Capítulo 23

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Entramos em seu Eclipse preto, coloquei o cinto de segurança e procurei não pensar em mais nada. Deixei os problemas do lado de fora do carro. Os minutos que se seguiram foram de silêncio completo; não fazia ideia de onde ele estava me levando e muito menos de como começar uma conversa.

Gabe ligou o rádio, conectou seu MP4 ao som, não acreditei no tipo de música que ele ouvia.

– Música clássica? Sério? – Gabe deu seu sorriso cínico que me deixava louca.

– Me faz relaxar!

– Olha só, nem suspeitava desse seu lado – eu disse.

– Não suspeitava que você fosse bem-humorada, veja estamos surpreendendo um ao outro!

– Muito engraçado, Gabe – eu disse, e começamos a sorrir. Estranho como todos os nossos problemas haviam desaparecido, pelo menos por hora. – Onde estamos indo, afinal?

– Surpresa – revirei os olhos, ficamos mais alguns minutos em silêncio, até Gabe passar por um outdoor que falava de vestibular. – Já pensou que faculdade quer cursar? – ele perguntou após acompanhar rapidamente meu olhar.

– Não! – era a mais pura verdade, ele pareceu não acreditar pelo seu olhar. – É sério, não sei. E você?

– É complicado.

– Me recuso a aceitar essa resposta, Gabriel De La Cour! – Ele pareceu ponderar antes de me responder. – O que você quer ser quando crescer? – perguntei o provocando.

– Médico. Gostaria de salvar as pessoas – seu rosto estava sério, indicando que Gabe não estava brincando.

– Não consigo imaginá-lo como médico. – visualizei Gabe andando pelos corredores de um hospital de jaleco branco, sendo cínico com os pacientes, e logo a imagem se desfez em minha cabeça.

– Não? Mas sou tão charmoso! – ele disse e fez uma cara de ator de novela mexicana.

– E presunçoso também! – comentei, rindo.

– Faz parte do meu charme! – nunca havíamos ficado assim, era como se, ali comigo, pela primeira vez Gabe fosse ele mesmo.

– E vai cursar Medicina, quando terminarmos o Ensino Médio?

– Não! – triste, era exatamente isso o que ele era. Embaixo de toda aquela presunção, orgulho, cinismo, ironia e todo resto escondia-se um menino triste.

– Pena, você seria um ótimo médico – disse pensativa.

Se me perguntassem isso uma hora atrás, eu diria que não. Gabe não servia para isso, mas sua dor por não poder exercer no futuro a profissão que queria era tão real que naquele momento aquilo parecia muito viável.

– Quem sabe um dia...

– Sim, quem sabe. – Olhei para fora, uma fina garoa caía, não tinha nenhum casaco comigo, me encolhi e esfreguei meus braços.

– Tenho um moletom ali atrás. – Gabe apontou com o polegar para trás.

Sorri para ele, tirei o cinto de segurança e me debrucei para trás. Alcancei seu moletom e algo caiu do bolso.

– Você carrega um espelho no bolso? – perguntei.

– Todos nós carregamos!

– Todos nós quem? – sua cara indicava que ele havia falado demais, vesti seu moletom e Gabe não disse mais nenhuma palavra. O clima no carro ficou tenso. – Estamos chegando? – desconversei, ele não me contaria nada mesmo.

O Último BeijoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora