ATO 5

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Bem e mal nunca passaram de meras perspectivas.

     Lembrar é uma palavra complicada, de fato

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     Lembrar é uma palavra complicada, de fato. Sentir falta também. Hora ou outra me pego sentindo falta de coisas que eu não me recordo. Sinto falta de ter uma família, ou de ter um lar propriamente dito. Sinto falta da minha cachorra que sei que existe e seu nome é Luna. Talvez, Luna seja a única memoria que sobrou. Agora, não sei o que fazer primeiro. Lembrar ou sentir falta do incerto.

     — Você zomba das pessoas só para fazer piadas ruins?

     — Não são ruins! Olhe em volta, Pancada — exclamou Petúnia estendendo o braço para as demais crianças.

     O refeitório era bem espaçoso, havia grandes recipientes com comidas, onde todos enfileirados esperavam para serem servidos por uma mulher robusta, enorme dos lados. O lugar em si era mais claro que os demais. Havia duas grandes mesas retangulares longas que ficavam no centro.

     — Note o rosto dessas criaturinhas sem vida. Cujo único sentido de suas existências são quando estão sendo drenadas por fios que enfiam memórias bonitas em suas cabeças de bagre. Ao amanhecer, todas acordam novamente infelizes, esperando o ciclo vicioso retomar. Isso é ruim e não minhas piadas.

     — Você também passa por esse ciclo, Petúnia — afirmei observando a grande mulher mergulhar sua concha de madeira em um profundo balde e despejar um tipo de sopa cremosa e pastosa nos pratos das demais.

     — Não vai comer, mocinha? — uma voz surgiu atrás de mim.

     — Ah... eu estou sem fome.

     — Péssima ideia. Os novatos não se adaptam de primeira aos drenadores. Melhor se alimentar. A propósito, sou Rumpel, o zelador — sorriu gentilmente, com um semblante sereno, cabelos ruivos, curtos, bagunçados e uma barba malfeita.

     Ele vestia-se com roupas cinzas, desbotadas e possuía cicatrizes pelo corpo. Uma em especial em seu olho direito, que era cego. Apesar da expressão cansada e de seu desleixo, era um homem jovem e muito bonito. Tinha no máximo quarenta anos.

     — Está olhando para isto? — apontou as cicatrizes.

     — Não senhor, eu apenas...

     — Não se intimide, eu protejo essas instalações há muitos anos, também administro as regras do orfanato. Alguém já lhe explicou alguma delas?

     — Sim, claro. Não sair à noite, se comportar para ganhar recompensas e....

     — Sonhar — interrompeu ele.

     — Desculpe?

     — Pompoo me disse que você não tem sonhos. Aqui é importante que os tenha. Os resultados podem ser dolorosos se não tiver um — olhava atenciosamente para mim.

I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now