Prólogo

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Somos todos irrecuperáveis. Tanto na dor, quanto no amor.

       Londres, dezembro de 1994

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       Londres, dezembro de 1994

     Que belo dia para estar morta.

     E que cidade mais triste esta, que eu enxergava através do vidro embaçado do veículo que me levava ao desconhecido. Que ar gélido. Perfurava meus pulmões e fazia-me pigarrear. Que motorista quieto! Não dizia nada. A chuva decorava a estrada, e o para-brisa as expulsava, para lá e para cá.

     Que carro barulhento. Caía aos pedaços. Seus rangidos metálicos incomodavam meus ouvidos.

     Minhas mãos estavam sujas. Repletas de sangue.

     O banco do carro estava todo manchado. O problema é que eu não sentia dor. Talvez o sangue fosse de outra pessoa, não sei. Não me recordo. Era como se metade de meu cérebro fosse consumido por uma névoa branca. Meus pensamentos não faziam muito sentido.

     — Para onde estamos indo? — perguntei ao motorista — Estou suja. Se puder parar em algum lugar para me limpar...

     — Assassinos não tem direito de questionar. Já estamos chegando — respondeu após fazer uma curva brusca para direita. Eu e minha mala fomos jogadas para o lado fazendo com que batesse em meu ombro, prensando-me.

     — Onde está a Luna? — arrisquei.

     — Luna? Seja quem for, deve estar morta também — caçoou ele.

     As pessoas lá fora passavam como borrões. Pareciam tristes com seus guarda-chuvas coloridos que davam um pouco de vida à cinzenta paisagem urbana. Logo a cidade se distanciou e caímos estrada adentro.

     Já escurecia.

     Fechei os olhos para descansar a mente. Ao abri-los, um raio de sol bateu em meu rosto. Estávamos muito longe dos prédios. O cenário era verde, repleto de montanhas ao fundo. Adiante, avistei um enorme portão de ferro com uma espécie de emblema no centro em forma de "A" e grandes espinhos na parte superior. Ele abriu-se automaticamente para nos dar passagem.

     O motorista diminuiu a velocidade.

     — Dizem que são torturadas, sabia? Como eu gostaria de ver essas crianças sofrendo — sorria, olhando em minha direção pelo retrovisor. Seus dentes eram podres e amarelados. Serviam como lar de bactérias perigosas e cáries alarmantes.

     Aprofundamos pelos jardins que passavam, com belas flores, de todas as cores e tamanhos. Em frente, uma enorme mansão, velha e cinza, com muitas janelas e uma porta espaçosa no centro. A construção possuía três andares e uma torre no meio.

     O carro parou naquele instante.

     — Vamos, saia — ordenou ele, acendendo um cigarro e ajeitando seu chapéu. Puxei a maçaneta da porta, e peguei minha pesada mala, arrastando-a até o chão. O gramado estava úmido devido ao clima. O céu continuava nublado, porém não chovia mais.

     — Vai me deixar aqui? Sem mais nem menos?

     — Só recebo ordens, pirralha. Vai ficar aqui, exatamente onde está e aguardar o que tiver de aguardar. Sem mais perguntas — murmurou o rapaz, jogando o cigarro pela metade no gramado. Olhei o carro se distanciar até perdê-lo de vista. Agora estava completamente sozinha.

     — Boa estadia! — gritou ele, já fora das instalações. Meu corpo estava fraco e minha visão embaçada. As coisas começaram a girar em minha volta. A quantos dias estava sem comer? Onde estaria minha família?

     Ajoelhei no chão, larguei a mala e cai de bruços na grama. Deitada, tinha a visão perfeita da mansão ao estilo vitoriana. Notei o portão principal do lugar se abrir e uma mulher ruiva, com vestes cor vinho, que flutuavam no ar vindo ao meu encontro. Não consegui ver seu rosto, apenas fechei os olhos e apaguei.

     Que excelente dia para estar morta.

     Que excelente dia para estar morta

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now