Capítulo 34

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Cada palavra daquela maldita cara da Miriam Rezende estava bem marcada em minha mente, era meio impossível esquecer as palavras "proposta" e "uma ótima experiência". Só que eu não queria aceitar essa proposta porque eu já estava em uma ótima experiência. E a aula de hoje com a Olivia não estava ajudando em nada; aprender em doze passos como é lidar com crianças em um estúdio fotográfico era o ápice da minha tortura, já que a Miriam Rezende é conhecida pelo seu ótimo trabalho como fotógrafa infantil. Merda.

- A arte de fotografar crianças é totalmente inspiradora, um desafio gostoso e divertido de brincar enquanto trabalha. Afinal, é impossível não se contagiar com a alegria dessas criaturinhas maravilhosas. Mas também vamos concordar: não é nada fácil fotografar uma criança! E por não ser uma tarefa assim tão fácil, montei uma lista com 12 dicas práticas para fotografar os pequenos. Formulei essas dicas por experiência própria, já que entre tantas áreas da fotografia, fotografar a criançada tem sido uma das minhas preferidas - Olivia parecia animada, que bom pra ela.

Eu não comia direito há três dias, e Amanda já estava me olhando torto. Não era, dessa vez, por minha culpa, mas com tudo isso eu não estava sentindo a mínima fome. Estávamos entrando na terceira semana de novembro, as provas se aproximavam, eu tive que agradecer ao Simon pelo telefone pela chance de fazer o photoshoot dos meninos, porém dizer que não ia poder fazer, já que a escola não me liberou por quatro dias. Tinha a entrevista pra Teen Vogue e a sessão de fotos - coisa que eu não gostava de pensar - ia fotografar os meninos no fim de semana para os outdoors da turnê Take Me Home e divulgação do CD, tinha essa carta e ainda eu precisava lidar com minha mãe em outro continente. Sério, qualquer coisa que eu lesse sobre mim mesma eu não ia dar a mínima essa semana.

- Giovanna? Giovanna Donatelli?
- Mmmmm.... - murmurei, me dei conta que estava de olhos fechados - Mands?
- Você tá dormindo? - ela meio que ria - Tá que eu também não curto aulas com slides e esse escurinho tá me dando sono, mas você dormindo?
- Qual o problema? - limpei uma pequena babinha que ameaçava descer da minha boca - Eu to cansada.
- Eu percebi que você não está dormindo direito e fala demais enquanto dorme. Tá acontecendo alguma coisa?
- Está! - ia adiantar alguma coisa eu falar "não, não está?" - Mas não quero falar sobre isso, especialmente com você.
- Por que especialmente comigo?
- Você é mais surtada que eu, a última coisa que eu preciso agora é alguém dando piriri mais do que a minha própria pessoa - eu ri. Senti minha barriga roncar. Ai, caceta.
- Comida pra que, não é? - ela parecia brava - Se você está assim, sem comer, por culpa do photoshoot na Vogue, olha...
- Não é por isso, Amanda - se bem que, olhando por esse lado... - Eu só estou com muita coisa na cabeça e não sinto fome.
- Não sei o que é pior - ela se virou, procurando alguma coisa na mochila - Quando você come e coloca pra fora ou quando não come.
- Eu parei com isso, sabia? Fui ao nutricionista, como você e a Dra. Violeta pediram, voltei nela umas três vezes e tô me cuidando.
- Mas está sem comer - ela apareceu com um cupcake dentro de uma caixinha plástica rosa - Pra você.
- Não quero.
- E eu perguntei se você quer? Estou te dando, e é pra comer - ela deu uma olhada rápida no relógio - Quinze minutos e a aula termina, vamos direto pra alguma padaria comprar algo decente pra colocar no seu estômago. Enquanto isso, coma esse cupcake.
- Já disse que não quero, Amanda.
- Deixa de ser teimosa? - ela abriu a caixinha, arrancou um pedaço do cupcake com as mãos e apontou pra minha boca - Vai abrir por bem ou por mal?
- Você vai me enfiar esse pedaço goela abaixo, a força?
- Se for preciso...
- Maluca! Você é maluca! - e nessa minha abertura enquanto eu falava, Amanda enfiou esse pedaço de cupcake na minha boca e a fechou, esperando eu mastigar e engolir. Me senti uma criança de cinco anos.
- Melhor assim - ela lambeu os dedos - Se não quiser que eu faça isso com ele todo, coma por conta própria.
- Puta merda - peguei o cupcake e o fechei de novo na caixinha, ela me olhou brava - Hã? É pra eu comer agora?
- Óbvio.
- Estamos no meio da aula.
- Você estava dormindo cinco minutos atrás - ela sorriu vitoriosa - Come, antes que eu ligue pro Gustavo e fale que você não está se cuidando, de novo.
- Saco, saco, que saco! - peguei um pequeno pedaço do cupcake e coloquei na boca. Estava delicioso, e meu estômago agradeceu, mas eu não estava com fome.
- Dica número quatro: Bokeh - Olivia sorriu, ela estava empolgadinha demais hoje. Ou eu que estava mal humorada? - Eu costumo chamar o efeito bokeh de "estrelinhas". Trata-se do efeito que ocorre nas áreas desfocadas da fotografia, produzido por lentes de com grandes aberturas. Escolha lentes claras para fotografar crianças. Além desse tipo de lente tornar a focagem mais fácil (no AF), elas produzem lindos bokehs. Recomendo duas lentes em especial: a de 85mm e a 50mm.
E lá vamos nós discutir a dica cinco, seis, sete... Será que Olivia conhecia Miriam Rezende? Ela podia me dar uma luz a respeito do assunto.
- Dica número nove: Fotografar em preto e branco - ai, Deus! Eu tô começando a ver tudo em preto e branco, Olivia - Apesar de ser uma grande defensora da fotografia colorida para crianças, não posso negar que um belo retrato preto e branco envolve uma expressividade maior. E juntando com os olhos carregados de sentimentos, o preto e branco é uma grande cartada para um retrato de impacto.
- Alguém me explica o motivo pra essa mulher estar tão empolgada hoje? Dormiu com alguém importante?
- Danny Jones que não foi... - falei, rindo com uma piada muito infame. Lambi os dedos, terminando de comer o cupcake e olhei rindo pra Mands - Acabei, mamãe.
- Começa a brincar com coisa séria... - ela riu - Ótimo, saindo daqui vamos passar em uma padaria.
- O fato de eu ter acabado de comer um cupcake já não está bom?
- Pra mim que não está - ela riu - Olha, acabou! - ela apontou para Olivia, que desligava os slides e falava as suas considerações finais - Pronta pra ir embora? As bichas também acabaram de acordar - ela apontou para Sam e Lucas que limpavam as babas e sorriam com culpa para Olivia.
- Pelo menos eles dormiram - suspirei.
- Hey, te acordei porque te amo e ainda te dei comida - Mands riu - Vamos?
- Escuta, eu preciso trocar umas duas palavrinhas com a professora antes de irmos, pode me esperar lá embaixo.
- Vai dar uma de espertinha pra não querer ir na padaria?
- Claro que não - me levantei e guardei meus livros e cadernos na mochila - Eu juro que tenho que conversar uma coisa séria com ela, mas é rápido.
- Ok - Mands suspirou, óbvio não acreditava em mim - Te espero na portaria com o Lucas e o Sam.
- Obrigada - sorri e dei um beijo em seu rosto - E sim, obrigada pelo cupcake.
- Não há de quê.

