Capítulo 43

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- E então, como estão as coisas por aí?
- Ah, corridas - eu ri, tirando a câmera que estava pendurada em meu pescoço e a colocando em cima da mesa - Fotografar criança não dá tanto trabalho como eu imaginei, as mães são a pior parte.
- As mães?
- Elas querem mandar em mim! Como eu devo fotografar, como eu tenho que tratar os filhos, qual a melhor posição que elas acham - suspirei - Acho que já estou com alguns cabelos brancos.
- Viu, eis o motivo pelo qual não gosto de crianças.
- Eu não disse que não gosto de crianças, eu disse que não gosto das mães das crianças.

Nós rimos, e então ficamos em silêncio por alguns segundos. Logo mais ia vir a pergunta... Era sempre assim quando eu conversava com Mands. Ela começava perguntando sobre alguma coisa sobre o trabalho, minha família, o clima no Brasil, como iam as aulas, e depois falava em Gustavo, nos meninos e Gustavo de novo.

- Acho que você não ficou sabendo das últimas, ficou?
- Qual delas? Tem muita "última coisa" acontecendo, Amanda.
- Não sei se encaro essa sua irritação como uma resposta positiva ou negativa pra minha pergunta.
- Fala logo, Mands!
- Lembra da Lauren? - ela suspirou - A cantora que, um pouco mais de um ano atrás estava namorando o seu ex-namorado?
- Sei, lembro dela. Vagamente - mordi os lábios.
- Ela vai abrir o show da tour Take me Home. Na verdade, ela já está abrindo, a tour começou umas três semanas atrás.
- E...?
- Estão querendo colocar ela e o Gustavo juntos de novo. Sabe como é, desde que você foi embora ele não anda muito legal e todos os jornais e revistas de fofocas daqui só falam o quanto ele anda meio pra baixo e que, parece, a culpa foi sua.
- Óbvio que a culpa foi minha, de quem mais seria?
- Giovanna!
- Mas, e o Gustavo? - quis mudar de assunto - Ele aceitou essa proposta?
- Não é questão de aceitar, Gi - ela suspirou - Você sabe que foi meio difícil pra ele, pra banda e pros empresários encararem numa boa quando vocês dois assumiram o namoro. Por isso que de todas as formas queriam divulgar que você era uma fotógrafa de respeito e essas coisas.
- Eu sei, eu tinha que ter "um nome" pra estar namorando o Gustavo... - funguei - Mas você não respondeu minha pergunta. Ele aceitou ou não?
- Quando que você vai aprender a usar o google? - ela riu, claramente muito triste.
- Ele aceitou, né?
- Não estão namorando, só saindo para alguns lugares estratégicos onde fotógrafos vão estar esperando por um momento perfeito.
- Imaginei - suspirei, triste.

A primeira lembrança que tenho de Gustavo, quando eu comecei a sentir um frio na barriga por ele, foi quando ele me disse que "estava solteiro", ou seja, que não estava namorando a Lauren. E eu também sei como foi difícil convencer a mídia, os produtores, até o próprio Simon de que nós dois estávamos juntos e que ele não ia voltar para um namoro de conveniência, e o mesmo aconteceu com Mands, mas eu tenho uma impressão de que com ela foi mais fácil, já que ela era e é mil vezes mais interessante do que eu. Acho que a coisa ficou um pouco mais fácil quando eles viram com que as fãs me atormentavam e - acreditem ou não - usaram isso como uma campanha usando o próprio One Direction como caras para "Anti-bullying"; é, a minha situação ajudou os meninos e os produtores a ganharem mais dinheiro, legal.

Mas agora não tinha mais problema, não tinha que convencer ninguém. Gustavo estava namorando ou posando de namorado com a garota modelo da Inglaterra, com uma cantora tão famosa quanto Taylor Swift e tão bonitinha e loirinha como ela. Eu não sei o que ele está pensando e muito menos os meninos, e acho que prefiro me manter longe, porque qualquer coisa que eu ficar sabendo vai me fazer mal. Confesso que, no fundo, me dá um alívio em saber que ele está vivendo a vida dele, ou está tendo que viver, já que rola uma pressão absurda pra ele manter a imagem de que está tudo bem, de que ele já superou, que eu fui apenas um namoro longo ou não sei o quê. Ele está bem, Gustavo não faz nada que não gostaria de fazer, ele tá legal.

