Capítulo 40

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All the photographs were peeling
(Todas as fotos estão se desfazendo)
And colors turned to gray
(E as cores se transformaram em cinza)
He stayed... in his room with memories for days
(Ele permaneceu... Em seu quarto com as memórias por dias)
He faced... an undertow of futures laid to waste
(Enfrentou... um emaranhado de futuros destinados a ruína)
Embraced... by the loss of what he could not replace
(Abraçado... pela perda de algo que ele não poderia substituir)

Sentada em minha cama, com Sad do Pearl Jam tocando em meus ouvidos, eu encarava minhas duas malas fechadas no canto do quarto. 29 de dezembro, um dia antes de eu voltar pro Brasil e eu sinto como se estivesse indo para um matadouro.

Minha mãe me ligou praticamente todos os dias desde que dei a notícia de que estava embarcando dia 30, e ela está mais radiante do que nunca. Porém, quando ela veio me falar que eu estava com a cabeça no lugar por abandonar minha vida aqui e eu respondi dizendo que foi o Gustavo quem me comprou a passagem ela ficou muda no telefone por uns dez minutos, respondendo em seguida "Depois vemos um jeito de pagá-lo pela passagem". É SÉRIO que a minha mãe vai querer pagar Gustavo Torres por R$2.000,00 reais gastos em uma passagem aérea? Ele ganha isso se for peidar na esquina, pelo amor.

Apesar disso, meu pai parece ser o único que compreende minha situação. Disse que queria conversar com Gustavo pelo telefone, agradecer pelo o que ele fez e pedir desculpas pelo transtorno, mas isso foi meio impossível já que pedi pro meu ex-namorado não falar mais comigo, me deixar em paz. Meu pai entendeu a situação, mas afirmou que ainda quer conversar com ele, afinal, Gustavo cuidou de mim por quase um ano aqui na Inglaterra, e meu pai é aquele tipo bem antigo que gosta de conhecer as pessoas, especialmente uma pessoa que ficou com a filha dele por tanto tempo.

There is no reason that she passed
(Não há nenhuma razão para ela ter partido)
And there is no god with a plan
(E não há nenhum deus com um plano)
It's sad... and his loneliness is proof (É triste... E a solidão dele é a prova)
It's sad... he could only love you
(É triste... Ele poderia apenas amar você)
It's sad
(É triste)

Limpei as lágrimas que estavam ficando secas em meu rosto e peguei, de novo, o celular, pela milésima vez desde o fatídico dia do natal. Como já era de se esperar, não tinha nenhuma ligação nova, mensagem, tweet ou qualquer tipo de contato. Gustavo foi visto três vezes pelas ruas de Londres com uma aparência degradante e os rumores de que nosso relacionamento havia chegado ao fim começavam a se espalhar. Os tweets vitoriosos chegavam a mim como raios, mas na minha atual condição, eu não me importava com o que garotinhas de doze anos achavam de mim; se elas estavam se sentindo realizadas por ver Gustavo naquele estado, eu tinha medo do que elas sentiam de verdade por ele.

Havia tweets do Miguel, Dhiego e dos outros meninos para essas supostas fãs, alguns mandando elas calarem a boca e pararem com tanta maldade pra cima de mim, outros simplesmente rindo da cara delas... Mas eu sabia que não adiantava o que eles falavam, isso nunca ia parar. Gustavo não se manifestou, ele estava tão calado quanto eu, tanto em vida real como nesse universo virtual paralelo. Em contrapartida, Mands tagarelava mais que suficiente, e eu sei que ela andou entrando na minha conta, pegando tweet por tweet e mandando um 'vai se fuder, sua idiota' para cada uma. Não a culpo, não a julgo, eu sei que esse é o jeito dela me defender, e eu ainda não aprendi como lidar direito com quem é de Bolton, eles possuem uma característica forte sobre amizade, amor e fidelidade, eu vejo isso todo dia em Mands.

