ATO 35

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Amamos intensamente na primeira vez. Na segunda, apenas pensamos que amamos.

 Na segunda, apenas pensamos que amamos

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     Retornei a Londres.

     Desta vez estava no solo, em meio as ruas vazias. O tigre guaxinim permanecia ao meu lado.

     Os caminhos de constelações desapareceram dos céus. Um pouco à frente, a grande torre do relógio Big bem emitia uma forte luz. Escutei latidos ecoarem de algares.

     — LUNA! — gritei correndo em direção aos sons que se fortaleciam a cada passo.

     Em meio a tantas informações na disputa, me distrai do objetivo principal: Salvar minha cachorra.

     Ao que tudo indicava, estava no rumo certo.

     — Luna! Já estou indo, querida — subi em cima do tigre, que rasgava o ar por onde corria. Minha voz quase não saía devido a velocidade em que estávamos. A torre ficava do outro lado do lago. A ponte aproximava-se e os latidos aumentavam.

     E então, algo inesperado acontecera: Muitas rachaduras se formavam no chão em nossa volta. Ao passarmos pela ponte, ela também começara a rachar pelos cantos. Atrás, diversos prédios caíam lentamente, jogando entulhos e enormes pedras por todos os cantos.

     — VAMOS! NÃO PODEMOS PERDER AGORA! — encorajei o tigre. A vasta ponte de Londres era nossa única chance de alcançar o Big Ben, mas podia desabar a qualquer momento pelas lesões do terremoto.

     Grandes fendas abriam-se, mas o tigre era ágil e conseguia pular os buracos e desviar os obstáculos. O pior aconteceu quando o centro da ponte desmoronou rio abaixo. Não foi motivo suficiente para a criatura parar de correr, acelerando ainda mais. Segurei firme em sua pelagem ao perceber que ele tentaria pular para o outro lado.

     — É SUICÍDIO! — gritei, com os olhos semiabertos. Ele impulsionou o corpo para a frente e deu um enorme salto.

     Quando meus olhos registraram aquele momento, estava no ar, a muitos metros de altura. Abaixo, um imenso buraco com vista do rio Tamisa.

     "Não iremos sobreviver dessa vez". Pensei. 

     Em um gesto improvisado, o tigre empurrara sua coluna para frente, desgrudando meu corpo do dele e jogando-me adiante.

     Ele caía penhasco abaixo enquanto eu me distanciava. Naquele momento decisivo, a criatura se sacrificava para que eu continuasse o caminho. A parte em que havíamos passado também se desfazia junto com o resto da cidade atrás.

     Meu corpo estatelou no chão ao chegar do outro lado, rolando alguns centímetros e batendo forte as costas e a cabeça na quina de uma calçada.

     Ao me levantar, deparei com uma vista chocante da metade de Londres em ruínas. A luz do Big Ben continuava intensa ali perto, mas os latidos pararam. O céu permanecia estrelado, com alguns planetas de fundo.

     Não tive muito tempo, mas lamentei a perda do meu parceiro, que fora incrível nesta disputa do começo ao fim. Em comparação com a outra parte de Londres, aqui tudo continuava intacto.

     — Pan! — Patrick aparecera a poucos metros dali, segurando nos braços uma garota de cabelos curtos, desmaiada — A saída é no parlamento Britânico. Se for rápida, pode conseguir o segundo lugar!

     Sem respondê-lo, corri para o Big Ben, onde Luna estava. O parlamento era logo ao lado. De passos firmes, ofegante e com os músculos do corpo latejando, fui até a torre e entrei por um portão de bronze.

     Acima, uma extensa escadaria semelhante a que nos levava aos dormitórios. Seria uma longa caminhada até o topo.

     Os latidos voltaram a ecoar.

     — LUNA! JÁ ESTOU INDO!

     Luna era a única coisa fragmentada que me lembrava da terrível noite em que perdi meus pais. Mesmo incerta de quais daqueles sonhos eram reais, tinha certeza de que Luna estava lá e viu tudo acontecer.

     Apesar de meu passado nebuloso a as poucas lembranças de minha vida, sei que Luna sempre esteve comigo.

     Sinto falta de meus pais, mas não consigo sentir afeto por eles, como se tivessem arrancado este sentimento de mim. Meu coração estava partido, machucado.

     Parando para pensar, tudo foi tirado de mim tão rápido, que nem deu tempo de sentir todas as percas.

     — LUNA! — exclamei ao vê-la encolhida em um canto, após subir todos os degraus.

     A cachorra veio até mim agitada e feliz. Pulou em meu colo e a peguei. Sentei ali mesmo, segurando-a firme.

     — Não se preocupe amiguinha, ninguém vai te fazer mal. Vamos embora — a sala era grande. Nas quatro paredes tinham enormes relógios com ponteiros parados e um sino dourado no centro. Diversas engrenagens e cordas, junto de algumas máquinas no canto ornamentavam o lugar. Fui em direção a uma das paredes e vi através delas, Londres inteira. Luna silenciou e juntas descemos a enorme escadaria rumo ao parlamento britânico. 

     Na metade do caminho, um portal se abriu em minha frente, engolindo-me para dentro. Fechei os olhos devido a luz forte e quando visualizei o novo cenário, encontrava-me em um lugar embaçado, arrastando um cadáver. Não parecia eu. Parecia estar em outro corpo.

     Em seu ato seguinte, ele arrastara uma cama para o lado e quebrava o chão emadeirado com uma pá, totalmente descontrolado. Depois de ter causado um grande estrago ali, puxara o corpo e o jogara para dentro do buraco. Em seguida usara as madeiras soltas para tampar novamente o local.

     Uma luz invadiu o lugar.

     Eu havia voltado para as escadarias da torre. Luna ainda em meus braços.

     — O que foi isso...? — intrigada, mantive o foco continuando a descer. Chegando no térreo, empurrei o portão de ferro para fora e saímos. Me esbarrei em Dante que andava devagar perto da entrada.

     — Ei, calma, garota! — reclamou após o impacto.

    — Desculpe, preciso ir! — notei que Dante não tinha ninguém com ele. Pelo visto não conseguira salvar a pessoa destinada.

    Segui em frente.

    Segui em frente

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now