- Não posso expor o menino Torres, senhorita, há muitas fãs no local que de alguma maneira descobriram que ele viria pra cá hoje - ele falou com a voz um pouco mais calma, menos mal - Eu tenho por objetivo protegê-lo da mídia e fotógrafos indiscretos. A senhorita deve saber que o senhor Torres é comprometido.
- Co-compro-compro, hã?
- Comprometido - ele falou mais pausado, pensando que eu fosse ou uma retardada ou não sabia falar inglês - Tem uma namorada.
- Eu... Eu não sabia - falei baixo - Então por que ele me chamou pra vir pra cá?
- Ah meu Deus - ele coçou a nuca, quantas vezes ele não deve ter visto essa cena?
- Desculpa, acho que eu não devo fazer essas perguntas para o senhor, e sim pra ele, estou certa?


Ai, Paul! Eu juro que você tentou me alertar antes do meu primeiro encontro com Gustavo, mas pelo visto eu não dei muita moral, certo? Um ano atrás eu estava prestes a ter um dos encontros mais bizarros e engraçados com um popstar, e olha onde a vida me colocou hoje. Vai ser estranho eu pensar que quem evoluiu nessa história fui eu e que Gustavo está retrocedendo mil passos? Um ano atrás ele estava namorando ou sei lá o que com essa Lauren, e aqui estamos... Um ano depois, e ele na mesma situação. Gustavo Torres, você não mudou nada.

- Tá viva, Giovanna?
- Oi... - eu ri meio fraca - Que foi?
- Eu to desabafando da minha vida aqui tem uns dois minutos e você está em silêncio. Tudo bem?
- Estou fazendo uma retrospectiva do meu último ano, só isso - suspirei - Mas você dizia?
- Eu dizia que o Matheus está aqui do meu lado querendo falar com você, e eu queria saber se você quer falar com ele.
- Matheus? - perguntei com carinho - Claro que sim, eu pensei que ele não quisesse mais falar comigo.
- E por que ele não ia querer? - ela riu - Espera, vou passar pra ele.
- Ok - batuquei os dedos em minha perna e esperei aquela voz tão conhecida atender o telefone.
- Donatelli, como você tá e por que você deletou seu twitter?

Ah sim, meu twitter!

- Bom ouvir sua voz depois desse tempo e obrigada pela bronca, Mathew - eu ri.
- Sério, seu twitter! Por que você fez isso?
- Estou há vinte dias sem usar minha conta, e não estava mais curtindo a vibe de levar a culpa pela cara de depressão do seu amigo, sendo que ele está agora muito bem com uma nova namoradinha.
- Giovanna, você sabe que ele não tá ok, e nem precisa de twitter pra saber disso.
- Blá blá - rolei os olhos - Como você tá?
- Estou ok, feliz e com uma turnê nova. Viu as fotos?
- Algumas, sim, tá lindo demais! Tá tudo tão colorido, tirando vocês, que estão adorando usar só preto nos palcos - eu sorri - Ou essas camisetas cavadas e ficam pagando peitinho. Estão andando muito com o Fletcher de novo?
- Ahhhhhh, então você reparou nos nossos peitinhos? - ele gargalhou - Vamos combinar que a última turnê tava complicado demais, aquelas roupas engomadinhas não davam mais.
- Concordo, as novas roupas estão mil vezes melhores - eu ri - Quem está tirando as fotos oficiais pra vocês?
- A Mands tirou as de Londres, Manchester e algumas da Irlanda.
- A Mands foi pra Irlanda com vocês? - coloquei a mão e meu coração. Sei tão bem a vontade que ela tinha de ir pra lá, e senti uma ponta de inveja por não ter participado disso.
- Ganhou pontos na fase final do curso por isso, e ficou muito bêbada em um pub.
- Fico dois meses fora e tudo isso acontece? Meu Deus!
- Dá tempo ainda de voltar, tem mais um mês de turnê pela frente. Temos New Castle, Nottingham, Londres de novo...
- Matheus, você sabe que eu não posso.
- Não custa nada tentar - ele fez um estalo com os lábios em sinal de desaprovação.
- Matheus...
- Conta, como estão as coisas por aí? Já achou algum namoradinho novo também?
- E você acha que é fácil assim? - eu ri - Estou no intervalo de uma sessão de fotos agora, estou esperando a Miriam chamar pra dar o resultado de um concurso que participamos.
- Concurso de quê?
- Pra ganhar ingressos pro Lollapalooza, sabe? O festival?
- Já ouvi falar, mas não tenho ideia do que pode ser.
- Festival de música - sorri - Tiramos algumas fotos com crianças, vestindo-as de acordo com uma banda que fosse tocar no festival. Eu vesti minhas crianças com as roupas do The Killers e do Pearl Jam, agora só torcer pra saber se eu vou ganhar um ingresso ou não.
- E você ainda tem dúvida disso? - ele gargalhou - Só se controla se você ganhar pro show do Pearl Jam, porque eu tenho certeza que você vai ficar descontrolada, mais do que ficou no McFly quando os viu pela primeira vez.
- Não vou ter contato com a banda, só vou ao show. Mas sim, eu vou ficar descontrolada, nem adianta me pedir o oposto.
- Sabia que vamos tocar em Seattle? Acho que é onde eles moram, não é?
- É onde o Eddie Vedder mora com a família - respondi empolgada, nesses momentos eu tinha certeza de que eles prestavam atenção ou se lembravam das minhas ladainhas de fã paga pau - Quando vai ser o show?
- Julho - ele demorou um pouco pra responder, acho que estava conferindo na agenda a data certa - Vamos?
- Tá doido? Não vou ter dinheiro pra ir, e nem dá tempo de conseguir um visto até julho.
- Se você quiser, você sabe que damos um jeito.
- Nem pensar, fica quieto e para com essas ideias - bufei.