Mands... Como vou deixá-la? Não basta deixar Gustavo, meu curso, deixo amigos e minha melhor amiga, eu nunca tive ninguém que se preocupasse tanto comigo no quesito amizade, e agora a estou deixando. Estou perdendo muito mais do que ganhando, será que ninguém consegue ver isso?

The door swings to a passing fable
(A porta balança através de uma fantasia)
A fate we may delay
(Um destino nós podemos esperar)
We say... holding on... delivered in our own brace
(Dizemos... nos segurando... entregues em nossa própria força)
He let 'em as he laid in bed
(Ele os deixou quando deitou na cama)
Hoping that dreams would bring her back
(Esperando que os sonhos pudessem trazê-la de volta)
It's sad... and his loneliness is proof
(É triste... e a solidão dele é a prova)
It's sad... he could only love you
(É triste... ele poderia apenas amar você)
It's sad
(É triste)

Minha última foto com Gustavo foi exatamente no dia em que ele me deu a passagem, assim como minha última foto com os outros meninos. Ela era o plano de fundo do meu celular, e novamente eu imagino quantas meninas não dariam a vida pra ter uma foto dessas. Eu ficava vendo as fotos do One Direction com fãs em M&Gs e o quanto as meninas faziam graça, e eles posavam como se fossem amigos, como se aquela fosse apenas mais uma foto do cotidiano. Mas, olhando pra nossa foto, essa que saiu de forma tão espontânea, eu sei quem eles são de verdade, eu sei o quão amigos e companheiros esses cinco sabem ser.

Resolvi me torturar um pouco mais e passei por todas as fotos que eu tinha em meu celular, desde a primeira, o fatídico "garota especial" até a nossa última. Não conseguia segurar meu choro e em um ato infantil, trouxe meu celular até meu coração, apertando o máximo que conseguia, talvez para aliviar um pouco a dor, o peso, tirar essa lembrança que ia ficar me assombrando pelo tempo que eu passasse no Brasil. Não há dor maior do que ser afastada daquele você mais ama, e ter esse rompimento abrupto quando tudo parecia estar indo tão bem. Tudo em minha vida parecia estar caminhando para um final feliz, mesmo após o término do curso eu tinha planos de conseguir um trabalho, ficar por aqui e não me afastar dos meninos e desse país nunca mais, mas o destino brincalhão me reservou uma piada sem graça, algo que eu não estava esperando.

Miguel parecia confortável nas fotos, embora ele ainda gostasse de mim, Lucas em várias estava atrás com um olhar carinhoso, Dhiego, como sempre, ao lado de Gustavo fazendo alguma gracinha que geralmente incluía um chifre, mostrar a língua ou uma careta; Matheus e Mands sempre eram o casal fofo, de mãos dadas e sorrindo, como se estivessem juntos a séculos, e ninguém pudesse penetrar naquele mundo particular. Gustavo geralmente me abraçava pela cintura, ou por trás encostando sua cabeça em meus ombros... Nunca me esqueço da primeira sensação que tive quando vi sua foto pela primeira vez "é só ele sorrir que ele já fica lindo", e essa era a pior verdade. Eu amava o sorriso dele, o jeito como seus olhos fechavam como uma criança, como ele sorria com o rosto inteiro parecendo que ia rasgar, as linhas que se formavam em suas bochechas, uma veia discreta que aparecia em sua testa - essa veia aparecia especialmente quando ele tentava alcançar uma nota alta quando estava cantando - como suas bochechas coravam quando, em meio ao seu sorriso, eu dava um beijo em seu rosto, como tudo nele era quentinho e confortável.