Esperei todo mundo sair da aula, alguns alunos também foram até Olivia tirar algumas dúvidas, então a espera foi um pouco mais longa do que o previsto. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Gustavo, perguntando a que horas iríamos nos encontrar hoje para falarmos do photoshoot e da entrevista. Eu sentia que essas últimas três semanas de novembro seriam para acabar com qualquer resquício de sanidade que eu ainda possuía. Aproveitando que estava com o celular em mãos, dei uma olhada em minha agenda para os próximos vinte e um dias. Nada agradável, nada fácil.

- Entrevista Teen Vogue com Gustavo.
- Sessão de fotos Teen Vogue com Gustavo.
- Primeira semana com apresentação dos Seminários (Mands, Sam e Lucas).
- Fim de semana para os shoots da turnê.
- Pocket show no Hyde Park (eu vou?).
- Início das duas semanas de provas.
- Estudar os atrasos.
- Meninos embarcam para NYC.
- Madison Square Garden (e você estudando).


Isso porque eu não adicionei a carta, minha conversa com Gustavo - porque eu vou ter que falar com ele sobre isso - nem com Mands e nem com minha mãe. E eu tinha me esquecido do pocket no Hyde Park... Meu Deus! Eu nem sei se vai dar pra eu ir nesse show, e eu esqueci que dia vai ser. É sexta ou sábado? Olhei novamente pra agenda e risquei de leve as duas últimas anotações, odiava a sensação deles indo novamente para os Estados Unidos e eu não estando lá. Madison Square Garden, e eu não ia ver absolutamente nada.

- Giovanna? - ouvi a voz de Olivia - Está querendo falar comigo?
- Ah, sim - pulei da cadeira - Eu sei que você deve estar querendo ir embora, mas eu juro que não vou demorar.
- Sem problemas, a classe de vocês foi a última de hoje - ela sorriu - Então?
- Bom...
- Ai, não sei como começar isso.
- Pelo começo?! - ela parecia irônica. Sério, quem comeu essa mulher ontem?
- É, boa ideia - eu ri, sarcástica - Eu recebi uma proposta, no Brasil. Minha mãe me ligou avisando que a fotógrafa Miriam Rezende, que eu não sei se você está familiarizada com o trabalho dela, gostou do que eu ando fazendo por aqui e me ofereceu uma oportunidade de trabalhar diretamente com ela.
- Miriam Rezende, infantil?
- Aham.
- Já ouvi falar, não conheço muito o trabalho dela, mas sei que é boa - ela sorriu - E então, o que você está pensando?
- Eu não sei, estou completamente perdida. É uma chance e tanta, mas pra isso eu preciso trancar o curso, voltar pro Brasil, abandonar tudo o que eu já conquistei por aqui...
- E isso inclui um rapaz que está em uma boyband... - ela sorriu - Está pensando no Gustavo, não está?
- Também - suspirei - Na verdade, ele é o motivo pra eu estar toda insegura desse jeito.
- É claro que é, e nem precisava me dizer - ela sorriu - Bom, vamos falar primeiro do seu lado profissional - Olivia sentou-se em cima da mesa e me olhou - Suas conquistas esse ano aqui em Londres.
- Na verdade tudo começou com a bolsa - eu sorri - Então veio: a bolsa, aquela primeira sessão com a banda One Direction, eu venci o desafio, então as fotos foram pra SugarScape - respirei, foi aí que tudo começou - As fotos com a Tyra, conhecer o Leishman, as fotos do McFly, as fotos do show do McFly que foram parar no site oficial deles, Paris... Sem falar das fotos em rádios com os meninos.
- Muita coisa pra um tempo tão curto - Olivia parecia orgulhosa.
- É, e eu ouço muita merda por isso.
- Como assim?
- Tem gente que fala que eu sempre ganho tudo, que nada dá errado pra mim e que chega até ser chato querer saber da minha vida.
- Uau, que argumento mais babaca - ela gargalhou - Se você é boa no que faz e as pessoas te admiram e te chamam pra participar de novos trabalhos, isso é um problema? Você estuda, se dedica, é claro que as coisas dão certo pra você. E se dessem errado? Iam te falar que você não é boa o bastante - ela suspirou - Não liga pra isso, a única definição que eu vejo pra isso é inveja e medo dessas pessoas não conseguirem construir uma história tão boa como a sua.
- É, pode ser... - dei de ombros - Mas enfim, foi isso o que eu consegui em menos de trezentos e sessenta e cinco dias.
- O curso tem quinhentos dias, ainda tem muita coisa pra acontecer.
- Eu sei, mas se eu aceitar essa proposta eu não vou curtir o que me resta aqui em Londres - suspirei - Não sei o que fazer.
- Que tal começar conversando com Gustavo ou Amanda sobre isso?
- Que tal eu pensar sobre o assunto e falar com eles só depois que eu tiver tomado uma decisão? - perguntei querendo parecer legal, Olivia me olhou sério.
- Giovanna, eu acho que eles, acima de qualquer outra pessoa, poderiam te ajudar a tomar uma decisão.
- Minha mãe já está querendo fazer isso por mim - bufei - E eu já sei o que eles vão falar.
- E o que seria?
- Os dois vão me mandar de volta ao Brasil, eu tenho certeza.
- Hm... - ela pareceu surpresa - Você acha isso?
- Acho, ainda mais o Gustavo, que tem toda essa coisa de 'vai fazer o que você ama' e tal.
- Ele é mais maduro do que eu imaginei.
- Ele é ótimo, Olivia - suspirei - Demais.
- Se ele é ótimo e tudo isso que você está me falando, ele vai entender e vai te dar todo o apoio que precisa. E tenho certeza que você vai tomar a decisão certa, como sempre - ela sorriu - Vai ser uma pena perder você.
- E quem disse que eu vou embora?
- É uma hipótese - ela ria enquanto pegava sua bolsa e seus livros - Tem alguém te esperando na porta.
- Hã? - perdida, olhei onde Olivia apontava. Era Sam, Lucas e, claro, Amanda - Me esqueci deles.
- Vai lá, me deixe atualizada de suas decisões, tudo bem?
- Sim.
- E não se esqueça das provas. Você ainda não terminou o trimestre.
- Eu seeeeeeei... - emburrada, coloquei minha mochila nas costas e fui até meu trio favorito de pessoas comuns na Inglaterra.