Estava sentada no chão, esperando a Miriam aparecer ou algum dos outros alunos/fotógrafos que também participaram do concurso. Nós estávamos no estúdio, e tinha um aglomerado de pelo menos dez em uma rodinha conversando animadamente sobre algum assunto de São Paulo, algum bar na Augusta ou aquela exposição bacana que estava rolando no MASP. Desde que vim, não me relacionei bem com quase nenhum aluno; alguns me olhavam estranho, talvez se perguntando o que eu estava fazendo lá, outras (meninas, em geral), curtiam fazer uma gracinha comigo sabendo que eu namorei Gustavo. Gustavo, infelizmente, respondeu uma delas no twitter, e isso foi motivo de conversa por duas semanas... A vontade que eu tenho de esfregar o número do celular dele na cara dessas é enorme, mas vou me controlar porque, agora, nós dois não temos nenhuma ligação.

Tinha uma pessoa nesse grupo que conversava comigo, e era o Rodrigo. Ele tinha vinte e dois anos, era bem mais alto que eu, um pouco mais que Gustavo, cabelos loiro queimado, com algumas ondas, mas que não faziam cachos. Gostava de usar calça jeans dois números mais larga, sempre na cor jeans claro e rasgada em algum ponto, geralmente usava camiseta de banda com uma camisa xadrez jogada por cima. Muitas pulseiras hippies no pulso direito e vários colares nesse estilo também; todo dia chegava cheirando a sabonete Dove e tabaco, e mesmo sendo fumante, seu sorriso era lindo e clarinho. Os olhos era um pouco femininos, grandes cílios castanho escuro, tanto os superiores quanto os inferiores. Olhos castanho mel, daquele estilo grande que parece um lêmure, e tinha um pouco de olheiras também. Ele não era um príncipe de lindo, mas era uma figura que, no mínimo, chamava a atenção... A minha, pelo menos, ele chamava.

O primeiro dia que Rodrigo falou comigo foi quando fui trabalhar com a camiseta do Pearl Jam que a Lary me deu ainda na Inglaterra. Ele sorriu quando entrei no estúdio e a primeira coisa que disse foi "belo gosto musical" e me deu um tapinha nas costas. Fiquei feliz porque, pelo menos, alguém naquele estúdio falou comigo, mas minha felicidade não durou muito, já que depois ele foi se esfregar em uma outra aluna, o que me resta a pensar que, apesar de todo o seu estilo diferenciado, por dentro ele ainda é um babaca como qualquer outro garoto. Mas por que eu estava querendo a atenção dele, mesmo?

- Gi?

E falando no diabo, opa, Rodrigo.

- Oi! - afastei o celular por um instante - Tudo bem?
- Tudo, sim - ele sorriu - A Miriam vai falar agora quem ganhou o concurso, você não quer ir pra lá?
- Claro, vou, sim, só um segundo - agradeci e voltei a conversar com Matheus - Hey, amorzinho.
- Quem te chamou? Era voz de homem.
- Um amigo.
- Amigo? Que amigo?
- Matheus Mathew, controla a pica, por favor.
- Você disse que não estava com nenhum namoradinho novo, então, quem é esse?
- E eu também disse que não estou trabalhando em um convento, o que quer dizer que nesse estúdio há garotas e garotos.
- E esse garoto, quem é?
- ELA TÁ FALANDO COM UM GAROTO? QUEM?
- A Amanda tá mais perturbada que eu.

- Olha... - cocei a cabeça e suspirei - Me liguem mais tarde, ok? Preciso saber o resultado do concurso.
- Só me fala quem é essa pessoa.
- QUEM É ELE?

- Tchau, pombinhos - e, pronto!

Tá pra nascer gente mais curiosa que esses dois, e o resto dos meninos também.

Muita gente boa ia tocar nesse festival, mas muita gente boa mesmo! E eu só queria ir no domingo, não sou muito fã de The Killers pra me matar na sexta, e eu sei que quase todo mundo aqui é fã deles, ou paga pau por causa de Mr. Brightside (que é a única oficial que eu conheço, e porque o McFly fez cover). Eu só quero o Pearl Jam, o Eddie e andar na roda-gigante da Heineken, só isso na minha vida. E depois eu vejo como vou convencer meus pais que vou lá pro Jokey passar meu domingo ouvindo rock o dia todo, e possivelmente bebendo.

- Cada um de vocês tem um envelope no armário, pessoal. Nesse envelope contém ou uma boa ou má notícia - Miriam dizia - Vão lá e vejam se conseguiram seus ingressos. Para aqueles que não conseguiram, não fiquem tristes porque outras oportunidades virão, tenho certeza - ela sorriu pra mim.

Então, eu não consegui?

Fui para a sala onde ficavam nossos armários e já vi alguns alunos felizes, outros com cara de decepção. Abri o meu e peguei o envelope vermelho, a essa altura eu não sei mais o que eu queria. Não sei se queria abrir na frente de todo mundo, então fui para o banheiro mais próximo, me trancando dentro de uma das cabines e, se eu tivesse conseguido, a privada ia ser a única ali que ia ficar sabendo.

Rasguei dos lados o envelope e peguei uma folha de papel sulfite azul, nela estava escrito, em caligrafia da própria Miriam "não foi dessa vez, continue tentando".

Era a primeira vez, desde que me tornei aluna de fotografia, que eu falhava em alguma coisa, não conseguia atingir meu objetivo. Olhei aquelas palavras escritas em itálico e negrito, e lembrei de certas palavras que, um dia, me fizeram tão bem:

Temos os prazer de informar que seu requerimento para ingressar na Escola de Artes London College of Communication foi APROVADO.

Amassei o papel junto com o envelope e os joguei dentro do lixo, tentando respirar um pouco mais calma por não ter conseguido ganhar dessa vez. Eu sempre fui bem em tudo, eu sempre consegui a maioria das coisas, o que deu errado dessa vez? Um certo pânico começou a crescer em meu peito, e eu comecei a imaginar que talvez eu ganhasse as coisas na Inglaterra por causa do Gustavo, que eu nunca tinha sido boa de verdade e eu que eu conseguia por pena ou porque eu tinha um namorado famoso. Agora que eu podia provar meu talento e quem eu sou de verdade, não era o bastante. Eu não sou boa o bastante pra me fazer sozinha, pra trabalhar sozinha. Era isso. Eu era boa enquanto o nome "Gustavo Torres" ou "One Direction" andava comigo, mas agora que eu sou apenas "Giovanna Donatelli", vejo que não sou nada, nem uma porcaria de concurso eu consigo ganhar, como vou crescer na profissão assim? Eu preciso começar do zero, eu preciso me refazer, mas que MERDA!

Chutei a porta do banheiro com força e me dei dois tapas na cara, me obrigando a acordar pra vida e perceber que era tudo ou nada, e que eu não era essa pessoa tão maravilhosa e foda que todos diziam. Talvez as fãs sempre estivessem certas, eu não era nada sem o Gustavo, e tudo o que consegui foi por causa dele. Bom, parabéns, vocês venceram, eu sou, de verdade, uma bosta. Ou talvez eu não estivesse acostumada a perder, a falhar. Não sei perder, porque sempre me falaram que eu ia conseguir tudo, que eu consigo tudo! Mas eu conseguia por causa deles?

- Giovanna?

Me assustei quando ouvi a voz de Rodrigo do lado de fora da porta do banheiro. Eu estou no banheiro feminino, não estou?

- Giovanna, você está aí?
- Estou, que foi? - isso acabou soando de forma ríspida, e eu me arrependi.
- Posso falar com você?
- O que você quer? Ganhou?
- Ganhei - ele parecia feliz. Bom pra ele - E você?
- Estou trancada no banheiro com certeza comemorando minha vitória. Uau!
- Perdeu, né?
- Porra! - abri com tudo a porta, que quase acertou nele - Que você... Que é isso na sua mão?

Rodrigo segurava fotos que haviam sido tiradas por mim na Inglaterra, entre elas as fotos do McFly e do próprio One Direction. Uma das fotos era minha com Gustavo na sessão da Teen Vogue. Como que ele conseguiu isso e, o mais importante de tudo, por que ele está com essas fotos em mãos?

- Onde você conseguiu isso?
- Então você é a tão famosa namorada do carinha da boyband, né? - ele mostrou minha foto com Gustavo - Pra uma menina que curte rock, namorar boybands chega até ser cômico.
- Cala a porra da boca, você não sabe nada sobre mim - tentei tirar as fotos das mãos dele, mas Rodrigo se afastou - Me dá isso, agora!
- Se eu te der essas fotos, eu as consigo de volta no google em um piscar de olhos, então se você quiser essas aqui...
- Rodrigo, o que você quer?
- Quem tirou essa foto? - ele mostrou uma foto da turnê do McFly - E essa aqui? - e essa foto era do photoshot com a Tyra - Ou essa? - uma dos meninos.
- Quer parar?
- Foi você? - ele parecia se divertir - Foi, não foi?
- Foi, caralho - bati em suas mãos e as fotos caíram - E daí?
- E daí? - ele riu e pegou as fotos do chão - Tem ideia de que metade dos alunos aqui não fizeram nem metade do que você fez em um ano? Você trabalhou com bandas, modelos e com fotógrafos renomados.
- E?
- E que você não fez tudo isso porque seu namorado era famosinho - ele fez cara de desprezo - Foi porque você é boa.
- Ai, tá bom... - rolei os olhos e tentei passar por ele, mas Rodrigo me segurou pelo braço.
- Escuta aqui, eu não sei como era sua vida em Londres, eu nunca nem saí do Brasil. Sei muito menos como foi seu relacionamento, mas uma coisa eu posso te dizer, É FODA terminar um namoro, mudar de um lugar que você gosta e começar do zero. Você pode sofrer com tudo isso, Giovanna, mas isso aqui - e ele me mostrou minhas fotos novamente - Isso é bom pra caralho, e eu não consigo acreditar que você está se esquecendo o quão boa você é.

Estatelei meus olhos e senti meu rosto queimar e o resto do meu corpo congelar. Era a primeira vez que Rodrigo conversava comigo, de uma maneira tão intrínseca como hoje. Aos poucos ele foi afrouxando a mão em meu braço e suspirou pesado, aos poucos se acalmando e tentando me acalmar também.

- Quanto tempo você e o boyzinho namoraram?
- Tem como não chamar ele assim?
- Tá, tá... - ele olhou a foto - Gustavo Torres - ele rolou os olhos - Quanto tempo?
- Um bom tempo - suspirei - Por quê?
- Eu fui noivo, Giovanna - ele sorriu - Por dois anos.
- Noivo? Mas, você só tem vinte e dois anos.
- E daí? Se você continuasse em Londres tenho certeza que ia querer casar com seu namorado, não estou certo?
- Bom... - cocei a nuca.
- Enfim, o que eu quero dizer é que, eu posso não ter deixado Londres, mas deixei Santa Catarina. Não deixei uma estrela pop mundial, mas deixei um grande amor. E deixei porque eu sei que mereço mais, porque pra eu me sentir completo, preciso me realizar aqui - ele apontou pra cabeça - É importante amar e ser amado, mas quer mais satisfação pessoal do que ser reconhecido? Do que fazer aquilo que gosta?
- Aparentemente nem isso eu consegui aqui - bufei.
- Ah, por favor! Sem esse mimimi de garotinha que falhou em UM trabalho - ele disse com muito deboche - Você errou uma vez, e os outros quinhentos que você já fez? Pra que se apegar em um erro, sendo que você tem mil acertos?
- Escuta...
- Me deixa terminar de falar - ele me entregou as fotos - Isso aqui é você! Suas técnicas que você aprendeu lá fora são diferentes das técnicas daqui, mas faça isso o seu diferencial, e não o seu escudo ou sua zona de conforto. "Ah, eu não ganhei o concurso porque tenho um estilo diferente de fotografia", foda-se! Faça a Miriam gostar desse seu jeito, porque se ela te escolheu, é porque alguma coisa de bom você tem. E por favor, dá uma olhada no seu portofólio, garota, você é ótima.

