Prólogo

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A chuva atingia sua pele de forma agressiva, encharcando seu vestido e tornando-o absurdamente pesado. Ela segurava as saias para poder correr, mas seus sapados ficavam deslizando pela lama, o que tornava o simples ato muito dificultoso.

Um raio rasgou o céu, iluminando a floresta ao seu redor, fazendo com que as árvores parecessem sombras sinistras. Logo em seguida, um trovão soou, mais alto do que as batidas do coração da menina, assustando-a.

Eleanore VonBerge sempre foi ensinada a obedecer sem questionar, a fazer o que era esperado de uma mulher, a ser dócil, a abaixar a cabeça e cumprir com suas responsabilidades. Uma delas era se casar com um homem que não conhecia, que tinha praticamente o dobro de sua idade e que era muito rico, para que pudesse salvar seu pai da falência.

Seu pai tinha perdido quase toda sua fortuna por causa de seu problema recorrente com jogos e bebida e, por isso, submetera sua filha à um casamento arranjado, por dinheiro. Ele costumava lhe dizer que, já que teve o infortúnio de ter apenas uma filha, então, que ela lhe fosse útil, trazendo novamente a riqueza para sua família através de um casamento.

Sua mãe havia morrido quando ela era muito pequena, perecendo para uma doença horrível. Não tinha quase nenhuma lembrança dela, além de um colar e do que seu pai lhe contava, o que não costumava ser muita coisa, já que mal se falavam.

Morava em um grande casarão ao pé da montanha, oito quartos, empregados, um terreno extenso e bonito. Mas para Eleanore parecia mais uma prisão, longe de tudo e todos, de onde não podia sair, sem a companhia de sua enfadonha tia, irmã de seu pai, e sua detestável prima, cujo objetivo de vida sempre fora aporrinhar Eleanore.

A vida de Eleanore não era boa, não era feliz, ela não era amada verdadeiramente por ninguém e não haviam perspectivas otimistas para seu futuro. Estava desesperada e não queria se casar com um estranho. Na verdade, não queria mais aquela vida.

Aquela noite seria a sua última naquela casa, porque, depois disso, seu futuro marido viria para se casar com ela e, então, ela teria que partir com ele, para morar em sua casa, cuidar dela e lhe oferecer filhos. Não podia mais aguentar, não ia permitir. Não suportaria mais.

Então, naquela mesma noite, quando já era tarde e todos estavam dormindo, ela desceu as escadas de mansinho e saiu pela porta da frente. Pegou um cavalo e cavalgou velozmente sem rumo, sem sequer saber para onde ir, não tinha feito malas e, na verdade, isso não importava nenhum pouco.

Ela nunca tinha se sentido tão livre, cavalgando com os cabelos agitados pelo vento, feito uma bandeira de cachos ruivos acobreados. Eleanore soltou um grito, que preencheu o silêncio ao seu redor. E sorriu, pelo que parecia ser a primeira vez em anos.

Foi quando começou a chover. Uma repentina tempestade, carregada de raios e trovões. As gotas pesadas e gélidas, atingiam sua pele feito pedras, encharcando suas roupas em questão de segundos, esfriando seu corpo até a alma.

O cavalo acabou perdendo o equilíbrio, por causa de um declive e da lama escorregadia. Ele caiu pesadamente no chão, em cima da perna de Eleanore, que gritou de terror e dor. Eles deslizaram pela terra, que cedera ao enorme peso do animal, levando ambos até o riacho furioso, abastecido pela água da chuva.

Eleanore e o cavalo foram direto para as águas, ela tentou se agarrar desesperadamente na grama, mas estava muito lisa. O corcel se debatia, tentando se levantar, mas a terra não era firme o bastante. Com um esforço sobre-humano, ela conseguiu arrancar a perna de debaixo do cavalo, enfiou suas mãos na lama e se arrastou para fora daquele riacho, sentindo cada um de seus músculos latejando pelo esforço.

Ela se virou para o seu cavalo e agarrou suas rédeas, observando o animal tentar inutilmente se levantar, mas incapaz por causa da terra instável e da água do rio que empurrava o corcel fortemente. Eleanore cravou suas pernas na lama e puxou as rédeas, mas, no mesmo instante, soltou um grito de dor ao forçar sua perna ferida. Olhou para o cavalo, que ofegava desesperado, mas estava impotente, não tinha forças para salva-lo, mal tinha forças para se salvar.

O FeiticeiroWhere stories live. Discover now