Como previsto, Amanda me levou até uma padaria perto da escola e me fez comer pelo menos dois pedaços de pães com muita manteiga e geleia. Não nego que estava gostoso, mas precisava desse exagero todo? E eu me sentia uma criança sendo forçada a comer, porque enquanto eu não engolia, ela e os meninos não paravam de me olhar, o que me fez perder mais ainda o apetite.

Saímos de lá e voltamos direto pro nosso apartamento, onde, para minha total surpresa, meu namorado e o ex de Amanda - também conhecido como Matheus e que, eu sei, não era mais "tão ex", estavam lá. Gustavo dava atenção para algumas meninas e Matheus tirava foto com três fãs ao mesmo tempo. Elas sabiam que nós morávamos lá e que eles iam nos visitar de vez em quando, o que se tornou normal com o passar dos meses. Assim que as meninas nos viram, chamaram a atenção dos dois, que sorriram ao nos ver. Elas terminaram de bater as fotos, pegar autógrafos e foram embora, apenas nos dando um educado "tchau" e depois já olhando para as câmeras, checando se as fotos haviam ficado boas. Eu sabia que ia chegar em Gustavo e lhe dar um beijo nos lábios, mas e a garota ao meu lado com o garoto ao lado do meu namorado, iam fazer o que?

- Gustavo Torres - sorri, indo até ele e o beijando - Café?
- Fiquei sabendo que teve gente que não comeu, hoje de manhã - ele sorriu e deu uma piscada pra Amanda - Quer?
- Que eu saiba, eu fui forçada a comer um cupcake e dois pães em uma padaria, como assim "não comi"? - olhei pra Mands enquanto pegava o café das mãos de Gustavo, ela era só sorrisos - Amiga do inferno.
- Nunca prometi que não ia ligar pro seu namorado - ela deu de ombros.
- Enfim... - abracei Gustavo e olhei para os outros dois - Sério, pombinhos. Já deu essa coisa de vocês ficarem separados, né?
- Quê? Que foi? - Matheus se fez de perdido - Não fiz nada.
- Esse é o problema - Gustavo falou - Não estão fazendo nada.
- Ah, me desculpa se eu fico mais que 48h brigada com meu namorado, diferente de vocês que brigam e se amam quase no mesmo dia - Mands bufou, mas acho que ela nem se deu conta do que tinha acabado de falar.
- É impressão minha ou você acabou de chamar o Matheus de "namorado"? - Gustavo perguntou, eu já estava rindo - E com respeito ao limite de 48h, qual o problema?
- Muda de assunto não, Gustavo - eu falei - Vamos nos focar na parte onde a Mands chama o Matheus de namorado de novo.
- Eu nem lembro de ter falado isso - ela parecia envergonhada.
- Pois eu lembro - Matheus riu - Amanda Colaneri...
- Ele vai se declarar, né? Agora?
- Vai - Gustavo riu - Cara, vamos lá pra cima, vai chamar muita atenção aqui.
- Você não tá entendendo, Torres - Matheus ergueu a mão pro amigo, pedindo educadamente que ele parasse de falar - Eu quero chegar ao andar de cima como namorado da Mands, só depende dela.
- Como assim? - eu e Mands perguntamos juntas.
- Eu to te pedindo de volta em namoro - Matheus disse. Eu vou chorar - Só depende de você aceitar.
- Ela vai aceitar! - falei e ela me olhou, brava - Ah, claro! Eu posso ser forçada a comer um cupcake, mas não posso te "forçar" a voltar com seu namorado.
- O cupcake te fez bem.
- E o Matheus, não? - cruzei os braços e beberiquei o café, que já estava meio frio.
- Quer parar de dar opinião no meu namoro? - Matheus me pediu - Ou sei lá o que é isso que nós temos agora.
- Quem traiu, cala a boca - eu falei e vi Matheus ficar vermelho. Gustavo me abraçou e riu abafado nas minhas costas - Amanda, você vai voltar com o Matheus.
- Não vou, não! - ela parecia ofendida, Matheus, então...
- Vai, sim, porque se eu ouvir mais uma vez Kelly Clarkson, e olha que eu AMO aquela mulher, mas se eu acordar de novo com Never Again, eu acho que jogo seu celular pela janela e nem vou me arrepender disso.
- Quando você e o Gustavo brigam e ficam cheios de "mimimi", eu não fico ameaçando jogar seu celular pela janela cada vez que você ouve Too Close for Comfort.
- Essa é sua música quando brigamos? - Gustavo me encarou - Nossa.
- Cala a boca, eu também ouço Moments.
- Ah, Moments! - Matheus suspirou.
- Pelo menos o Gustavo aparece no dia seguinte com muffins e café quente me pedindo desculpas, e eu aceito de bom grado.
- BOM GRADO? Eu tenho que te puxar pelos pés pra você atender a porta.
- Sério? - agora Matheus e Gustavo davam risada.