Segurei as fotos em minhas mãos e dei uma olhada no trabalho. Olhava, e não com um saudosismo de Londres ou até mesmo de Gustavo e dos meninos, mas olhava como um trabalho pessoal, um orgulho de eu ter sido a responsável por aqueles shoots. Uma a uma, passei e observei com carinho; eu estava tão envolvida em um ambiente diferente, tão apaixonada por tudo que as fotos saíam ao natural. Tirar fotos era meu dom, então o que eu estava fazendo de errado no Brasil?

- Não perde seu brilho, Giovanna - ele levantou meu rosto, me segurando pelo queixo - Dentre nós todos, você é a melhor. Não esquece.
- Por que você tá me falando isso?
- Já vi muita gente ficar presa no passado, não quero o mesmo com você. Vale a pena lutar e virar a página, acredite - ele sorriu e me soltou.

Suspirei e pisquei algumas vezes até focar em alguma coisa de novo. Era como se Rodrigo estivesse de olho em mim desde que eu cheguei e agora cansou de me ver chorando pelos cantos e me deu um belo tapa na cara de realidade. Tenho plena certeza que estava deixando meu passado e a saudade me influenciar, meus trabalhos aqui não estavam sendo cem por cento e ouvia os burburinhos que rolavam pelos corredores de que a Miriam estava ficando um pouco decepcionada comigo. Se eu perdesse essa chance, aí sim eu estava ferrada de quatro! Não tinha mais Londres, não tinha outro trabalho, não tinha curso e não ia ter grana. Tinha que voltar a me focar, esse era o essencial.

- Ah, e mais uma coisa - Rodrigo disse da porta do banheiro - Pra você - e me jogou o envelope.
- Seu ingresso? - perguntei meio desconfiada, abrindo-o e vendo o ingresso verde do Lollapalooza ali dentro - Pra mim?
- Já tenho o meu - ele piscou e deu as costas. Mas, epa!
- Rodrigo, volta aqui - em passos largos, saí do banheiro e o alcancei no corredor - Me explica isso, como assim? Você comprou?
- Claro, oras. Não ia ficar esperando o resultado de um concurso pra comprar meu ingresso pro Lolla, e você deveria ter feito o mesmo.
- Não tenho dinheiro pra isso.
- Então, ótimo! Agora você tem o ingresso, de graça - ele sorriu - Tem como ir?
- Eu... Não... Como...
- O show começa às nove e meia, mas eu vou com uns amigos pra lá a partir do meio dia. Onde você mora? Ou então, tem como você pegar o metrô e a gente se encontra perto do Jokey?
- RODRIGO!
- Giovanna, cala a porra da boca e aceita o ingresso? É sua banda favorita, é de graça e você vai estar comigo e com uns amigos, que, por sinal, tem uma banda cover do Pearl Jam. Vai ser massa demais, e não me diga que você não bebe e fica toda cheia de firula, porque essa imagem de bonitinha não combina com você - ele ria.
- Obrigada - eu sorri - De verdade, obrigada.
- Sem problemas - ele veio até mim e me deu uma palmadinha no ombro - Nos vemos domingo?
- Sim - sorri.