Holding his last breath
(Segurando seu ultimo suspiro)
Believing... he'll make his way
(Acreditando... Ele vai fazer seu próprio caminho)

Gustavo era o sonho de qualquer namorada, e não pelo fato de ele ser um príncipe na aparência, mas por tudo o que ele fazia quando amava alguém. O jeito como ele, mesmo preguiçoso, me acordava de manhã fazendo carinho em minhas costas ou em meu rosto, como ele roçava seu nariz no meu ou em minhas bochechas enquanto assistíamos televisão, como sua mão procurava a minha quando andávamos nas ruas de Londres e como seus dedos eram ridículos de grandes e ele sempre brincava sobre isso; "sabe o que dizem sobre dedos longos, certo?", e eu na minha santa ignorância, demorei a entender que essa piadinha tinha uma conotação sexual. Como ele morria de ciúme do Eddie Vedder, mesmo ele sabendo que o cara tem quase cinquenta anos e eu nunca teria a chance de conhecê-lo ou ter alguma coisa com ele, mas ele prometeu que um dia me levaria a um show do Pearl Jam, mesmo Eddie detestando boybands; "por você eu até levo uma surra do Eddie, só pra você curtir o show", infelizmente esse dia não chegou, mas ele fez o que pode pra me fazer sorrir com McFly.

Ele tinha ciúme de eu gostar de Senhor dos Anéis por achar que eu pudesse me apaixonar pelo Frodo, sendo que, na verdade, ele tinha que se preocupar com Hobbit, porque Kili é mil vezes mais apaixonante e mais másculo; ou como ele não gostava quando eu ficava a madrugada toda vendo Supernatural ao invés de estudar e depois não conseguia dormir porque pensava em vampiros e possessões demoníacas. Ele disse que até mesmo já me ouviu chamar por Sam Winchester durante meu sono, mas ignorou pra não ficar bravo e acabar brigando comigo na manhã seguinte. Era engraçado como ele sentia ciúme de coisas patéticas, sendo que na verdade, deveria ser a maior ciumenta de todas; milhões de garotas queriam a atenção dele, todo dia ele posava para fotos com umas quinze meninas diferentes, e elas queriam muito mais do que uma foto, elas queriam um beijo, um abraço e algumas foram mais felizes em ter um selinho roubado. Ele chegava em casa ou me telefonava com aquela voz de culpa e eu achava legal, afinal é o trabalho dele, por mais que por dentro eu me corroesse, mas eu já beijei Tom Fletcher, então ele tinha aval para receber beijos roubados também.

But she's not forgotten
(Mas ela não é esquecida)
He's haunted... he's searching for escape
(Ele é assombrando... Ele está procurando uma saída)

Meu maior medo era que essas lembranças fossem esquecidas com o passar do tempo, que eu esquecesse seu cheiro, seu toque, seu gosto, sua temperatura, seu sorriso, olhar, boca, mãos... Tinha um maior medo que ele se esquecesse de mim mais rápido. Com uma vida tão tumultuada e com tanta coisa pra fazer, quando ele ia poder parar pra pensar em mim? Eu pelo menos era só abrir a internet e ver uma novidade de One Direction, mas, e ele? Quando ele ia saber uma novidade minha? Eu pedi pra ele se afastar, será que ele faria isso pra sempre? Queria um afastamento agora, até eu ir embora, e não durante meu tempo no Brasil, porque se eu nunca mais ouvir falar dele, se ele não me ligar, se eu não puder mais conversar com ele eu vou ficar doida e eu detesto essa sensação de dependência.

Fechei meus olhos, encostando minha cabeça na cabeceira da cama, tentando alinhar meus pensamentos e parar um pouco de chorar. Minha vontade agora era de fazer uma loucura, qualquer uma, mas tem tanta gente envolvida nessa história que é capaz de eu acabar machucando alguém, e eu não quero mais ninguém se dando mal comigo. Chega!

If just one wish could bring her back
(Se apenas um pedido pudesse trazê-la de volta)
It's sad... and his loneliness is proof
(É triste... E a solidão dele é a prova)
It's sad... he will always love you
(É triste... Ele sempre amará você)
It's sad
(É triste)

- Giovanna?

A música havia terminado bem no momento que senti Mands cutucar minha perna e me chamar. Tirei os fones de ouvido e abri meus olhos com dificuldade, já que eles estavam inchados de tanto choro dos últimos dias. Deparei-me com ela e os meninos, exceto Gustavo, óbvio.

