ATO 2

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O dia em que a maldade desaparecer, vai junto minha vontade de viver.

      — Doutor, os sonhos são necessário para que? — dei um último gole do café expresso e o arremessei ao lixo atrás de mim

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      — Doutor, os sonhos são necessário para que? — dei um último gole do café expresso e o arremessei ao lixo atrás de mim. Não acertei o alvo.

      — Eles são necessários para quebrar o discurso óbvio. O sonho é ultra egoísta. Somos sempre a figura principal. A fantasia diurna se aproxima do sonho. As pessoas são agressivas e eróticas. Eles são parecidos com devaneios, falam muito sobre nós, de um jeito que não somos capazes de falar. Inclusive, é como um filme que a gente cria dormindo. Poderíamos descobrir muitas coisas interessantes se observássemos mais.

      A velha mansão de concreto rústico, mais chamada de orfanato, era frio

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      A velha mansão de concreto rústico, mais chamada de orfanato, era frio. E este frio concentrava-se no patio principal, onde a maioria das crianças ficavam. Porque o calor das velas, as janelas pregadas e a presença humana não aqueciam o ambiente? Deixei de vislumbrar o local, quando por fim, uma das crianças veio em minha direção.

     — Quem é você? — questionou com a mão na cintura.

     — Sou a Pan, prazer.

     — Que nome estranho — disse a garota de cara feia. Era pálida, com cabelos longos, negros e de profundas olheiras — Quem você matou?

     — Ninguém — virei o rosto para desviar o assunto.

     — Eu também não, e olha que engraçado, estamos todos aqui! — debochava.

     — Quer, por favor, me deixar em paz? — fixei meus olhos nos dela intimidando-a.

     — Boa sorte, Pandora. Espero que saiba dançar assim de novo quando a noite chegar — e saiu, virando as costas, jogando os cabelos para o ar.

     As outras crianças me olhavam com uma expressão angustiada. Temiam falar comigo. Andavam para lá e para cá. Havia apenas um, que permanecia parado no mesmo lugar desde cedo. Só não estava mais solitário que eu, pois possuía um violino em mãos.

     Era um garoto.

     Sua careca chamava atenção, já que era o único ali sem cabelos. O pátio esvaziou, mas ele permanecia sentado. Sua cadeira era velha e gasta. Cheguei perto, de passos leves para não atrapalhá-lo, mas parou de tocar assim que me aproximei.

     — Tome cuidado com quem conversa, novata. As pessoas daqui são um tanto tóxicas — disse ele, começando a limpar o instrumento com a ponta de sua camiseta, sem olhar para mim.

     — Por isso está isolado das outras? — Perguntei curiosa enquanto o observava.

     — Mais ou menos isso.

     — Você já foi adotado alguma vez? — Seu violino caiu no chão, no instante em que terminei a pergunta.

     — Adotado? — quando o analisei mais de perto, vi que tinha os olhos brancos, totalmente cegos.

     — Sim, aqui é um orfanato — ironizei, ajudando-o a pegar o violino.

     — Nunca adotariam assassinos.

     — É mesmo? Quem você assassinou? — coloquei o instrumento em seu colo e parei em sua frente, esperando sua resposta. Logo ele parou, franziu a sobrancelha e voltara a limpar o instrumento.

     — Eu... não gosto de falar sobre isso — dizia apreensivo.

     — Entendo. Você não tem nenhum amigo por aqui?

     — Ninguém gosta de andar com um cego, nós damos muito trabalho.

     — Se é esta a ideia que os outros tem de você, então são mesmo tóxicos — mudei a expressão do rosto para mostrar minha indignação, mas esqueci que ele não podia me ver.

     — De noite temos que ir para o subsolo, onde ficam os quartos. Alguém já os mostrou para você? — perguntou desviando o assunto e parando sua limpeza. O garoto guardou o violino em uma caixa ao lado de sua cadeira.

     — Não. Ninguém foi muito receptivo.

     — Eles não gostaram do que te viram fazer com a Srta. Pompoo — sussurrou, se levantando e se aproximando.

     — Mas o que eu fiz? — sussurrei a pergunta também.

     — Você dançou com ela. Ninguém nunca dançou com ela! Mal chegou aqui e já está provocando murmúrios. Me diz, ela é incrível, não é? — perguntou, fixando seu globo ocular assustadoramente branco em mim.

     — Não sei. Você gosta dela? — esquivei.

     — Eu daria minha vida pela Srta. Pompoo! — seus olhos se arregalaram ao pronunciar o nome da diretora — Ela nos ama. Faz o possível para nosso bem-estar! Queria eu, ter dançado com ela! Infelizmente, Srta Pompoo jamais notaria minha presença — e suspirou desapontado.

     — Por que acha isso?

     — Porque eu sinto! Sou o Brok, e você? — o garoto estendeu o braço e esticou sua mão.

     — Ah... Pan — retribui o gesto apertando-a.

     — Que belo nome! Grato em conhecê-la. Venha, vou te levar aos dormitórios do subsolo. Por favor, peço paciência comigo — Brok apoiou sua mão direita em meu braço.

     — O acompanharei com todo prazer. E Brok, o som que dançávamos não era da vitrola, era o seu. O garoto parou e ficou imóvel por alguns minutos. Seu rosto petrificou.

     Eu não sabia em quem confiar, mas senti que naquele momento encontrei alguém com um espírito forte e bondoso, com sede de compartilhar e de aprender. Apesar das coisas estarem confusas em minha cabeça, me senti confortável.

     Brok era um cego que enxergava muito além do que enxergávamos.

     Brok era um cego que enxergava muito além do que enxergávamos

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now