Agora, sim, eu estava me permitindo ficar feliz. Lolla de graça, Pearl Jam, Eddie Vedder... AO FUCKING VIVO! E não era apenas por isso, mas parecia um misto de emoções e uma felicidade bizarra, que eu continha dentro de mim, porque se começasse a sair pulando pelo corredor ia pegar estranho. Infantilmente, dei um beijo no ingresso em minhas mãos e o guardei no bolso traseiro da calça jeans, bem a tempo do meu celular começar a vibrar. Não era mensagem, era alguém me ligando, e tenho a impressão de que era a Mands ou o Matheus querendo saber como eu tinha ido. Aposto que ela vai gritar horrores comigo, e eu vou ter que fingir que escuto o que ela está dizendo, quando na verdade, vou estar dando gargalhadas.

Peguei meu celular de olhos fechados e me encostei na parede, já me preparando pra ouvir a voz da Mands do outro lado da linha...

- Fala, Colaneri!
- Amor... Giovanna?
- Gustavo?

Abri a boca em "O" tão grande e coloquei a mão em cima por impulso. Não ouvia a voz dele desde janeiro, quando ele foi embora, eu evitei qualquer contato com Gustavo tanto quanto eu pude, assim como tentei com os meninos. Ele era a última pessoa que eu esperava falar agora, a última a ligar no meu celular. Senti vontade de desmaiar, fazer xixi, morrer, sair correndo, vomitar, tudo ao mesmo tempo. Especialmente, vontade de sair correndo...

- Tá me ouvindo? Alô?
- Gustavo.
- Você ainda está aí?
- Sim, eu só... Caceta, oi! - eu gargalhei, e ele logo em seguida - Meu Deus, você não pode ligar assim pra mim do nada, precisa me avisar.
- Por quê? Tá ocupada? Não pode falar agora? - sua voz tinha uma certa urgência e tristeza, como se estivesse me atrapalhando.
- Claro que eu posso, estou apenas brincando - eu ri.

Completamente idiota, como se ele pudesse estar me vendo nesse momento, eu coloquei minha franja atrás da orelha e mordi os lábios, me sentando no chão e apertando o celular em meus ouvidos. Eu queria só ouvir a voz dele, e não queria que ninguém me atrapalhasse; no fundo, estava desejando que ele estivesse sentindo o mesmo. Como que eu podia "virar a página" sendo que só a sensação de estar falando com ele de novo me deixava totalmente idiota e chorosa?

- Como você está? Não sei se eu podia te ligar, mas o Matheus me disse alguma coisa sobre uma competição de fotos e, bom, você me conhece...
- Eu não ganhei, Gustavo - o interrompi.
- Você... HÃ? Como assim! Você sempre ganha tudo.
- É, mas eu não ando muito focada aqui no Brasil e não desempenhei meu melhor. Um outro cara ganhou, mas tá tudo bem.
- Eu não te imagino perdendo - ele riu meio seco - O que você ganharia?
- Um ingresso pro Lollapalooza, pra ver Pearl Jam no domingo.
- AH!
- Calma, calma - comecei a rir - Eu perdi, mas de qualquer forma ganhei o ingresso.
- Por quê?
- Eu ganhei de um amigo - falei, me dando um tapa na testa, consegui falar a primeira coisa que veio na minha cabeça, idiota.
- A-amigo... - eu sei que ele passou mentalmente todos os meus amigos, e ele no momento não conhecia nenhum - Ah, tá.
- Torres, não sou eu que estou namorando no momento - ri meio fraco - Aliás, estou com uma revista em mãos que mostra uma foto fofa sua com a, qual o nome dela mesmo?
- Lauren.
- Isso! Lauren - sorri. Eu tinha a pior revista adolescente em mãos, e naquela parte tosca tipo "flagras dos famosos" tinha um set de fotos do Gustavo com a Lauren saindo de mãos dadas de um restaurante em Londres - A propósito, vocês estão de mãos dadas.
- Gi, eu não gosto dela, é coisa do trabalho. É pra turnê e essas coisas.
- Não estou pedindo explicação, nós não estamos mais juntos.
- Mas eu quero te dar explicação, qual o problema nisso?
- O problema é que você terminou comigo e me mandou pro Brasil! Parto do pressuposto que nosso relacionamento terminou e que a essa altura do campeonato, praticamente três meses desde o nosso término, você pode fazer o que quiser da sua vida, e eu posso fazer o que quiser da minha.
- Então, isso significa que você não gosta mais de mim? Não me ama mais? Esqueceu tudo o que vivemos nos últimos meses.
- Eu to tendo seguir em frente com a minha vida, e você?
- Sabe, eu te liguei pra saber do concurso, como você estava se dando no Brasil, já que você resolveu sumir do mapa! Mas foi a pior coisa te ligar, claramente você está muito bem, se divertindo e se esquecendo das coisas que teve em Londres.
- Gustavo!

