo cachecol - Então vou com ele.
- Vamos - ele me puxou pela mão e saímos do apartamento.

Gustavo deixou o seu carro com o motorista do Ritz e, desde o momento em que descemos até a porta, vários fotógrafos vieram até nós e tiraram fotos de cada passo nosso. Caminhávamos de mãos dadas e Gustavo era só sorrisos para todos, ele estava de bom humor e eu achava tudo uma gracinha. Uns três chegaram perto demais de mim, e Gustavo me abraçou pelo ombro, me protegendo de vai saber o que podia acontecer. Eu ainda não me acostumava com esse tipo de atenção, e como eu sempre gosto de enfatizar, gosto de ficar atrás das câmeras e não na frente delas.

Quando entramos, dois garçons vieram até nós e nos cumprimentaram com toda educação londrina que podiam. Vê-los chamando de 'Sr. Torres' era a coisa mais engraçada, porque eu começava a imaginar Gustavo com uns quarenta anos. Ele estava muito bonito com todo aquele ar inglês, paletó e gravata e muito perfume; não estava acostumada a vê-lo assim, e acho que meu psicológico não estava totalmente preparado. Cada dia com ele era uma surpresa, porque eu descobria novas formas de me apaixonar e de amá-lo cada vez mais.

Fomos acompanhados até uma das mesas centrais. Ritz lembrava o salão de jantar da primeira classe do Titanic, e na verdade faz todo o sentido já que grande parte da burguesia britânica estava a bordo. Talheres de prata - vários talheres - pratos detalhados em dourado, estátuas lustres enormes que ficavam acima das mesas e um tilintar gostoso e delicado de xícaras e pires. Não nos encararam quando entramos, então eu fiquei um pouco mais a vontade, ia ser meio complicado se eu visse vários pares de olhos olhando o que eu estava vestindo ou me julgando como se eu devesse mesmo estar lá. Uma mesa tinha lugar para seis pessoas, mas Gustavo havia feito uma reserva especial e a nossa tinha duas cadeiras - e tinha nosso nome em cima "Reservado para Gustavo Torres e Giovanna Donatelli", eu quis até tirar uma foto disso, mas me controlei. Ele, como um bom cavalheiro, puxou a cadeira pra eu sentar e selou meus lábios de forma delicada; eu estava me sentindo como uma princesa.

- Babe? - o chamei quando abri o cardápio - Sério, dezessete tipos de chá?
- Eu te ajudo com alguns - ele riu - Por exemplo, alguns você de verdade precisa experimentar, agora outros eu peço, por favor, ignore a presença deles no menu.
- Ok - eu ri.

O menu era lindo, escrito em azul marinho e dourado. Eu podia passar horas ali, só apreciando cada palavra e cada detalhe, mas eu infelizmente estava com fome e curiosa pra provar todos os quitutes. E como isso funcionava?