- Que foi?
- A gente veio aqui pra saber se você está bem, se precisa de alguma coisa, ajuda com as malas, sei lá - ela deu de ombros, mordendo os lábios com força e evitando olhar pras minhas duas malas em cima da cama.
- Tá tudo arrumado já, amiga, obrigada - forcei um sorriso - Oi meninos.
- Oi, Gi - eles responderam em uníssono.
- Eu nem vou perguntar por que o Torres não veio, porque...
- Ele queria vir, Gi - Dhiego começou - Mas nós achamos melhor que ele ficasse em casa.
- Fizemos mal? - Miguel fez careta - Porque, se você quiser vê-lo nós vamos lá e...
- Não precisa - suspirei - Eu mesma que pedi pra ele não falar comigo até eu ir embora, eu agradeço a preocupação.
- Você já comeu hoje? - Matheus sentou-se ao meu lado - Trouxemos comida.
- Hm... - coloquei a mão em cima do estômago, ele não reclamou nos últimos dias, mesmo estando sem comida - Não sei se estou com fome ou não.
- Eu conheço esse seu discurso, Giovanna - Lucas falou, mostrando a sacolinha do Burger King - E eu sei que você está com fome.
- Sério, quem vai ficar no seu pé no Brasil pra você comer? - Dhiego riu, indo com Lucas para a nossa cozinha, tirando os lanches e arrumando as coisas.
- No Brasil eu não vou ter namorado e nem fãs de namorado pra impressionar. Posso voltar a ser uma baleia e ninguém vai notar ou reclamar - dei de ombros, encostando minha cabeça no ombro de Matheus que ainda estava sentado perto de mim.
- "Voltar a ser uma baleia", e desde quando você foi uma? - Matheus fez carinho em minha cabeça, Mands rolou os olhos.
- Cada vez que você fala uma coisa dessas minha vontade é te dar um soco na cara, mas como você tá em um momento melancólico, eu não vou fazer isso.
- Obrigada, amiga - eu forcei um sorriso.
- Meninas, tá na mesa - Dhiego falou, enchendo a boca de batata frita e carne de hambúrguer - Fão logo.

Matheus me ajudou a sair da cama, como um legítimo cavalheiro, Miguel e os outros dois estavam espalhando os lanches em cima da pia e de uma mesa improvisada, e quanto mais eu olhava, mais eu tinha a sensação que eles haviam comprado mais lanche do que o necessário. Fome de meninos, eu nunca vou entender isso, como que o estômago deles aguenta tanta porcaria assim?

- Gi? - Mands me chamou no canto do quarto quando os outros meninos já estavam atacando a comida - Comprei uma coisa pra você.
- Ai, amiga...
- Sério. Eu sei que você não é muito fã de ganhar presentes nem nada, mas quando eu vi isso eu me lembrei de você - ela pegou a bolsa que estava em cima da cama, a abriu e tirou um pacote prata - Sabe que vida de estudante não é exatamente uma beleza, mas foi isso o que consegui comprar.
- Mands! - eu ri e a abracei - Você não precisava ter me comprado nada, e sabe disso.
- É, e eu sei que se não te desse nada ia ficar me culpando pelo resto da vida - ela riu meio sem graça - Abre logo, por favor.

Abri o pacote e me deparei com um ursinho de pelúcia ridículo de tão fofo. Na verdade, não era um ursinho, era um elefante... Ele era roxo, roxa, azul claro e com uns pontinhos brancos, coisa mais linda. Bem pequeno em tamanho porque cabia na palma da minha mão, mas tinha um palmo e meio de altura, contando com as orelhinhas grandes e roxinhas. A tromba também era grande e tinha uma manchinha rosa na ponta; olhando por esse lado, acho errado chamar de elefante, sendo que claramente o bichinho é fêmea, ou seja, uma elefanta.