Afastei o celular e coloquei a cabeça entre os joelhos, chorando mais do que devia. Apertei o aparelho em minhas mãos, pensando que era o pescoço do Torres e que agora eu o estava enforcando, porque o que eu sentia agora era uma vontade imensa e bizarra de matá-lo. Pra que me ligar e brigar comigo? E pra que me dar explicações? Eu não quero saber! Maldita revista adolescente...

- ME RESPONDE, CARALHO!
- Que foi? - funguei e coloquei o celular novamente em minha orelha, escutando seu último berro - Eu não estava prestando atenção.
- Percebi, porra! - ele suspirou pesado.

Nós dois ficamos em silêncio, naquele estado clichê de um ficar ouvindo a respiração do outro. Fechei meus olhos e minha boca tremia, a ponta do meu nariz tremia, tudo porque eu estava tentando segurar o choro. Mordi meus lábios com força, mas um suspiro manhoso acabou escapando e chamando a atenção dele, que na mesma hora parou de respirar e perguntou logo em seguida "Você está chorando?".

- Giovanna - sua voz estava mais baixa e pesada - Eu não sou isso que você está pensando, não sou tão manipulado assim. Você me conhece, sabe quem eu sou de verdade, mas é que...
- Eu sei disso, eu sei - chorei, mesmo sabendo que o deixava angustiado.
- Na verdade, eu não sei mais quem eu sou desde que você foi embora, tudo parece embaçado, turvo, não consigo me concentrar, fazer as coisas certas! Eu só digo sim, eu só vou pra onde me mandam. Eu to perdido, Gi.
- Não perde o seu brilho - repeti o que Rodrigo me disse uns instantes atrás - Você é a melhor pessoa que eu já conheci em minha vida, Gustavo. Não se perca nesse mundo, por favor.
- Eu preciso de você, pelo menos contato com você, não sei.
- Gustavo, babe... - sorri ao chamá-lo desse jeito novamente - Você precisa de foco, nós dois estamos precisando. Seu trabalho, suas fãs dependem de um Gustavo Torres cem por cento pronto, seja às cinco da manhã, seja às três da tarde! Seja jantando com a Lauren ou saindo de um show, mas elas precisam de você.
- Não...
- Vamos fazer isso por nós dois? - pedi - Nós não estamos nos dando totalmente em nossos trabalhos, e isso está nos afetando demais. Mas faça isso por você, por mim.
- E o que eu não faço por você? - ele riu baixo.
- Você podia não ter comprado a passagem - respondi.
- Me desculpa, eu achava que estava fazendo o melhor por nós dois.
- Você fez, babe. Talvez não tenha sido no momento certo, mas você fez. E daqui a pouco eu sei que vamos conseguir nos centrar e deixar tudo mais fácil, é só questão de tempo.
- E quanto tempo vai demorar pra gente se esquecer?
- Nós não vamos - suspirei - Eu disse "centrar", e não "superar" nada.
- Vai acontecer o quê, então? Relacionamento à distância? Vou fingir que estou com a Lauren quando na verdade não paro um minuto de pensar em você?
- Não, Gustavo. A gente aprende a viver, e isso não quer dizer colocar o que nós dois sentimos pra trás ou encontrar alguém ou algo que substitua. Por que não usamos isso para adicionar coisas boas a nós?
- Lembrar as coisas boas? Tratar você como se fosse apenas uma lembrança e nada mais?
- Uma lembrança de como é ser feliz, Gustavo. De como é amar, ser amado e de como existe uma garota no Brasil que ainda é completamente louca por você, e te ama demais. E nunca, nunca vai esquecer nossos momentos.
- Moments in time, I'll find the words to say...
- Before you leave me today.

Flashes left in my mind
Going back to the time
Playing games in the street
Kicking balls with my feet
Dancing on with my toes
Standing close to the edge
There's a part of my clothes at the end of your bed
As I feel myself fall
Make a joke of it all


- Lembrou da música inteira, não foi? - ele brincou e eu concordei, murmurando, porque não conseguia falar mais nada. Eu já estava em prantos - Hey, eu ainda te amo, viu, gênio?

500 Days in LondonWhere stories live. Discover now