- Gustavo?
- Oi, amor - ele baixou o cardápio e me olhou - Já sabe o que pedir?
- Na verdade, não, eu nem sei como funciona isso aqui.
- Bom, eu fiz a reserva como sendo o Champagne Afternoon Tea, então a qualquer momento alguém vai aparecer com uma taça para cada um e trazendo em outra bandeja os tipos de chá. Você escolhe qual quer, e eles te servem. Então depois vêm alguns garçons com as bailarinas, sabe?
- Bailarinas?
- Bandejas de três andares - ele riu - Cada andar tem uma comida diferente, salgado ou doce. Pode comer a vontade, já que está tudo incluído na reserva.
- Uau. E que mal lhe pergunte, quanto custou a reserva?
- Nada que eu não possa pagar - ele riu de forma pretensiosa, tive que me controlar pra não gargalhar ali mesmo.
- Bom, eu sei que isso está sendo fantástico e que é algo que eu nunca pensei que fosse passar na minha estadia em Londres, mas tem algum motivo especial pra você ter me trazido pra cá?
- Primeiro - ele estendeu sua mão segurando a minha - Te senti muito estranha no tempo em que você ficou em Paris, queria fazer algo especial. Tá melhor agora?
- Estou sim - sorri - Te falei que depois da bronca da Olivia e da fotografia com as meninas eu pensei muito sobre como eu tenho me comportado e meus problemas. Isso tudo foi um wake up call, demorou, mas eu acho que acordei pra realidade.
- E eu estou nessa realidade?
- Sempre.
- O Aidan não está nessa realidade, não é?
- Ai Gustavo, por favor - eu ri - Eu nem falo mais com ele desde que voltei, ele é um puta dum fotógrafo, só queria deixar isso bem claro.
- Hm, e quantos anos ele tem mesmo?
- Suficientes pra te dar um chute no traseiro se continuar com essas perguntas - dei um beliscão de leve na sua mão e ele sorriu - Mudando de assunto.
- Tá, tá - ele respirou - Eu preciso conversar três coisas com você.
- Ai...
- Que foi?
- Quando as pessoas falam que precisam conversar comigo eu geralmente falo 'ai' porque fico tensa.
- Calma, não é nada demais, se bem que tem uma que você vai ficar meio ressabiada.
- Desembucha, Torres.
- Bom - ele tossiu - A primeira é que finalmente nosso CD está pronto.
- Sééérioooooo? - ele sorria de forma tão orgulhosa de si mesmo e dos meninos que foi impossível eu não sorrir junto - Cadê, cadê?
- Tá aqui - ele abriu o paletó e me entregou - É só um protótipo de foto, ainda não tiramos as internas... E nesse aspecto eu chego no segundo ponto que é dividido em duas partes.
- Vocês estão tão inglesinhos nessa capa - eu ri vendo eles arrumados e pomposos em uma cabine telefônica - Nossa, tem Little Things aqui.
- Lembrou o nome da música?
- Claro - sorri - Hm, e Live While We're Young, Kiss you é aquela bêbada?
- Bêbada?
- Você e os meninos estavam bêbados quando eu liguei lá de Paris, lembra? Aí vocês estavam cantando uma música que depois eu fui saber que era Kiss You, pelo menos eu acho que sim.
- Ah tá! - ele fez careta e começou a rir - Lembro desse dia, é essa mesma.
- Legal - sorri - Esse CD fica pra mim?
- Claro - ele sorriu - Bom, junto com o CD vem outra coisa, que na verdade são duas em uma.
- Eita.
- Nós queríamos que você desse umas ideias pras fotos do encarte - ele mordeu os lábios e fez careta - Tipo, sendo nossa fotógrafa.
- HEIN? - falei meio alto e algumas senhoras inglesas me olharam estranho. Pedi desculpas e voltei minha atenção novamente pra Gustavo - Como assim?
- Bom - ele estralou os dedos - Eu estava olhando uns encartes do McFly e descobri que o Danny já namorou a Olivia.
- Uau, novidade!
- Pra mim foi, não sou fã deles - ele fez cara de deboche - O negócio é o seguinte. A Olivia tirou as fotos de dois CD's, não foi?
- Sim, sim.
- E foi assim que o Danny a conheceu, certo?
- Aham.
- Então, já que você é tão fã da Olivia, por que não tira as fotos do nosso CD?
- Porque eu ainda sou uma fotógrafa em formação.
- Que teve suas fotos publicadas em uma edição da SugarScape.
- Aquilo foi sorte.
- Talento!
- Que seja - bufei - Gustavo, não.
- Dá pra pensar um pouco no assunto? Você mesma disse que queria um dia nos fotografar, como banda.
- Em show, como aconteceu com o McFly. E pra isso eu ia precisar de aulas especiais tanto com a Olivia como umas dicas com o Leishman.
- E você é aluna da Olivia e amiga do Leishman, não vejo nenhum empecilho.
- Gustavo...
- Gi, é mais uma experiência pro seu currículo.
- Ah claro, e vão falar o que? Que eu consegui esse trabalho porque sou sua namorada, é isso?
- Não! O Lucas entregou um dos seus portfólios para o Simon que ficou bem interessado no seu trabalho.
- SIMON?
- Aham - ele riu - Pra que surpresa? O Simon te conhece, não pessoalmente, mas conhece.
- Caraca - eu sorri de forma involuntária - E o que ele achou?
- Gostou bastante, tanto que te quis como fotógrafa. E na verdade ele nem te viu como minha namorada, mas sim como um talento. Ser minha namorada foi só um bônus na conversa - Gustavo riu meio sapeca - E hey, nem partiu de mim, foi o Lucas quem entregou.
- Lucas! - eu ri - E como funcionaria isso?
- Você ia ser contratada nossa, ia receber um pagamento por isso e futuras indicações no seu trabalho. Pelo que eu vi no seu currículo...
- Você viu meu currículo?
- Claro, precisava mostrar alguma coisa pro Simon - Gustavo fez uma cara meio óbvia. Quanto tempo eu fiquei fora mesmo? - Enfim, você vai assinar um contrato com o logo da banda, não sei quantos dias que são. Na verdade você vai analisar quantos dias acha necessário porque, sei lá onde vamos fazer as fotos.
- Ah, tá - sorri - Que mais?
- Pra cada dia de trabalho eu acho que são cem euros que eles pagam, mais vale refeição e vale transporte.
- Meu Deus! - é muita grana.
- Parte de você fazer uma lista com os equipamentos que vai precisar e, caso seja necessário, contratar uma outra pessoa.
- Amanda.
- Nhé... Não sei se seria uma boa ideia. Ela e o Matheus ainda andam meio estranhos.
- A Mands sabe ser profissional, e é uma ótima fotógrafa - falei meio séria - E ela é minha melhor amiga e conhece como eu trabalho, não vejo melhor pessoa pra me ajudar.
- Ok então - ele disse - E então você topa?
- Preciso falar com a Mands primeiro, mas com todos esse benefícios e sabendo que não estou sendo contratada por ser sua namorada, não vejo por que negar.
- Isso! - ele comemorou - E agora vem a outra parte.
- A terceira?
- A segunda parte da segunda.
- Vixi.
- Nos chamaram para uma sessão de fotos na Vogue.
- VOGUE? - de novo um berro, preciso parar com isso.