- Mands, é uma gracinha, eu adorei - engoli o choro indo dar um abraço em Mands - Meu Deus, eu amo essas coisinhas fofas.
- Eu sei que ama, por isso comprei - ela respondeu com a voz embargada - E sabe qual o nome dela?
- Você já deu um nome pra ela? - funguei e encarei minha amiga - Nossa.
- É aquele doce de amendoim que você e o Judd ficaram falando outro dia, eu nunca experimentei, mas gostei do som dessa palavra.
- Paçoca? - perguntei na dúvida.
- ISSO! - ela riu - Passôca - ela gargalhou porque sabia que o som não tinha saído exatamente igual ao original - Sou péssima no português.
- Tá perfeito - minha voz saiu mais embargada ainda - A Paçoca é perfeita.
- Você tem certeza, gostou mesmo? - ela parecia meio insegura, era praticamente a primeira vez que Mands me dava um presente.
- Claro que sim, amiga - fui até ela e a abracei forte, apertado a Paçoca em minhas mãos - Toda vez que eu sentir sua falta, vou conversar com minha nova companheira de pelúcia.
- Eu sou muito mais legal que esse elefante - Mands disse meio rindo - Mas eu aceito.
- E quando você sentir saudades dela, só me ligar no skype que eu coloco toda família pra conversar junto, fechado?
- Fechado - ela riu e nos abraçamos de novo - Gi, me desculpa por falar isso agora, mas eu não estou acreditando que você vai embora.
- Nem eu, amiga, nem eu.
- Hey, vocês duas - nos largamos e nos viramos para os meninos, Lucas nos chamava - Comida tá mesa e faz tempo.
- Já estamos indo, calma - Mands respondeu - Escuta, se você voltar e perceber que o novo trabalho não é aquilo que você imaginava e você começar a ficar desconfortável, não pense duas vezes antes de voltar pra cá, está me ouvindo?
- Estou - eu sorri. Mesmo se eu não gostasse do novo trabalho eu sabia que ia ser quase que impossível eu voltar, minha mãe nunca ia deixar.
- E não é pra voltar só porque você está com saudades do Gustavo, ou do real Starbucks, ou de todas as coisas britânicas que você aprendeu durante esse tempo... Volte por você mesma - ela suspirou - E por mim, claro, porque você nunca vai encontrar uma amiga tão maravilhosa quanto eu.
- Nada prepotente, nem um pouco - eu ri a abraçando de novo de uma forma mais carinhosa e divertida - Se eu tiver que voltar, juro que será por você.
- Eu sabiiiiiiiia - ela gargalhou.

Comemos os lanches ao som dos meninos fazendo várias piadas, tentando fazer com que eu esquecesse que no dia seguinte eu estaria embarcando de novo para meu país. Todo momento que eu tendia a ficar mais quieta em meu canto, algum deles ia lá e me cutucava, fazia alguma brincadeira, chamava minha atenção, jogava batatinha frita em mim, sei lá. Eu sei que eles também estavam forçando a barra, que ninguém ali estava cem por cento feliz, mas alguém tinha que fazer um esforço extra, já que eu não estava a pessoa mais agradável do mundo.

Durante nosso tempo junto, minha mãe me ligou três vezes apenas pra conferir se tudo estava em ordem, se eu estava descansando e ela ficou bem nervosa quando soube que os meninos estavam lá. Nas palavras dela "grande irresponsáveis, você deveria estar descansando, amanhã será um grande dia pra você", grande dia pra quem, mãe? Eu não sei que bicho havia mordido minha mãe desde que a tal carta da Miriam chegou pra mim, porque ela antigamente adorava o fato de eu estar em Londres, adorava os meninos e era totalmente apaixonada pelo Gustavo; agora eles não passam de cinco babacas que deram sorte na vida e eu preciso me afastar de todos porque eu posso ser má influenciada pelo mau comportamento juvenil deles. É, eu de verdade não sei o que aconteceu com a minha mãe.

