ATO 22

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No meu mundo as coisas funcionam assim: Nada funciona.

No meu mundo as coisas funcionam assim: Nada funciona

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— P-petúnia, eu... eu, me solta... — disse quase sem ar.

— Traiu minha confiança! — dizia furiosa, apertando seus dedos em minha jugular — Me dê um motivo para não matá-la agora!

— Eu... posso explicar... — Petúnia estava fora de si. Sua respiração ofegava, mas no fim me soltou. Caí no chão de quatro, com os olhos lacrimejando.

— Eu... não queria ter feito aquilo, mas fiquei assustada...

— Ficou assustada? E depois? Supriu a curiosidade? — continuava, parada em minha frente.

— Me desculpe. Não tenho nada a ver com sua vida, Petúnia. O foco não era esse.

— Sabe o que eu acho? Que você vai acabar se dando muito mal se continuar metendo o nariz onde não é chamada. Vai por mim garota, a curiosidade mata — ela deu uma pausa, e olhou para cima — Mas... tudo bem. Você agora sabe. Acho que depois de todo esse tempo, aquela desgraçada continua sendo a mais bonita.

— Sua mãe...?

— Sim. Ela queria uma garota perfeita. Mas não tanto quanto ela se achava — Petúnia estendeu as mãos para ajudar a levantar-me — Sempre fui uma aberração aos olhos dos outros. As crianças passavam por mim e jogavam óleo e farinha em meus cabelos depois que mamãe me dera eles.

"Me batiam no fim do expediente. Um daqueles monstros disse que eu ficaria melhor se estivesse morta, pois os Deuses não perdoavam gente do meu tipo. Demorei dias para limpar os cabelos novos. E então... eu me vinguei. De todos eles — Petúnia gesticulava as mãos como se estivesse apunhalando um ser invisível — Matei um por um, com o estilete que usava para repicar minhas roupas."

"Ainda lembro do rostinho apavorado que esbanjavam enquanto suas gargantinhas eram perfuradas... Fugi para casa antes de descobrirem o que fiz.  Passei o dia com mamãe, e no fim arranquei sua cabeça bonita. Espelho, espelho meu... — Em mais um gesto, Petúnia pegara de seu pequeno bolso um pedaço de espelho e arrumava sua franja. Lentamente, colocou a mão sob sua nuca e puxou uma camada de pele para cima, removendo todo o cabelo de sua cabeça. Era uma peruca — ...existe uma aberração mais bonita do que eu?"

Pude ver seu rosto por inteiro, pela primeira vez. Ela tinha cabelos curtos e loiros, e diversas cicatrizes pela testa.

— Pétrus, é como meu pai me chamava antes de ser assassinado. Engraçado, não é?

— Não vejo graça nenhuma, Petúnia.

— Eu vejo. Pois não fui eu que o matei, e nem mamãe.

— Quem foi?

— Ele morreu quando eu era bem pequena. Não sei muita coisa sobre. Mamãe raramente tocava nesse assunto. Não quero que tenha pena de mim.

— Não estou com pena. Esse diálogo todo foi para eu sentir pena? — Petúnia não respondeu — O que sinto por você, é admiração. Pode ter seus milhões de defeitos, mas sabe como conquistar as coisas, lidar com elas e ser a melhor no que faz. Conseguiu ser alfa, e ter autoridade. Mas prefere esconder o que tem de bom aí, nesse coração mole.

— Me poupe.

— Estou sendo sincera! Se essas coisas não são admiráveis em você, então o que mais seria?

— Não me importo de ser uma assassina. De sonhar com isso todas as noites, pois estou ciente do que sou. Nasci diferente e será esta identidade que levarei para meu túmulo.

— Não te acho diferente — insisti.

— Não?

— Te acho normal. Mas graças ao rotulo que colocaram em você de aberração, acabou achando ser diferente. Mas afirmo que você é um ser humano como todos os outros e te acho linda de qualquer jeito. Muito mais que sua mãe.

— Você... acha mesmo, pancada?

— Acho. Agora se eu fosse você, jogava essa cabeça fora.   Não precisa provar que é bonita tendo algo tão grotesco guardado consigo. Vira essa página, amiga.

— Temos que encontrar Lola...

— Sim, nós temos. Se ela é tão importante, vamos manter o foco nela. Sabe, eu quero muito sair daqui, e creio que você também.

— É óbvio que eu quero!

— Então sairemos juntas e levaremos todos que quiserem. Só precisamos ter paciência — ela me encarava com seus olhos verdes claros, expressivos, iguais aos de Patrick — Você me desculpa?

— Desculpo. Mas você mereceu o enforcamento, então não espere desculpas minhas — concluiu jogando o pedaço de vidro dentro do saco — Além do mais, eu fui hipócrita. Também já invadi os sonhos de alguém.

— Brok? — perguntei sabendo a resposta.

— Vi todos os acontecimentos. Desde o desaparecimento de Lola, até os desejos que tinham fora do orfanato. Eu sabia que não era totalmente culpa dele, mas...

— Mas você queria ferrá-lo mesmo assim.

— É, eu queria.

— Ciúmes não é o melhor dos caminhos. É como um feitiço rebelde, acaba sempre voltando para nós.

— Minha querida Pancada, não se preocupe, sou uma ótima feiticeira.

— Claro... — murmurei descontraída. Passei por Petúnia e andei pelo resto da sala. Inúmeras pilhas de tralhas jaziam por toda parte. Ao fim, avistei uma parede velha, gasta, com um desenho feito à mão em giz branco, de uma criatura cheia de dentes, onde em cima estava escrito: "O lobo que rasteja engolirá todas elas" Petúnia, ainda lá atrás, não parava de falar.

— E sabe o que mais, pancada? Eu não me arrependo de nada do que fiz, muito pelo contrário — ela parou um momento e me observou — O que está fazendo?

— Esse desenho me parece familiar, de algum lugar — Respondi passando a mão no giz gasto, que manchara meus dedos assim que os toquei. Petúnia se aproximou colocando sua peruca no lugar.

— Ah... Esses rabiscos horríveis... — dizia mudando o tom de voz — Antes que pergunte, eles representam os boatos do orfanato. Vi um desses em um canto do dormitório masculino também. Algum idiota que desenha muito mal está tirando uma com nossa cara.

— Brok me disse ter escutado o rugido de algum bicho quando Lola foi pega na escuridão...

— Sim. É por isso que os irrecuperáveis temem tanto desobedecerem às regras. Pensam que a tal criatura pode pegá-los também. Acho tudo isso uma lorota sem tamanho.

— Então...essa tal criatura é um lobo? — questionei.

— É o que dizem, mas você não está querendo acreditar que existe um lobo sequestrador de crianças, está?

— Na verdade, estou.

     — Na verdade, estou

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now