· 59 · Reflexos, Estilhaços e a Voz da Verdade

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Uma fumegante xícara de café fora colocada sobre a mesa, liberando vapores que dissipavam e voltavam a se formar graças as lufadas de ar entrando pela janela. Atlas apressou-se em fechá-la quando notou que a garota tremia, embora fosse incapaz de decidir se deveria culpar o tempo frio, cuja névoa incessantemente pairava sobre os céus, ou o recente episódio na clareira.

Haviam acabado de retornar. Emily mostrava-se terrivelmente afetada pelo que fizera ao pobre animal indefeso. E embora tivesse os olhos fixos numa pontinha lascada da asa da xícara (como se julgasse-a por tal deformidade), o vazio presente nestes denunciava que à ela pouco importava o que houvera acontecido à louça.

– Não conseguirei fazer isso outra vez. Por favor, não insista. – ela disse depois de enfim bebericar o líquido. O gosto amargo descia pela garganta como uma navalha, arranhando-a lentamente. Ela não reclamou do sabor, mas achou prudente não tornar a beber outro gole.

– Entendo que esteja chateada, mas acontece que...

– Não, Atlas. Não estou nem um pouco interessada nos argumentos que preparou para tentar me persuadir dessa vez. Conheço sua mente ardilosa e sei o que pretende usar como desculpa. Poupe o discurso para outro dia. – ela levantou-se e empurrou a cadeira de volta ao lugar.

Emily deixou-o sozinho e retornou ao quarto. Era o único lugar que, naquele momento, parecia-lhe receptivo o suficiente para a tempestade de pensamentos que tanto incomodavam-na. Aliás, ultimamente vinha sendo perturbada por mais temores do que considerava ser capaz de suportar.

Em um dos cantos do quarto, Atlas havia colocado um espelho, agora coberto por uma fina camada de poeira. Anteriormente apoiado junto ao vaso de flores secas, quase caíra com o impacto da porta sendo fechada rudemente pela jovem. Emily apanhou-o com a intenção de reposicioná-lo no lugar que costumava ocupar, mas deteve-se ao, de relance, observar o próprio reflexo.

Limpou a superfície com a manga das vestes. Os olhos negros como duas pedras ônix eram pesados e tristonhos, naquela face cuja palidez da pele e lábios volta e meia costumava ceder lugar ao adorável rubor de sua inocência e juventude. Outrora, aquele aparência pertencera somente à ela, mas agora, lembravam-na daquela a quem mais odiava. Emily (ou seria Atria?) e Bellatrix compartilhavam semelhanças inegáveis.

A crueldade pulsante no sangue que corria por suas veias, o anseio pelo poder e vitória... Um monstro adormecido em suas entranhas que começava a despertar e preparava-se para saciar suas vontades. A frieza e desprezo que habitavam seu coração, a empatia, bondade e pureza que tornavam-se, pouco a pouco, meras casualidades... Achou que se transformaria por completo na mãe e não apenas num reflexo.

Em um acesso de raiva desencadeado por tais pensamentos, socou o espelho. Os fragmentos voaram pelo cômodo em todas as direções e ela caiu ao chão em lágrimas, a pele de seu braço agora cheia de cortes e sangue.

Atlas acampava na porta receoso, esperando por uma justificativa para que pudesse entrar e se desculpar. Ao escutar o som dos estilhaços do outro lado, sacou a varinha e adentrou o quarto num rompante, encontrando-a encolhida aos pés da cama com as mãos no rosto, chorando ensanguentada. Ele avançou na direção de Emily e abaixando-se, analisou o ferimento em choque, retendo as próprias lágrimas.

– Não... Não... – Atlas repetiu, buscando impedir que ela relutasse e fazendo-a olhar em seus olhos. O rosto da jovem tinha arranhões salpicados de vermelho escarlate. – Por quê, Atria?

– Você tinha toda razão, Atlas... Ninguém pode amar uma Lestrange. – a bruxa murmurou entre soluços aflitos.

– Você não é como ela! Nunca foi! – ele envolveu-a num abraço e acariciou seus cabelos. – Eu sou um idiota, Atria! Um estúpido, imaturo e tolo!

The Castle On The Hill | Fred WeasleyWhere stories live. Discover now