Vale falar, de novo, que estamos tendo essa conversa toda na entrada do apartamento, com alunos entrando e saindo. Com FÃS aparecendo, virou um circo.

- E olha - Mands apontou pro Gustavo - Da última vez ela só abriu a porta mais rápido porque ela sabia que a vadia da porta da frente ia aparecer de sutiã e calcinha na porta.
- HEEEEEEEEEEEEEEY!
- To mentindo, Giovanna Donatelli?
- Não... - abaixei a cabeça. Gustavo e Matheus só gargalhavam.
- Calem a boca, vocês! O assunto era a Mands e o Matheus, como que de repente virou pra mim?
- O assunto sempre sobra pra você, paixão - Gustavo me beijou no rosto - Então, você não abre a porta de bom grado?
- Já mandei você pra merda hoje? - bufei.
- Lindiiiiiinha - ele mordeu minha bochecha e gargalhou.
- Vamos voltar ao assunto principal - saí de perto do Gustavo e fui até Matheus - Vai, se declara, caralho.
- Oi, educação.
- Não, me chamo Giovanna - sorri, sarcástica - Vai logo, senão eu me declaro pra Amanda no seu nome.
- Tá, tá... - ele suspirou, tava até bonitinho todo vermelho - Amanda Colaneri.
- Puta que PARIU! - ela suspirou, passando as mãos nos cabelos.
- Eu te amo, eu sempre te amei - Matheus se ajoelhou, ALI na frente de todo mundo.
- Tem gente tirando foto - apontei pra umas seis meninas ali perto - Vamos deixar?
- Deixa, deixa - Gustavo riu.
- O que eu fiz foi imperdoável, mas você estava me deixando doido com toda sua crise de ciúme e essa sua loucura de achar que eu tô olhando pra toda menina que passa na minha frente.
- Não é pra toda - ela rolou os olhos - Era só pra Lorelai, e ACHO que, em vista do que aconteceu, eu estou certa.
- Estava! - ele disse - A Lary tá com o Lucas de novo e eu tô aqui sem você.
- Awwwnnn! - eu suspirei, Mands olhou pra mim e fez careta.
- Por favor, por favor, me aceita de volta.
- Eu tô quase aceitando no seu nome - Gustavo falou - Não é todo mundo que se humilha desse jeito, não.
- Eu fui um burro, um idiota e aceitei meu tempo como punição. Mas agora não dá mais! Eu quero você na minha vida de novo, fazendo carinho no meu cabelo até você dormir, porque é sempre você quem dorme primeiro - ele riu, Mands também sorriu e estava querendo chorar, o nariz dela estava ficando vermelho na pontinha - Me dando uns tapas quando eu preciso, mandando eu ficar quieto. Até acho que parte da sua falta de educação você aprendeu com a Giovanna.
- HEY!
- Mas eu não me importo - Matheus continuou. Vou ignorar só porque estou achando tudo muito fofo - Você sempre diz que me amava primeiro porque era nossa fã, mas eu aprendi a amar com você, então acho que estamos juntos nessa - ele sorriu de um jeito tão meigo, tão simples. Até minhas pernas ficaram bambas - Me aceita de volta, por favor.
- ACEITAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! - ouvimos as meninas que tiravam as fotos gritarem ao fundo, começamos a rir.
- Ai, Matheus... - Mands fungou e foi até ele - Levanta daí, homem!
- Não, só levanto quando você me responder - ele suspirou - E então?
- Matheus Mathew!
- Amanda Colaneri, falar meu nome completo não quer dizer sim ou não!
- Tá bom - ela bufou, mas depois sorriu - É claro que eu te aceito, seu babaca que adora chamar uma atenção desnecessária - ela ria.

Matheus olhou pra nós, depois olhou pra Mands e se levantou, a pegou no colo e a beijou. Limpei as lágrimas e encostei minha cabeça no ombro de Gustavo, que beijou meus cabelos e começou a gritar uns 'uhuuuul' e 'aeeeeee'. Me deu um certo alívio no coração, finalmente tudo tinha voltado ao normal. Enquanto eu via Matheus e Mands se beijando bem ali na nossa frente, percebi que não ia conseguir ficar longe deles. Em quase um ano conquistei amigos que vou levar pra vida inteira, bônus eles serem da boyband mais foda atualmente, e mais um bônus estrelinha um deles ser meu namorado. Como que eu ia poder jogar tudo isso pro alto por uma promoção no trabalho? Aproveitei que já estava chorando e me permiti chorar por essas duas coisas: a volta de Mands e Matheus e a carta da Miriam.