Antes de Gustavo continuar, um garçom apareceu ao nosso lado com duas taças de champagne e ao lado mesa prata de rodinhas contendo uns dez tipos de chá. O cheiro quentinho era delicioso, mas a essa altura do campeonato eu nem sabia o que ia pedir.

- Senhorita, seu champagne - ele colocou a taça na minha frente, agradeci e vi Gustavo rindo com minha formalidade - Como gostaria do seu chá?
- Co-como? - olhei pra Gustavo pedindo ajuda - Meu chá?
- Água ou leite - ele me informou.
- Ah, sim. Hm... Leite? - pedi meio perguntando, Gustavo fez 'joinha' com a mão indicando que havia feito uma boa escolha.
- E qual o tipo de chá? - novamente o garçom educado com aquele sotaque inglês super carregado. Eu me acostumei ao sotaque dos meninos e das pessoas da escola, não dessas coisas mais elegantes. Devia ter assistido mais filmes ingleses.
- É...
- Maracujá com hortelã e cidra - Gustavo falou por mim - Pode servir nas duas xícaras, por favor.
- Como quiserem.

A xícara era baixa e pequena, porém parecia funda por ser larga. Ele primeiro despejou uma quantidade boa de leite ao fundo, parecia que tinham colocado algodão de tão perfeito e branquinho que ficou. Fez o mesmo com na xícara de Gustavo e, depois, veio com o bule quente e prata com o desenho da Rainha do lado e colocou o chá laranja e fumegante primeiro para mim e depois pra Gustavo. Estendeu uma das colheres de prata para mim e pediu para eu mexer e depois provar, para ver se precisaria de mais açúcar ou não. Falando sério, ERA MUITA FRESCURA!