No tempo em que ficamos lá e cada vez que meu celular tocava - e todas as vezes era a minha mãe - meu coração chegava a parar por um instante pensando que poderia ser ele, pensando que poderia ser Gustavo. Vi duas vezes Miguel atender o celular e se afastar, olhando de soslaio para mim e sorrindo de forma triste, voltando a falar no celular, o que me fez crer que ele estava falando com quem mais eu queria conversar no momento. Pensei que ele iria me passar a ligação, pra pelo menos eu dizer oi, dizer que estava com saudades, dizer que eu o queria ali, que ele me segurasse pelo braço e não me deixasse partir, que pegasse a passagem de avião e a rasgasse em mil pedaços; mas eu tinha uma parte em mim que ainda estava acordada e consciente, e sabia que isso nunca ia acontecer.

- Que horas sai seu voo mesmo, Gi? - Dhiego me perguntou enquanto checávamos minhas malas e minha passagem mais uma vez em menos de três horas.
- Você está com o bilhete em mãos, Lizaro, é só dar uma olhada - Miguel brincou e nós sorrimos - Até eu sei que o voo da Gi vai sair às seis da manhã.
- Você sabe porque ajudou o Gustavo a comprar a passagem - Lucas deixou escapulir e nós olhamos pra ele. Lucas... Sabia?
- Lucas? - o chamei.
- Desculpa Gi, mas acho que a essa altura do campeonato não tem porque esconder mais nada de você - ele tinha o semblante triste - Eu já sabia, mas não podia contar.
- Eu entendo - suspirei - Quando que ele comprou?
- Um pouco depois que você me contou - ele sorriu triste - Como nós já havíamos lhe dito, Gustavo e Mands sempre souberam, desde o começo.
- Amanda? - a olhei e ela sorriu meio sem graça.
- Amiga, você é péssima em esconder informações.
- Sei disso, mas isso é uma coisa que você podia ter me alertado - a encarei e depois encarei o pequeno grupo na minha frente - Todos vocês podiam ter me alertado que meu namo... Ex-namorado, que seja, estava planejando esse ataque surpresa.
- Desculpa, Gi, mas se contássemos você ia surtar mais ainda - Matheus falou - E vocês dois iam brigar, e de qualquer forma você ia voltar pro Brasil e da pior maneira possível.
- Mesmo assim... - bufei.
- Você não foi a única que escondeu um segredo, amiga - Mands encostou a cabeça em meu ombro - Fizemos isso pelo seu bem.

Sei que não tenho motivos mesmo pra ficar brava com nenhum deles, afinal, quem sou eu pra falar alguma coisa sendo que fui dando a minha notícia aos poucos para cada um e escondi da minha melhor amiga? Não os culpo, e concordo com Lucas de que, se eu soubesse dessa notícia antes, eu não sei o que teria acontecido comigo, e hoje eu poderia estar me preparando pra voltar pro Brasil muito pior do que eu já estou.

- Mas, enfim - suspirei - Acho que daqui a pouco vocês precisam ir pra casa, meu voo sai às 6 horas, mas eu preciso estar no aeroporto pelo menos três horas antes.
- Como que você vai pra lá? - Matheus perguntou, fechando minha mala e dando um tapinha na mala e suspirando - Nem acredito que você tá indo embora de verdade.
- Podemos não falar no assunto? - eu ri forçado - E respondendo sua pergunta, Jeff vai me levar até a King's Cross e de lá pego o metrô, em 45 minutos mais ou menos eu chego ao Heathrow tranquilamente.
- Você vai pegar o metrô de madrugada? - Lucas arregalou os olhos - É seguro?
- Não sei se é seguro, mas agora eu não sinto como se eu tivesse muito a perder.
- Giovanna, vira essa boca pra lá, menina! Vai que acontece alguma coisa com você, não quero nem pensar - Mands bateu no nosso armário de madeira três vezes - Eu vou com você.
- Não precisa - bufei - Já disse isso algumas vezes pra todos vocês, não preciso que ninguém vá comigo e não tornem essa partida mais difícil do que já está.
- Vou ter que, infelizmente, concordar com a Mands - Miguel soltou - Acho meio desnecessário você esperar por três horas sozinha até a hora do seu voo sendo que nós não temos nada pra fazer amanhã.
- Escuta - sentei na cama e olhei pros cinco na minha frente - Eu não vou dar uma de Rachel de Friends e me despedir individualmente de cada um, e eu nem tive chance de ter uma noite de amor final com Gustavo Torres - todos fizeram careta ao ouvirem a última parte - Odeio despedidas, odeio falar tchau, odeio chorar e odeio pensar que suas fãs podem descobrir alguma coisa e isso, a minha partida, virar notícia da SugarScape durante a semana. Por favor, eu imploro que vocês respeitem a minha opinião e não me acompanhem ao aeroporto. Está sendo complicado demais subir naquele avião, não quero vocês ali...
- Nós já entendemos - Dhiego me interrompeu.