Passei a noite com Gustavo, ensaiando algumas possíveis perguntas que poderiam me fazer na entrevista da Teen Vogue. Os outros meninos saíram para comemorar que Matheus e Mands tinham voltado, mas eu e Gustavo ficamos em casa. Ele me mostrou algumas entrevistas que ele já havia feito no passado - confesso que nunca presto muita atenção em suas entrevistas, geralmente as perguntas são as mesmas - e o que seria diferente nessa específica, amanhã. Me debrucei em sua cama, vestindo uma de suas camisas, acho que era a que ele usava em I Want - sim, nós transamos, virou rotina e agora era meio difícil passar a noite com ele e não rolar nada - e dei novamente uma olhada nas útlimas revistas. Heat, SugarScape, The Sun, BOP, OK Magazine... Ah!

- Por que os jornalistas sempre perguntam as mesmas coisas? - me virei pra cima, encostando os pés na parede atrás da cama - Se sabem que você tá namorando, pra que perguntar de novo? E sempre perguntam da mesma forma "As fãs querem saber, quem está solteiro na banda?", ah, chega a ser irritante. As suas meninas sempre sabem quem está solteiro e quem está namorando.
- Você acabou de chamar as fãs de "suas meninas"? - Gustavo apareceu de cueca na porta do banheiro - Olha, que evolução.
- Às vezes, Torres, você duvida da minha capacidade de ser legal - respondi, o vendo de ponta-cabeça, já que eu estava assim. Pé pra cima encostado na parede e o tronco deitado na cama.
- Só é bom ouvir isso - ele sorriu, e eu o vi se aproximar de mim.
- Apesar de quase ter levado...
- Uma garrafada na cabeça! - falamos juntos e começamos a rir.
- Sim, apesar disso, eu gosto muito das suas meninas - sorri - Mas vamos ao que interessa.
- Segundo round? - ele se jogou ao meu lado na cama e começou a beijar meus ombros, puxando de leve sua camisa pra baixo - Já tem uns vinte minutos, Gi.
- Nã-ão! - puxei de volta a camisa e lhe mostrei a língua - Sério, eu tô bem nervosa com essa entrevista amanhã.
- E, sendo clichê e sacana, eu conheço um jeito ótimo de te ajudar - ele veio se encostando em mim, desabotoando a parte debaixo da camisa e passando os dedos bem de leve na minha barriga. Me contorci de cócegas e com aquele formigamento gostoso que eu já era acostumada - E então?
- Gustavo - suspirei - Por mais que a oferta seja tentadora - suspirei de novo, ele estava começando a beijar minha barriga - Eu de verdade preciso de ajuda.
- Sei disso - metade da minha barriga estava aparecendo, e ele a beijava. Peguei a revista em mãos e comecei a me abanar - Mas não tem como eu te ajudar daqui a pouco?
- Daqui a pouco? Vai ser tão rápido assim? - não resisti em fazer uma piadinha. Senti ele gargalhar com os lábios um pouco acima do meu umbigo - Gustavo Torres, quer parar? Eles não vão perguntar qual a frequência que nós dois vamos pra cama!
- É uma possibilidade - ele parou de me beijar e colocou a cabeça em meu tronco, sorrindo com os lábios fechados - Nunca viu Sr. & Sra. Smith? O terapeuta pergunta qual a quantidade de sexo.
- Qual a qualidade, o que é diferente - falei enquanto fazia carinho em seus cabelos e o via abrir e fechar os olhos como um gatinho ronronando - E nós não vamos pra uma terapia, nós vamos a uma entrevista! E mesmo se perguntarem, eu não vou responder.
- Eu vou! - ele sorriu, sapeca, arregalei meus olhos - Estou brincando.
- Não coloco minha mão no fogo por você, Torres.
- E em outro lugar, você coloca? - ele mexeu as sobrancelhas pra cima e para baixo enquanto ria.
- Por Deus, garoto! Se controla!
- Nega fogo agora, vai! Vou passar um bom tempo em Nova Iorque, quero ver como vai se virar sem mim.
- Masturbação - respondi de forma calma e controlada. Me lembrei de quando o Blaine dá a mesma resposta para Kurt em Glee, comecei a rir igual uma besta.
- O QUÊ? - e agora Gustavo estava em cima de mim - Giovanna, você anda lendo algum livro pornô ou vendo coisas que eu não estou sabendo?
- Que horror, Gustavo! - eu batia em seus ombros, mas ele segurou meus braços acima de minha cabeça - Tá doido, moleque?
- Desde quando você sabe dessas coisas?
- Desde que um carinha aí resolveu me ensinar essas coisas... Não a parte da masturbação, claro, eu digo... Outras... - mordi os lábios - Coisas.
- Odeio quando você morde os lábios e faz essa cara de que não sabe do que eu tô falando - ele riu enquanto se aproximava de mim.
- Por quê? - perguntei. Meu corpo já dava sinais de que Gustavo não ia mais poder sair de cima de mim tão cedo - Te deixo bravo?
- Muito... - ele se abaixou até mim e encostou os lábios nos meus - Bravo.

É, segundo round.

Quando Love is Easy, do McFly, começou a tocar ao meu lado, sabia que era hora de acordar. Olhei pro visor do meu celular e constatei que estava muito cedo! Seis horas não é um bom horário, ainda mais em um sábado. Mas as fotos na Vogue começavam às nove, e eu nem sabia onde íamos fotografar e nem que horas ia ser nossa entrevista.