- Desculpa perguntar - falei depois de experimentar meu chá e constatar que estava delicioso - Mas por que o leite? Eu sei que tem as duas opções, água ou leite, mas é que é costume tomar com leite, estou certa?
- Sim, está - o garçom sorriu - A senhorita não é britânica, não é?
- Brasileira.
- Claro, claro - ele riu - Nos tempos da Rainha Vitória, era costumeiro tomar chá com leite porque o leite, além de quebrar a citricidade dos chás de outrora, também protegia a porcelana do líquido quente... - socorro, que termos são esses?

Ele falou e explicou por uns cinco minutos. Gustavo bebericava o chá e ria pra mim, chutando minha perna por debaixo da mesa; ai, éramos tão maduros.

- Mais alguma dúvida?
- Não, muito obrigada pela explicação tão cheia de detalhes - respondi, me forçando para não começar a rir ali mesmo - Se me permite perguntar, qual seu nome?
- Smith - claro, tinha outro nome pra ser? - Precisam de mais alguma coisa?
- As bailarinas com a comida demoram pra chegar? - Gustavo perguntou.
- Vou providenciar imediatamente.
- Obrigada - e assim, "Smith" saiu. Não me importei, caí na gargalhada ali mesmo.
- Nunca, nunca mais você vai me trazer pra cá, estamos combinados?
- Você tinha que conhecer o famoso chá da tarde inglês! Estou te fazendo um favor.
- Me chamasse pra sua casa e se vestisse de garçom, Gustavo.
- Uau, fantasia?
- Não imbecil, informalidade - eu ri.
- Com as coisas que eu tenho pra te falar, eu precisava te trazer em um lugar onde você não gritasse, coisa que pelo visto não tá dando certo.
- Gritei uma vez!
- Três - ele riu e terminou de tomar o chá. Nem tinha tocado no meu - Posso continuar falando?
- Vai, fala - dispensei o chá, eu precisava de champagne.
- Vogue - ele riu - Vamos fazer um edital na Vogue.
- Bacana - virei quase a taça de champagne toda de uma vez - Querem que eu fotografe também?
- Não, amorzinho - ele disse usando termos no diminutivo, legal - Nós, quando eu digo, não sou eu e os meninos. Sou eu e - ele tossiu - Você.

Dei graças a Deus que já tinha terminado de tomar o champagne, caso contrário eu ia babar e colocar tudo pra fora ali mesmo. Acabei tossindo e tendo que virar o rosto pra não passar tanta vergonha assim na frente do Gustavo. Meu estômago embrulhou e eu fiquei com a visão turva e não era por culpa do álcool. Me virei pra ele e o encontrei sorrindo como se não tivesse falado nada demais. Filho da puta! Filho da puta!

- Você recusou, é ÓBVIO! - eu disse, limpando a boca e pedindo mais champagne ao garçom - Porque você me conhece e sabe que eu nunca faria um photoshoot...
- E entrevista.
- QUÊ?
- O tom, olha o tom.
- Gustavo, tá doido? Chapado?
- Giovanna, quer se acalmar? Pensei que te trazendo ao Ritz eu ia ficar meio livre dos seus ataques - ele riu e tomou um pouco de champagne - Qual o problema?
- Preciso de ar, preciso de ar. VOGUE?
- Teen Vogue, esqueci-me de falar o Teen na frente.
- Bela diferença.
- Hey, Demi Lovato e Joe Jonas já fotografaram juntos pra Teen Vogue.
- Os dois são do show business, e eram namorados na época.
- Hello? - ele apontou pra nós dois - E eu e você somos o que?
- Namorados - respondi - Você famoso, eu não.
- E lá vamos nós com essa conversa chata de novo!
- Ei, não é chata - suspirei - Olha, eu sei que você pode estar querendo fazer isso pra, sei lá, me ajudar, mas eu não gosto! O fato de eu ser sua namorada não muda o fato que eu odeio me aparecer, odeio. Talvez esse seja o motivo de eu ter escolhido uma profissão onde eu fico atrás, no making off.
- E mesmo você não aparecendo, você é motivo de fofoca por todo o fandom da minha banda, será que você não gostaria de mostrar a verdadeira Giovanna pra elas? Como podem falar de alguém que não conhecem? E nem adianta me olhar desse jeito 'eu não me importo', porque eu sei que você se importa.
- Nunca disse que não me importava - bufei.
- É uma entrevista e algumas fotos. Quero mostrar pra todo mundo que escolhi a menina certa pra mim e que você é linda, absurdamente linda.
- Pra que provar isso? Você saber já não é bom o bastante?
- Nem você admite isso pra si mesma, Gi - ele parecia cansado - Olha, só pensa no assunto, ok?
- Ok - por dentro eu gritava pra mim mesma que não ia pensar em nada, tinha minha ideia bem formada. Eu não ia e ponto final.

As bailarinas com os quitutes chegaram bem rápido conforme o previsto, e pra minha surpresa, nem Gustavo queria comer. Não sei o que ele tinha na cabeça quando pensou que eu ia aceitar essa entrevista pra Teen Vogue, será que ele não me conhece bem? Lembro-se de uma entrevista que a Dani Jonas disse a respeito do seu casamento com Kevin; algo do tipo 'o fato de ele ser famoso não implica em eu ser famosa com ele', o que eu acho que todos esses artistas que namoram 'pessoas comuns' deveriam aceitar. Não é drama, é só, sei lá o que. Nem eu consigo colocar em palavras o que eu to sentindo agora, eu não quero e pronto.

Terminamos de comer em silêncio, saímos do Ritz em silêncio até chegarmos à porta. Quinze meninas estavam ali e os seguranças tentavam controlá-las, e não estavam sendo felizes com isso. As meninas gritavam, choravam e tremiam - tava frio pra caramba - e mesmo assim não saiam de lá por nada. Não me assustei, já estava me acostumando com isso. Junto com elas, alguns fotógrafos e jornalistas também estavam ali. Percebi Gustavo ficar tenso ao meu lado e colocar as duas mãos nos bolsos do paletó... Sério que agora ele vai sair sem me dar as mãos? Na frente delas e desse povo todo? Tudo o que eu queria, tudo!

- Vai falar com elas? - perguntei apertando o cachecol dele ao redor do meu pescoço enquanto esperávamos o carro - Elas estão aqui vai saber a quanto tempo esperando por você.
- Não estou no clima - ele disse entre dentes enquanto sorria e acenava de longe.
- Gustavo, vai lá. São poucas.
- Agora as fãs não são um problema?
- Eu nunca disse que elas eram um problema - me senti ofendida - Quer saber, se quiser ficar aqui com essa cara de bosta, o problema é seu - cruzei os braços e engoli a seco. Elas ainda estavam lá, olhando meio perdidas para mim e Gustavo; eu estava me segurando para não empurrá-lo logo e acabar com essa gritaria.
- Seu carro está chegando, Sr Torres.
- Obrigado - ele agradeceu e voltou a encarar o chão - Eu não vou lá sozinho.
- Ok, quer que eu vá junto? - eu não queria ir, nunca gosto muito de me interagir com elas, mas... - Eu posso tirar as fotos.
- Você sabe que elas gostam de você, não sabem? - ele sorriu com os lábios fechados e tirou uma das mãos do bolso - Que elas não são tão ruins assim?
- Eu sei - sorri - Vamos logo - peguei sua mão e lá fomos ao encontro das fãs.

As meninas aumentaram o furor quando chegamos, e os seguranças tiveram mesmo que mostrar serviço. Gustavo foi de uma a uma conversando, sorrindo, tirando fotos e dando autógrafos. Eu fiquei de longe com os braços cruzados - juro que era por culpa do frio - só observando. Uma menina pequena e com uns catorze anos acenou pra mim com o celular, percebi que ela estava gravando. Sorri e acenei de volta, fazendo com que ela e sua amiga soltassem gritinhos e começassem a chamar meu nome. Não estava no clima de ir lá, ia parecer antipatia se eu ficasse aqui quietinha?

- Giovanna, Giovanna! Por favor, vem aqui! - ela me chamava. Gustavo se virou pra mim sorrindo e também me chamou - Uma foto, por favor.
- Ai Deus... - cocei a cabeça e fui até as meninas - Oi, tudo bem?
- CARA, VOCÊ É MUITO LINDA! - elas berraram. Mas poxa, eu tava na frente delas, precisava gritar? Eu ri - Posso tirar uma foto com você?
- Tem certeza? - eu fiz careta e vi Gustavo se prostrar ao meu lado.
- Quer que eu tire, meninas? - ele perguntou. Falando daquele jeito, quer matar as menininhas, coitadas - Posso ser o fotógrafo hoje.
- AI MEU DEUS, ELE VAI PEGAR NO MEU CELULAR!
- DÁ LOGO PRA ELE, DÁ LOGO PRA ELE!
- Posso pegar? - perguntei pedindo o celular, a menina me entregou tremendo e um pouco chorosa - Gustavo?
- Ok - ele pegou o Ipod e, primeiro bateu uma foto de si mesmo fazendo as meninas gritarem ainda mais, depois virou pra nós e bateu nossa foto - Prontinho.
- Deus, Deus do céu, vocês são perfeitos - ela pegou a celular - EU TO HORRÍVEL!
- Não está, não - respondi, sorrindo.

Gustavo foi falar com outras fãs e eu me afastei, depois que eu vi que as meninas ficaram muito contentes com esse pouco contato. Quando me virei pra ir falar com Gustavo, avisar que o carro tinha chego, vi uma coisinha transparente de plástico vindo na minha direção. Aquilo era uma garrafa?

- ABAIXAAA!!!
Sim, era uma garrafa.

- Você tá bem?
- QUEM FEZ ISSO?
- QUEM JOGOU?
- Machucou?
- Giovanna? Gi! - era a voz de Gustavo, a única que eu consegui distinguir - Babe, você tá legal? Te acertou?
- Não, não - estava de boca aberta olhando pra garrafinha de plástico no chão - Não pegou em mim, alguém gritou pra eu abaixar e eu abaixei.
- Sério que tentaram de acertar? - ele me abraçou pelos ombros e olhou pra fãs, procurando alguma que se entregasse - Vamos embora.
- Tá tudo bem, Gustavo.
- Não está, não - ele parecia bravo - Tentaram jogar uma garrafa de água em você, pra que?
- FOI ELA, FOI ELA, FOI ELA! - algumas meninas da frente gritavam, apontando pra uma ruiva lá no fundo que parecia bem sem graça - FOI ELA, GENTE!
- Tá conseguindo ver quem foi?
- Eu não quero ver quem foi - o puxei pela manga do paletó - O carro chegou, vamos logo pra casa, por favor.
- Mas, Gi...
- Por favor! - implorei.
- Ok - ele respirou pesado, me abraçou e foi embora, falando um tchau geral pras meninas que estava ali e, procurando novamente algum culpado.

Passei de cabeça baixa perto dos fotógrafos que me bombardearam de perguntas querendo saber se eu estava bem e se isso era algo que acontecia todo dia. Só enterrei minha cabeça no pescoço como uma tartaruga e fui até o carro, nem esperei Gustavo abrir a porta pra mim. E ainda fui pro lado errado, EU NUNCA VOU APRENDER A ENTRAR NO LADO CERTO!

Assim que entramos e Gustavo deu a partida, tirei com força o cachecol e o joguei no banco de trás. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo alto e comecei a me abanar como doida, aumentando o ar condicionado. E de novo, repito que estava frio pra caralho. Gustavo me olhou de lado sem entender, só foi perceber o que estava acontecendo quando eu, em uma crise de doida, comecei a rir. Mas rir de forma histérica, daquele tipo de risada que você tem em uma roda de amigos quando alguém conta uma coisa tonta e bem engraçada, algo como "homem bonito pra mim, caiu na água e fez 'TIBUM' eu to pegando", uma amiga minha soltou isso um dia. Não consegui parar de rir por uns cinco minutos. Mas é, é isso mesmo que estava acontecendo. Eu, Giovanna Donatelli, em um ataque de risos.

- Giovanna?
- Oi, - falei parando de rir aos poucos e respirando fundo - Ai, ai! Olha como a vida é irônica, Gustavo, assim como aquela música Ironic, da Alanis, conhece?
- A-ham...?
- Você me diz "Você sabe que elas gostam de você, não sabem? Que elas não são tão ruins assim?" e PIMBA, eu levo uma quase garrafada na cabeça; a vida é muito doida mesmo.
- Tá achando tudo isso engraçado? - ele parecia bravo, era hora de parar de rir? - Você podia ter se machucado, e feio.
- Gustavo, eu vou em show desde que me entendo por gente, sabe quantas garrafas eu já levei na cabeça? VÁRIAS!
- De propósito?
- Claro que sim, eu geralmente subo no ombro dos meus amigos pra ver o show, e tem um Zé Mané que não curte e me taca uma garrafa, mas de boa - dei de ombros.
- Você, oficialmente, não é normal - ele riu, mas foi um riso nervoso.
- Olha - respirei fundo - Não vou falar que super feliz com isso, porque não estou. Isso só provou que tem muita fã pirada por aí que pode fazer qualquer coisa pelo ídolo, e qualquer coisa mesmo. Eu me assustei, óbvio que sim, mas com tanta coisa que já me aprontaram, uma garrafa a mais ou a menos na cabeça não vai fazer tanta diferença, é só mais uma experiência pra contar - eu sorri - E quer saber? Seria uma ótima coisa pra falar na nossa entrevista - eu sorri - Você sabe? Pra Teen Vogue.
- Qu-quê? - Gustavo não sabia se olhava pra mim ou pro trânsito - Tá falando sério?
- Estou - sorri e estiquei minha mão a fim de pegar a dele - Se você acha que precisam me conhecer melhor, por que não?
- Nossa, isso... - ele sorriu lindamente - Obrigado, Gi.
- De nada - peguei sua mão e a beijei - Mas tipo, a entrevista vai ser com nós dois juntos? E eu vou poder dar meus palpites nas fotos?
- Isso eu não sei, mas amanhã eu vou pedir pra alguém ligar lá e nos passar as informações. E sim, você pode dar palpites nas fotos.
- Agora sim - eu ri.

Eu ia perguntar mais alguma coisa, mas meu celular começou a vibrar. Uma, duas... Ok, não era mensagem, era alguém me ligando. Peguei com a maior preguiça, a única pessoa que costumava me ligar era o Gustavo, e isso é o primeiro indício que mostra que você está em um relacionamento dependente demais. Enfim, era Amanda.

- Mands?
- VOCÊ TÁ BEM? TEM VÍDEO E GIF PRA TUDO QUE É LADO DESSE TUMBLR!
- A garrafinha?
- NÃO BRINCA COM COISA SÉRIA.
- Não me acertou, sua desesperada. Alguém mandou eu me abaixar e deu certo, fez só ventinho no meu cabelo - respondi meio rindo, Gustavo fez careta.
- Giovanna, onde vocês estavam? Como assim? Não tinha segurança não? O Paul não para de ligar pros meninos querendo falar com o Gustavo, ele não pode simplesmente sair assim e não dizer onde vai.
- Nós fomos ao Ritz e tinha segurança lá fora, mas quem vai controlar uma garrafinha voadora? Meio impossível, né?
- Cara, se tivesse te acertado...
- ELA TÁ BEM?
- CADÊ A DESGRAÇA QUE ELA CHAMA DE NAMORADO?
- Matheus? Dhiego? - perguntei ouvindo claramente a voz dos dois, Gustavo me olhou intrigado - Acho que estou no viva-voz.
- Quem tá aí?
- Ao todo Amanda, Matheus e Dhiego.
- E Miguel Thompson.
- Ok, e o Miguel - respondi ao ouvir a voz dele - Gente, estamos chegando em casa e conversamos em breve. Tá tudo bem, eu to viva e sem maiores danos.
- Danos seu namorado vai ter quando chegar aqui. O Paul tá querendo arrebentar a cara do Gustavo por sair sem falar nada.
- E o que o Paul ia fazer? Dar um mortal no ar e pegar a garrafa? Por favor, né?
- O fato de ele estar lá já é uma proteção, Giovanna.
- Ai, tá bom, Amanda - bufei - Até daqui a pouco - e desliguei o telefone.

