Viagem

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A fria garoa no meu rosto erra um balsamo depois de tantas horas enfurnada dentro de um ônibus, meu estomago já voltava a revirar só de pensar que tenho de enfrentar tudo aquilo de novo na voltar para casa. Eu passei a viagem inteira vomitando, eu já enjoo normalmente quando viajo de ônibus, mas nada que um Dramin não resolva, só que desta vez, não teve Dramin suficiente no mundo que me fizesse parar de vomitar.



Voltei para a área coberta onde o motorista do ônibus descarregava nossas bagagens e dei meu ticket para ele conferir, com a minha mala na mão caminhei em sentido a saída da rodoviária rezando para que o meu pai tivesse esquecido de vir me buscar.



- Princesa - é claro que não tive tanta sorte assim, meu pai acenava freneticamente ao lado do seu Opala marrom desbotado.



- Pai - o cumprimentei com um beijo no rosto e lhe entreguei minha mala.



- Você parece péssima, enjoo muito na viajem? - ele diz enquanto guarda minha bagagem.



- O Senhor não faz nem ideia! - eu disse ajeitando minha jaqueta propositalmente grande, eu não queria levar bronca logo de cara, então vesti uma jaqueta jeans bem larga para que ele não percebesse minha arredondada barriga até que eu a tirasse.



- Vamos, sua mãe fez cuca¹ para o café da manhã. - por mais que eu adorasse cuca, ou qualquer iguaria que minha mãe faz, só a ideia de ingerir qualquer coisa fez meu estomago se revirar e sem qualquer alternativa vomitei ali mesmo nos sapatos do meu pai.



Após algum tempo a náusea passou e meu pai tirou seu lenço do bolso para eu limpar minha boca. Nós entramos no carro e ele começou a dirigir, me perguntando a cada cinco segundos se eu estava bem, se eu queria que ele fosse mais rápido ou mais devagar, se eu queria que ele parasse para eu vomitar, eu apenas balançava minha cabeça respondendo-o



Assim que estacionamos na garagem dos meus pais, minha mãe saiu correndo de casa, meu pai sem demora começou o seu discurso sobre o que aconteceu na rodoviária distorcendo todas as possíveis razoes pelas quais eu estava me sentido mal.



- Essa menina deve ter pego alguma daquelas doenças esquisitas de cidade grande, a encontrei mais verde do que maça verde vomitando até as tripas, temos que ligar para o doutor João para ele vir examina-la - Doutor João foi meu pediatra quando eu era criança e antes disso foi o pediatra do meu pai e de todos os meus tios, ou seja, era o médico da família, apesar de não haver mais nenhuma criança nela, até agora.



Nesse interim minha mãe me abraçou, e bastou apenas isso para ela entender o que estava acontecendo, ela se afastou apenas um pouco olhou para mim e com um pesar voltou a me abraçar.



- Vem querida, vou te botar na cama e depois de um bom chá de camomila seu estomago vai estar novinho em folha - ela disse me arrastando para dentro de casa, em direção ao meu antigo quarto. - Olívio, - ela se dirigiu ao meu pai - vá tomar seu café da manhã e se a Aline não melhorar até a hora do almoço você pode leve-la no Pronto Socorro.



Me deitei na minha antiga cama de solteiro e fiquei observando as estrelas florescentes coladas no teto do meu quarto de criança enquanto esperava minha mãe retornar com o chá. Ela entrou em seguida e fechou a porta atrás de si.



- Está melhor? - ela me perguntou assim que eu bebi o chá, balancei a cabeça em resposta como quando era criança e tinha medo do castigo por ter aprontado uma travessura - então acho que você tem algo muito importante para me contar.



Minha mãe era uma pessoa muito simpática, sorridente, mas nesse momento ela estava severamente seria. Contei tudo para ela desde o meu rompimento com o "falecido", o descobrimento de que estava gravida, como ele reagiu a isso, e tudo referente ao pré-natal, menos o meu recente caso com o meu próprio médico, acho que é difícil falar para a própria mãe que você está transando com um cara gostoso, ainda mais se ele é seu médico e vocês não tem nenhum relacionamento definido além do médico/paciente.



- Esse tal de João é um idiota, quem ele pensa que é em deixar minha filha nesse estado - ela estava indignada - mas você também foi muito irresponsável, e se você tivesse pego uma doença grave, não que isso seja menos importante.



- Eu sei mãe, eu sei!



- Eu estou muito decepcionada com você, achei que era mais responsável do que isso Aline - as palavras dela faziam meu peito sangrar - mas o que está feito, feito está, então vamos ter de achar uma maneira de contar isso para o seu pai e fazer os arranjos para trazer suas coisas para casa.



- O que? - que arranjo, eu não ia voltar para a casa dos meu pais, de onde ela tinha tirado isso.



- Você não tem condições de criar essa criança sozinha em uma cidade grande, e Deus sabe que nessa hora toda ajuda é necessária. - ela respondeu.



- Eu não vou voltar a morar com vocês, sou perfeitamente capaz de criar meu filho sozinha - isso estava saindo pior do que eu imaginava, se minha mãe estava reagindo assim imagina o que meu pai iria fazer.



- Que história é essa de filho? - a voz do meu pai veio da porta.



Xi, lasco - pensei comigo mesma.







¹ Cuca ou cuca alemã é um pão doce com farofa doce em cima, tem uma variedade sabores e modo de preparo.

E Agora? - rascunhoWhere stories live. Discover now