Olhei ao meu lado e vi Gustavo dormindo de bruços, com a cara enfiada no travesseiro, nada romântico. Aquela cena fofa de eu ficar vendo ele dormir porque ele "dorme igual um anjo" não existe entre nós dois. Gustavo dorme com a cara enfiada ou no colchão, ou no travesseiro, ou no lençol, e RONCA! E eu... durmo de bruços, o máximo que acontece é entrelaçarmos nossos pés a noite, e só. Mas quando ele resolve dormir de barriga pra cima e de ladinho, é fofo, não posso negar. Sabendo que ele não ia acordar tão cedo - embora ele devesse acordar cedo - me levantei e fui ao banheiro fazer o que todo mundo faz de manhã. Como estava na casa de Gustavo, não me importei em ir pra cozinha com a camisa dele, era a única coisa que consegui achar no chão, nem me dei ao trabalho de procurar um short. Eu só dei graças a Deus que me lembrei de tampar os países baixos, porque nós não estávamos sozinhos. CLARO que tinha que ter alguém na cozinha, e CLARO que tinha que ser Dhiego Lizardo. Seis da manhã de uma porra de sábado e esse menino acordado.

- Bom dia, Giovanna! - ele falou rindo e com uma voz bem arrastada, enquanto metade do seu rosto sumia atrás da xícara - Bela roupa.
- Que mal lhe pergunte, o que você está fazendo aqui? - cocei os olhos pra ter certeza que não estava alucinando.
- Desde que você começou a vir pra cá com mais regularidade, Gustavo guarda uma boa dose de comida pro café da manhã - aquele olhar desgraçado sacana, TODOS os meninos da banda possuem esse mesmo olhar - Então eu venho aqui tomar café da manhã.
- Todo dia você faz isso?
- Aham - ele riu - Mas hoje, em especial, algo me chamou a atenção - Dhiego lambeu os lábios e colocou a xícara sobre a pia - Sabe, eu gosto de acordar, tomar um café, colocar na VH1 e assistir os clipes matinais, são sempre os melhores.
- Anda logo, Lizardo - eu puxava a camisa pra baixo, não estava bem acostumada a ficar assim na frente de nenhum outro garoto.
- Então - ele riu, tenho certeza que se divertia com essa torturinha maldita - Eu fiz meu café, peguei as torradas e fui pro sofá. Quando, de repente...
- O QUE?
- Aqui, ó - ele tirou do bolso do seu roupão meu sutiã. MEU SUTIÃ! Na mão do Dhiego, na mão de Dhiego Fucking Lizardo! Alguém me ajuda - Seus peitos são tão grandes assim? - ele colocou o sutiã nele mesmo. Cavem um buraco pra mim.
- ME DÁ ISSO AQUI! - eu fui até ele, mas Dhiego era mais alto e ergueu o braço, SEGURANDO AINDA o treco - Dhiego, me devolve.
- Cara, você e o Gustavo se pegam em todo lugar, é isso mesmo? - ele gargalhava.
- Isso não é da sua conta - e eu pulava tentando pegar meu sutiã - Dhiego!
- Bom dia? - Gustavo apareceu na cozinha. O fato de ele estar de cueca não ajudava muita coisa - Heeeey, é seu sutiã! Você estava procurando ele ontem.
- Dá pra ajudar, Torres? - perguntei, mais envergonhada do que brava.
- Vai, Dhiego! - ele ria, pior que o Lizardo - Devolve pra ela.
- Eu ia brincar - Dhiego fez bico. Mas... O QUÊ?
- Dhiego! - gritei - Me dá a porra do sutiã.
- Ah, tá bom, tá bom - ele me entregou - Sem graça.
- Babaca, você é um babaca! - comecei a bater nele, mas nem adiantava porque tanto meu namorado como esse moleque estava rindo da minha cara - Quer saber, eu vou tomar um banho e me arrumar.
- É o hoje que vocês vão lá pagar de casal legal pra Teen Vogue? - Dhiego sorriu abertamente - Boa sorte.
- Vou me lembrar de falar que você brincou com meu sutiã pela manhã - mostrei o dedo pra ele e os dois começaram a rir.
- APROVEITA E FALA QUE O SUTIÃ ERA DO SEU NAMORADO! - o ouvi gritar, mas fechei a porta do quarto.

QUE VERGONHA!

Dhiego ficou me mandando mensagens a manhã toda até chegarmos na Vogue, e isso também inclui Lucas, Miguel e Matheus - junto com a amiga da onça, Amanda. Gustavo nem se importava, quanto mais eu reclamava, mais ele se divertia.

Pelo que nos foi passado, hoje pela manhã faríamos a entrevista no próprio escritório da Vogue no centro de Londres e, no período da tarde e noite, iríamos tirar as fotos em alguma mansão localizada por aqui perto também. Com respeito às fotos eu posso falar que não estava tão nervosa, o que mais me incomodava no momento era a entrevista. O que iam perguntar? Porque, querendo ou não, eu não estava muito na mídia e sei lá, toda essa coisa de aparecer não é comigo.

Enquanto esperávamos no saguão da Vogue, eu folheava as últimas edições. As modelos magérrimas com suas poses maravilhosas me davam calafrios. Eu nunca ia ficar bem em qualquer roupa que me colocassem, ainda mais agora que "estou no peso ideal". Essas meninas aqui não estão no peso ideal, devem estar uns dez quilos mais magra do que devem. Será que ainda dava tempo pra eu fazer alguma coisa? Suspirei, olhei ao meu redor e constatei que lá perto havia pelo menos uns três banheiros... Se eu corresse, eu ia conseguir. Mas o que eu ia dizer pro Gustavo? Ele estava no telefone, falando com um dos empresários, anotando algumas coisas na agenda e escrevendo rápido demais. Ele nem ia perceber minha ausência. Olhei para os lados e vi que não tinha ninguém por ali, a não ser pela moça linda - e magra - da recepção... Eu tinha minha chance. Era por uma boa causa, claro que sim. Dei mais uma olhada pra Gustavo, que nem notava minha presença ali, respirei fundo e me levantei.