Ia abrir a boca pra falar alguma coisa pra Gustavo, mas novamente meu celular tocou.

- Caraca! - ele comentou rindo - Tem muita gente preocupada com você.
- É - olhei no visor - Agora ferrou, é minha mãe.
- Eita - Gustavo riu - Manda beijo.
- Tá, tá - atendi - Mãe? - perguntei em portugês, Gustavo fez de novo uma careta porque sabia que não ia entender a conversa.
- Graças a Deus, to tentando ligar no seu celular o dia todo, onde você estava?
- Ehr... Com o Gustavo - respondi meio tímida. Era estranho falar dele pra minha mãe.
- Imaginei - ela suspirou - Escuta, encaminhei hoje pra você uma correspondência que chegou aqui em casa, parecia urgente.
- Da bolsa? - fiquei preocupada.
- Não, não. A papelada da bolsa chegou também o que faltava e já encaminhamos direto pra escola, não te falaram nada não?
- Não - dei de ombros - Que correspondência urgente é essa?
- Acho que é de uma escola de fotografia aqui do Brasil - ouvi barulhos de papéis sendo rasgados ou amassados - Miriam alguma coisa.
- Miriam? - vasculhei no meu cérebro esse nome - É professora de alguma escola ou alguém que eu conheço?
- Acho difícil, você nunca trabalhou aqui no Brasil.
- Isso é verdade - mordi os lábios - Você leu o que era essa correspondência ou só me enviou.
- Bom...
- MÃE!
- Eu abri, oras! Você sabe que eu abro suas coisas, ainda mais que você está em outro país, vai que era algo importante.
- E era algo importante?
- Sim, senhora.
- O QUÊ?
- Eu. Não. Lembro. - ela disse bem pausada, sabia que estava mentindo.
- Para de mentir pra mim, mãe. O que foi?
- Quão bem conhecida você é no seu ramo?
- Aqui no Reino Unido? Sei lá, tenho umas fotos em uma revista e no site do McFly, mas não tenho um nome ainda, se é isso o que a senhora quer saber.
- Acho que você andou chamando a atenção por aqui, filha - ela parecia gostar de falar isso.
- O que tinha nessa carta, mãe? - agora eu estava preocupada - Alguma proposta?
- A carta chega em mais ou menos uma semana. Abra-a, leia-a com... Como você fala mesmo? Coração aberto e...
- Coração e mente abertos - bufei - Pelo visto eu não vou gostar da notícia.
- Não tem que gostar - agora ela voltou com seu tom de mamãe - Tenho que desligar, porque a ligação fica cara, tem como entrar no skype mais tarde?
- Tem, sim - suspirei - Mãe, só me responde uma coisa.
- O quê?
- Vai atrapalhar meu futuro?
- Depende do que você interpreta como 'atrapalhar' - e sendo assim desligamos.

Fiquei batucando o celular nas mãos pensando nessas palavras. Pesquisei em meu cérebro por esse nome, mas nada aparecia. Até que... Ah não! MIRIAM, MIRIAM REZENDE! Puta que pariu!

500 Days in LondonWhere stories live. Discover now