Eu não sei em que momento do meu discurso eu comecei a chorar, mas só quando Dhiego interrompeu dei-me conta que meu rosto estava molhado e minha garganta um pouco quente... Chorei e nem ao menos me dei conta disso. Eles vieram até mim e me abraçaram, os quatro de uma vez, Mands ficou com os braços cruzados ao longe, soluçando baixinho e mordendo os lábios com uma certa urgência, desviando o olhar do meu todo o tempo. Encostei minha cabeça no ombro de Lucas - que era quem estava me abraçando de frente - e encarei Mands. Meu peito doeu mais do que deixar os meninos... A Mands viu meus piores momentos, minhas primeiras alegrias, a primeira vez que fiquei doente, que chorei de saudades; foi por causa dela que acabei entrando no universo One Direction, Gustavo Torres e toda essa loucura que aconteceu em quase quinhentos dias. Mands já disse algumas vezes que agradece a mim por ter colocado o Matheus na vida dela, mas na verdade, a responsabilidade é totalmente dela. Se não fosse por Mands em minha vida, se ela não tivesse achado meu passaporte aquele dia, não sei como e nem onde eu estaria hoje. Se eu penso dessa forma, sei que no fundo ela se sente da mesma maneira, o que faz a nossa despedida ser a pior de todas. Vou deixar a melhor amiga, a irmã que eu não tenho no Brasil.

- Eu amo você - murmurei para ela, enquanto os meninos ainda me abraçavam e diziam coisas para me tranquilizar.
- Eu também - Mands respondeu em seguida, virando-se e indo pra cozinha.

Apertei mais Lucas e Miguel, quando na verdade eu queria estar abraçando minha amiga. Dela, eu sei que não vou conseguir dizer adeus.



Quando cheguei ao Heathrow, o aeroporto estava extremamente vazio e algumas pessoas dormiam nos bancos e perto das portas. Estava congelante e eu estava feliz por estar usando o cachecol que Gustavo deu a mim no nosso primeiro encontro. Miguel e Dhiego vieram conversando comigo por mensagens o caminho todo do metrô, Lucas e Matheus caíram no sono, e Mands estava chorosa demais pra falar alguma coisa. Despedi-me deles como se fosse vê-los no dia seguinte, tentando não demorar demais, não chorar demais e nem dar explicações demais. Foi apenas um 'ok, até daqui a pouco' e pronto, porque não ia conseguir dizer mais nada, além disso.

Fui para o primeiro andar do aeroporto, chegando aos terminais. Chequei os horários que eram os únicos que brilhavam na escuridão das luzes de emergência... Senti um frio na barriga muito ruim quando vi os escritos:

"Londres - Guarulhos - Embarque"

Dei uma olhada na porta de vidro que dava para a área externa. Ainda tinha a esperança de ele aparecer ali? Será que Gustavo estava escondido em algum lugar que eu não estava vendo? Eu to vendo embaçado de novo ou estou chorando?
Apertei o cachecol com mais força e fui achar um banco para me sentar. Três horas me restavam naquele país, três horas para destruir e acabar com o sonho da minha vida.

500 Days in LondonWhere stories live. Discover now