Dez passos, doze passos... Vinte passos. A porta do banheiro já estava perto, e eu apertava meu estômago com o intuito de ficar um pouco mais enjoada e facilitar o meu serviço. Prendia a respiração o máximo que podia, porque isso também sempre me ajudou. Escutei um barulho em minha barriga, era fome! Eu não havia comido nada desde aquela manhã, a conversa com Dhiego também não foi de grande ajuda já que, quanto com mais vergonha fico, menos fome me dá. Já ia prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo alto e apertando minha garganta quando dei de topa com alguém. Era uma mulher, mais velha, mas muito bem conservada. Sorri apenas para ser educada e respirei fundo, querendo que ela desaparecesse de vista, mas ela não o fez. Sorriu de volta e puxou assunto; caralho!
- Olá, querida, tudo bem?
- Aham - respondi meio rápido, acho que pareci meio mal educada - Digo, tudo bem, sim.
- Você deve ser a namorada do mocinho que vai tirar as fotos hoje? One Direction?
- Sou a namorada dele - ok, agora eu ia ter que pagar de simpática - Me chamo Giovanna e meu namorado, Gustavo.
- Ah, sim! Gustavo Torres e Giovanna Donatelli - ela deu uma olhada em seu celular - Estudante de fotografia, acertei?
- Sim - eu sorri.
- Vi suas fotos de Paris com as meninas da clínica. Excelente trabalho, Giovanna!
- Você viu? - fiquei assustada - Sério? Pensei que as fotos fossem ficar apenas com o hospital.
- Como Tyra Banks era uma das pessoas envolvidas, tivemos acesso ao portofólio dos fotógrafos. Aidan e Bellatrix são velhos conhecidos nossos da Vogue, então já sabíamos que eles fariam um excelente trabalho. Nos animou saber que quatro estudantes do primeiro período da escola de Londres fizeram um trabalho tão bom quanto os veteranos - ela sorria, foi impossível eu não sorrir também.
- Obrigada - foi a única coisa que me veio em mente - Me desculpe perguntar, mas qual o seu nome?
- Oh, me desculpe! Sou Kirsty Williamson - ela me estendeu a mão - Redação Chefe da revista - puta merda!
- Nossa - acabei rindo de nervoso e apertando sua mão - É um prazer enorme te conhecer.
- O prazer é todo meu, acredite - ela agradeceu - Escuta, eu acho que te interrompi de estar indo a algum lugar, estou errada?
- Estava indo ao banheiro - respondi, mas agora não tinha vontade de fazer mais nada.
- Hm... - ela suspirou. Olhou pra mim e olhou para o banheiro - Sabe uma das coisas que eu mais reclamo com as modelos aqui? - Kirsty me perguntou e eu neguei com a cabeça - Curvas! Por Deus, o que uma mulher precisa fazer para ter curvas? Cintura, busto, quadril - ela ria - Adoro as brasileiras, elas possuem curvas. Você é brasileira, não é?
- So-sou - limpei a garganta. Eu estava dando na cara, assim? - Sou, sim.
- Percebi - ela riu - Nenhuma modelo de Vogue Britânica tem esse quadril. NENHUMA! Já sabe o que vai vestir no ensaio de hoje?
- Ainda não, eu nem sei da entrevista - sorri - Na verdade, eu... - cocei a cabeça. Por que eu deveria me abrir com ela? - A senhora não acha que eu estou um pouco cheinha para as roupas de hoje?
- Cheinha? - ela parecia ofendida - Querida, que manequim você usa? Trinta e oito?
- Quarenta - lamentei - Quadris largos - bati de leve nos meus quadris.
- Lindos, você quer dizer? Qual a graça de ser reta? Uma tábua?
- Eu entraria em qualquer roupa...
- E você não está vestindo uma roupa agora? - ela me olhou de cima a baixo - Por Deus, querida! Não se prenda a esses esteriótipos. Pensei que seu trabalho em Paris com as meninas do hospital seria de algum auxílio...
- E foi! - respondi - É que, chegando aqui e vendo as fotos nas revistas, eu... Como posso me explicar?
- É muito mais fácil vestir um cabide do que um corpo humano - Kirsty me respondeu, cruzando os braços - Como desenhar e desenvolver designs para corpos variados femininos? Com cada uma tendo um tamanho diferente? Tom de pele, quadril, coxa, nem vou começar a falar do tamanho dos bustos - ela sorriu - Desenha uma roupa que caiba em uma menina que não come nada, por mais que elas falem que comem de tudo, elas não comem, que não tem uma curvinha se quer no corpo e pronto! Modelos são como telas em branco, aceitam qualquer coisa porque são iguais a qualquer coisa. Mulheres de verdade, do dia a dia, não são assim, e nem precisam ser assim! - eu mantinha minha respiração pesada - Você é linda, desse jeitinho.
- Tá... - empurrei minha camiseta pra baixo, de alguma forma eu queria esconder o meu corpo.
- E pare de puxar essa camiseta - ela riu - Tem alguém entrando nesse corredor.

Não entendi o que ela disse, até olhar pra trás e ver Gustavo com uma cara um pouco brava, mas ao mesmo tempo aliviada. Eu fiz careta e depois me lembrei... Não tinha falado pra ele que ia ao banheiro. E, na verdade, nem era pra eu estar demorando tanto assim, meu tempo fora saiu um pouco do controle. Sorri pra ele meio com culpa e ouvi Kirsty ao meu lado soltar uma risadinha. Ia receber bronca dele na frente dela? Pelo amor de Deus, se controla, Torres.

- Interrompo? - ele perguntou, parando na minha frente com os braços cruzados e mordendo o lábio inferior.
- Não - respondi quase que num soluço - Eu estava, bom, eu ia...
- Por que não me avisou que ia sair? Na verdade, onde você tava indo ou onde você já foi?
- Me desculpe - Kirsty cortou o interrogatório, tendo agora a atenção de Gustavo e também a minha - Permita me apresentar, sou Kirsty Williamson, Redação Chefe da Revista Vogue - ela estendeu a mão para ele.
- Gustavo Torres - ele a cumprimentou de volta.
- É um grande prazer finalmente conhecê-lo - ela respondeu, e antes mesmo de Gustavo abrir a boca, Kirsty continuou - Perdoe-me por ter roubado a atenção de sua namorada por tanto tempo, Giovanna é, de verdade, uma menina encantadora.
- Hã... É sim, sim - ele coçou a nunca e me encarou - Vocês já se conheciam?
- Não, não. Ela me ajudou a sair do banheiro, eu estava gritando por ajuda há um bom tempo e ninguém ouvia, até que ela apareceu e simplesmente girou o trinco para o outro lado. O que não acontece numa hora de desespero? - ela sorriu para mim... O que estava acontecendo?
- Pedindo ajuda? Não ouvi nada.
- Você estava no telefone, lembra? - eu falei e Gustavo concordou.
- Se não fosse por ela, acho que ia estar trancada até agora. Mas, bom, foi um prazer finalmente conhecê-lo, Gustavo. Grande parte da nossa conversa foi sobre você.
- É mesmo? - ele sorriu de ladinho, agora ele parecia acreditar na conversa.
- Você tem uma namorada encantadora, parabéns.
- Obrigado - ele suspirou e sorriu - Na verdade, eu vim chamar a minha namorada encantadora para a entrevista, estão nos esperando.
- Já?
- Pois então, vão logo. Nos falamos depois, tudo bem? - ela me encarou.
- Claro, claro - preciso dizer que estava atordoada com essa conversa?

Me despedi de Kirsty e Gustavo me pegou pela cintura e fomos andando por um outro corredor. Antes de abrirmos a porta de vidro da Vogue que dava entrada aos escritórios, ele me parou e me deu um olhar meio suspeito. Percebi que ia falar alguma coisa, mas parece que se arrependeu do que tinha pensado e resolveu parar o pensamento no meio do caminho e não falar nada. Respirou fundo e se virou, aí foi a minha vez de puxá-lo.

- Hey!
- Eu ia te fazer uma pergunta, mas deixa quieto.
- Torres, sem essa! Que foi?
- Não foi nada, sério.
- Sem esse papo pra cima de mim, que você tá pensando?
- Gi... - ele colocou a mão em meus ombros - Você foi mesmo ajudar essa tal de Kirsty no banheiro? - SABIA!
- Como assim?
- Eu vi você dando uma olhada nas revistas e eu vi a sua cara - ele fez carinho em meu rosto - Não mente pra mim, você não levantou pra ir ajudar aquela senhora, levantou?
- Gustavo... - gemi e fiz careta, ele sorriu - Eu só, é que eu não ia... Na verdade, eu ia...
- Ok! - Gustavo sorriu e me beijou de leve - Mas você... Fez?
- NÃO! - eu gritei sem querer - Não fiz, na verdade eu encontrei a Kirsty no meio do caminho e acabei não fazendo.
- E se você não a encontrasse?
- Provavelmente eu ia - suspirei - Me desculpa.
- Não tem motivo pra você se desculpar, ok? - ele me abraçou e depois encostou a testa na minha - É difícil, ainda?
- Sempre é... - suspirei, roçando meu nariz no seu - Ainda mais nesse tipo de situação.
- Tá com fome?
- Sim, mas não quero comer - consegui dizer. Eu estava com fome - Eu não quero ficar estranha nas fotos.
- Então vamos fazer o seguinte? - ele me beijou de novo - Tem uma mesa cheia de frutas lá dentro que eu sei. Antes da entrevista vamos lá, te faço um prato com frutas leves e você come, pode ser? - Gustavo me olhou com tanta ternura e carinho que às vezes eu questionava se ele era real.
- Pode ser - respondi - Não tem problema comer durante a entrevista?
- Ah, se tiver, elas esperam você terminar - ele sorriu - O que importa é minha namorada não passando mal. Aí, sim, eles teriam um sério problema.
- Eu amo você - eu sorri.
- Também te amo - Gustavo piscou pra mim - Bem pouco, mas amo.
- Sei disso - e assim, nós atravessamos a porta de vidro da Teen Vogue Magazine.

Gustavo colocou em um prato uma porção de uvas, maçãs, morangos, dois pedaços de melão, um de mamão, não colocou bananas, kiwi, cereja, frutas secas e me trouxe um copo de suco de laranja sem açúcar. Eu já estava sentada de frente para duas jornalistas batendo um papo leve, esperando-o voltar. Quando ele voltou com tudo isso, as meninas ficaram boquiabertas. Primeiro que ele entrou sorrindo e piscando pra metade das meninas da sala e modelos, todas ficaram de queixo caído; segundo porque todo aquele mimo era pra mim, e quando ele se sentou ao meu lado e me beijou - ali na frente de todo mundo - as modelos ficaram mais abismadas ainda. Gustavo era, de verdade, o típico namorado fofo que todo mundo gostaria de ter. Só de ver a cara das jornalistas, eu já podia sentir que a entrevista seria, no mínimo, interessante.

- Bom - uma delas tossiu - Podemos começar, então?
- Claro - nós dois respondemos.
- Então vamos lá...

O prato com as frutas estava em cima da mesa, e eu não conseguia pensar em comê-las. Peguei a mão de Gustavo e a coloquei em meu colo, entrelaçando com força nossos dedos. Que a tortura comece... Nossa primeira entrevista como casal.

500 Days in LondonWhere stories live. Discover now