ATO 40 (Final)

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Corrompido pelo medo, e pelo abandono. Minha alma está cega.

BROK

    Mas que excelente dia para estar morta

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    Mas que excelente dia para estar morta.

     E que faces pálidas todos ali estavam. O suor transpassava por cada pele. As velas agitavam-se pelas paredes em uma sequencia aleatória. Que bela musica tocava na vitrola ao fundo, confortando nossos ouvidos, abafando os gritos de Petúnia, o sofrimento de Brok e até então a tensão de todos presentes. Que ar gélido. Fugia das frestas das tábuas pregadas nas janelas acima de nós, tábuas velhas, cansadas de estarem ali por tanto tempo e um vento novo, querendo fazer parte do recinto, do clima fúnebre, das palavras cuspidas desesperadamente, querendo ser ouvidas. E o silencio após isso, sorrateiro. Que semblante misterioso daquela mulher, que tanto queríamos decifrar, quando por fim ela soltou alguns dizeres.

     — Curioso. Muito curioso — Disse a diretora ajeitando seu brinco esquerdo em formato de lua minguante. Ela caminhou lentamente em direção a Petúnia. Os ecos surgiam a cada vez que seu salto alto pisava o chão do pátio — Desta vez a dissimulada é você? — Perguntou ela.

     — P-perdão diretora... mas... assassinaram minha amiga... Acabaram com tudo o que me restava... — Soluçava Petúnia com as mãos sobre o rosto.

     — Que tragédia. Venha cá minha querida — A garota parou de tremer e obedeceu Pompoo que estava de braços estendidos para ela.

     — M-me perdoe pelo transtorno... — Continuava a se desculpar.

     — Não, eu entendo. Sua amiga foi vitima de um assassino cruel — E naquele momento, com um rápido gesto, a mulher pegou os cabelos de Petúnia e os arrancou, puxando-os com força para cima. Sua peruca loira saíra por completo, como se uma parte dela fosse retirada junto. Na sequencia, Pompoo a empurrou fazendo-a cair de frente.

     — PETÚNIA! — Gritei lá do fundo, soltando a mão de Brok.

     — Não vejo motivo para esconder quem você realmente é. Olhe para seus colegas e veja, cada um deles, todos  assassinos cruéis. Não tem como acusar apenas um desse crime sujo —Petúnia não falara mais nada, ficara em choque, sem se mover de onde estava. A diretora erguera sua peruca na visão de todos — EU SACRIFIQUEI UMA VIDA INTEIRA PARA O BEM ESTAR DE VOCÊS, MESMO SENDO MONSTRUOSAS, MESMO SENDO ASSASSINAS, E É ISSO QUE ME DÃO EM TROCA? MATAM ENTRE SI, SEUS PRÓPRIOS COMPANHEIROS? QUEBRAM AS REGRAS, TRAEM MINHA TOTAL CONFIANÇA! Estou decepcionada — Seus olhos estavam arregalados, seu semblante furioso como nunca visto antes, uma mecha de seu cabelo alaranjado caíra sobre sua testa enquanto cuspia as palavras em alto e bom som. Rumpel e os demais funcionários nem se quer piscavam. Com a peruca ainda em mãos, Pompoo pegou um isqueiro entre seus seios e o acendeu, ateando fogo em toda a cabeleira.

     — NÃO! POR FAVOR! NÃO! — Implorava Petúnia, se arrastando até a diretora. Corri ao seu alcance e a levantei, afastando-a de Pompoo.

     — Deixe, não ligue para isso — Sussurrei a ela, mas Petúnia continuava descontrolada, aos berros, como se toda sua essência estivesse ali, sendo consumida pelas chamas.

     — Pandora — E o silêncio dominou novamente o lugar — Agora falo diretamente a você — Após o anuncio de meu nome, afastei Petúnia do local fazendo-a caminhar de volta para a entrada do subterrâneo e depois voltei a encarar a diretora.

     — Pode por favor caminhar comigo? — Perguntou ela, diminuindo seu tom de voz. Com uma expressão calma, virou as costas para todos ali e adentrou o corredor de onde saíra. Sem questionar a segui, de punhos fechados e dentes cerrados.

     — O que você fez com ela foi desumano! — Deixei escapar no momento em que as portas do pátio se fecharam atrás de nós.

     — Você acha?

     — Ela perdeu a melhor amiga e como consolo você a humilhou na frente de todo mundo! 

     — Não, Pandora. Eu apenas fiz o que tinha de ser feito — Andamos pelo vasto corredor, com os retratos sombrios das crianças em ambos os lados da parede encarando-me. O chão rangia e notei o velho carpete verde com algumas manchas escarlate. A iluminação do lugar era pouca, a sala de Pompoo ficava logo a frente — Você se adaptou rápido a meu orfanato. Fico feliz por ter conseguido projetar algum sonho. Não dava para ter pesadelos a vida toda, não é mesmo? 

     — O que quer de mim, Pompoo?

     — O que eu quero? O que você quer de mim? — Ela parou na metade do caminho e se virou — Pois graças a sua audácia, passou por cima de regras importantes, subiu para a superfície ao anoitecer com seus fieis amigos e machucaram o lobo de Rumpel que por nota mantém a segurança de todos aqui, depois invadiu a biblioteca sem ser de uma classe superior e como se não bastasse, roubou um mapa — Eu sentia minha velha camiseta úmida, de suor.

     — Eu só queria a verdade — respondi — Foi o único meio de chamar sua atenção! Tudo o que fiz foi para poder ter esta conversa com você e afirmar que estou aqui injustamente. Não matei ninguém, aquilo não passou de um acidente... — continuei, com um tom serio e decidido. 

     — Seus sonhos te castigam, garota. Sei muito bem o que fez.

     — Por favor, você tem que acreditar em mim, não quero ficar aqui!

     — Já basta. Seu lugar é aqui, sim! Pelo menos até atingir a maioridade. Agora, o motivo de eu ter lhe chamado, foi para pedir uma opinião — Paramos em frente a porta de sua sala. A mulher tirou as luvas de suas mãos e alavancou a maçaneta, abrindo a porta — Estou com uma cruel duvida. Acha mesmo que esse tom vermelho combina com minha parede de centro? — Perguntou ela, penetrando seu olhar em mim.

     — Eu não sei... porque está me perguntando isso?

     — Nunca fui de pintar minha sala, mas não acha essa cor maravilhosa? — Pompoo caminhou até o local da parede e a observou. Com seu dedo indicador deslizou entre a tintura fresca e a cheirou profundamente, de olhos fechados.

     Quando ela se abaixou para pegar algo ali perto, notei que atrás de seu vestido vinho, havia grandes manchas da mesma tinta, inclusive a poltrona, o tapete e em alguns dos quadros pendurados. No chão, alguns tufos de pelos brancos.

     Tudo estava uma completa bagunça.
Senti uma pontada no peito. Algo ruim e intenso. Uma mescla de sentimentos que não pude descrever ao certo. Meus olhos ainda focados na diretora.

     — Sua amiga Luna me ajudou, fornecendo essa cor tão viva. Espero que tenha gostado! — Pompoo se virou para mim, de olhar doentio e sorriso semiaberto, segurando nos braços, um animal morto, completamente ensanguentado.

     Naquela hora, o mundo se apagou em minha volta.

     Naquela hora, o mundo se apagou em minha volta

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now