Capítulo 1

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Na noite passada, tive o mesmo pesadelo de sempre:

Está chovendo, acordo no meio da noite e sinto que há algo de errado. Desço as escadas correndo, descalça. Saio na rua, um carro está parado bem no meio, com todas as portas abertas. Me encharco inteira, mas não ligo. Corro até o carro, uma mulher está estirada lá, há sangue por toda parte. Ela apenas diz: "cuide do meu bebê". Olho em volta e não há criança alguma. Digo a ela: "não consigo encontrar seu filho!". De repente, ela se transforma em um homem completamente vestido de preto, que agarra meu pulso e diz: "te achei".

Acordo suando, olho para o maldito relógio e fico com mais raiva ainda... Faltam cinco minutos para ele despertar, hora de ir à escola. Poderia voltar a dormir, mas perderia a hora, já que moro praticamente sozinha e não tem ninguém para me acordar.

Levanto, escovo os dentes, me jogo no chuveiro e visto qualquer coisa, já que não é obrigatório o uso de uniforme no colégio. Prendo meus cabelos pretos e lisos em um rabo de cavalo, desço as escadas e resolvo não tomar café da manhã. Enquanto espero, largada no sofá, o ônibus escolar buzinar, lembro-me do pesadelo.

O que significa sonhar com a mesma coisa há dez anos?! Provavelmente algum distúrbio mental!

Escuto a buzina e entro no ônibus, durmo até o colégio. Alguém me chacoalha, acordo e vou a caminho do matadouro, ou sala de aula, como as outras pessoas chamam. Então, encontro a Ana no caminho; percebo que meu dia começa a melhorar.

Minha melhor amiga é o que salva aquele lugar, estudamos juntas desde a terceira série, sabemos o que a outra está sentindo ou pensando apenas com o olhar. É como se houvesse um código secreto, uma coisa diferente entre nós duas, quando sonho com a Ana é por que ela precisa ou quer muito falar comigo.

Apesar de sermos de mundos diferentes, ela me entende – talvez não entenda – mas me aceita, o que já é uma grande coisa. Vivo em meu mundo, uma realidade paralela, e as pessoas não gostam muito de quem age assim. Não é que eu seja estranha ou pirada, mas sou um pouco mais tranquila do que o normal. Ana é pura animação, meio cabeça de vento; sempre a achei meio louca, mas a conheço o suficiente para saber que é uma das melhores pessoas do mundo.

Enquanto moro com meu pai em uma casa modesta, de madeira, em um dos bairros de classe média de Imperial, ela mora com os pais, sua irmã e seu cachorro em uma mansão num condomínio de luxo, onde só vivem magnatas. O mais importante de tudo isso é que ela nunca, jamais, me deixou na mão.

Já fazia uma semana que as aulas haviam começado e eu ainda não tinha conseguido me sintonizar com a nova turma, as matérias, os professores, e tudo aquilo me parecia muito chato.

– Acaiah, você notou os dois meninos novos da nossa sala? – Ana enfatizou bem o número, enquanto íamos para a aula.

– Não, Ana, nem reparei. O que têm eles?

– O que têm eles? O que têm eles? – ela me olhava com uma feição exageradamente indignada, que chegava a ser engraçada. – Oh meu Deus, de qual planeta você veio? Acaiah, você precisa se atualizar, amiga, você está no Ensino Médio. Homens, independentemente de serem bonitos ou feios, serão nossas pautas para conversas futuras...

– Nossa, já vi que você vai fazer monólogo – rimos juntas. – Digamos que este assunto não seja lá bem a minha especialidade, Ana.

– Será, amiga! Será! – se ela tinha razão eu não sabia, mas ter um namorado e ser uma garota normal não me deixaria nem um pouco triste.

O Último BeijoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora