ATO 25

7K 1.1K 334
                                    




Tem medo do escuro? Eu tenho medo de pessoas.

      As luzes dos postes acenderam-se automaticamente lá fora após o céu escurecer

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

As luzes dos postes acenderam-se automaticamente lá fora após o céu escurecer. O barulho de motores dos carros diminuiu. Alguns latidos e buzinas decoravam o ar naquela noite em Londres. Encontrava-me no endereço Dois, Vere Street, W Cinco, quase esquina com Oxford Street.

O escritório do Dr. Fenn parecia mais elegante à noite, já que seu belo lustre no centro nos dava o ar da graça.

— Como a sua solidão se comporta, Pandora? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com sua solidão? O que é que está fazendo com sua solidão? Quando você a lamenta, está dizendo que gostaria de se livrar dela, que é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. E se a chamarmos de amiga?

— Não sei se é uma boa amiga. Posso estar cansada dela. Sou uma pessoa muito solitária. Acho que todos naquele orfanato eram. Eles já sentiram a morte, o pecado, os traumas de perto. Não os culpo por se sentirem assim. Sem apoio, ou um amigo de verdade. Naquela batalha, lutávamos todos pelas mesmas coisas.

— E que coisas seriam? — perguntou, descansando seu bloco de anotações em sua mesa.

— Amor e liberdade.

     — Onde acham que Lola está? — soltou Brok ao ver o silencio enquanto subíamos a escadaria

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.




— Onde acham que Lola está? — soltou Brok ao ver o silencio enquanto subíamos a escadaria.

— Para ser sincera, abutre, creio que aquela louca deve estar perdida pelas masmorras, ou presa. Quer dizer, nunca fomos lá e é o único lugar que desconheço.

— É por isso que um mapa faz falta — me intrometi — Eu precisava muito vencer essas disputas, caso o contrário, nunca entrarei naquela maldita biblioteca.

— Mas Pan, Patrick agora é da classe Beta. Pode pedir a ele que pegue o mapa para você. É a irmã dele que está em jogo!

— É uma boa, Brok — os passos se apressaram quando vimos um pouco acima o grande portão que nos levava ao pátio principal.

— Chegamos — anunciou Petúnia.

Minhas vestes estavam úmidas de suor.

Fui a primeira a dar o empurro no portão, que rangeu grosseiramente, ecoando por todo pátio. Brok apertou meu braço. Adiante, nada mais que a escuridão. Petúnia segurava um dos castiçais de velas que pegara em uma das paredes da escadaria, iluminando alguns centímetros à frente. O lugar era muito mais tenebroso naquela hora da noite. A música que tocava na vitrola deixava o clima ainda pior.

— Eles não desligam essa porcaria nunca? — perguntei.

— Pelo visto não — respondeu Petúnia. O frio gélido percorria meu corpo, arrepiando da espinha dorsal aos pés.

Primeiro verificamos o pátio, mas nada além do piano empoeirado no canto e das demais coisas que ficavam por lá.

Andamos nas pontas dos pés, passando pelo refeitório.

Petúnia estendia seu braço para o alto, pegando o máximo de claridade que conseguia. Apesar da luz, ainda era difícil enxergar além.

— Brok, está tudo bem? — sussurrei.

— Não, mas é óbvio que não... — reclamou, afrouxando sua mão de meu braço.

Foi quando um barulho surgiu do refeitório, fazendo-nos virar para trás ao mesmo tempo. Miramos a entrada de lá. A iluminação tremia nas mãos de Petúnia. A vela se apagaria a qualquer momento.

— O-oque foi isso? — perguntei.

— É o que vamos descobrir — respondeu a garota, caminhando para o amago. Quando entramos, avistamos as três mesas no centro cobertas por toalhas brancas, e um pequeno castiçal de três pontas decorando cada uma. No lado, a enorme bancada onde ficava o balde de sopa que Dalva nos servia. Notamos uma porta no fim do cômodo que dava para a cozinha interna.

E novamente outro barulho.

Parecia vir exatamente dali. Barulho semelhante ao de talheres caindo no chão. Petúnia sempre em nossa frente para facilitar o caminho. Chegando perto da porta, paramos por alguns segundos e nos entreolhamos.

— Vou primeiro — afirmou empurrando a maçaneta para baixo.

Entramos.

Era a primeira vez em que via aquela parte do refeitório. Tudo era sujo, com uma pia enorme de pratos sem lavar, e colheres caídas no chão. Ao lado, duas estantes com portas transparentes, guardando mais pratos e copos de todos os tamanhos. O piso xadrez me dava tontura, ainda mais no escuro. E havia grandes caldeirões, sustentados por um fogão a lenha.

— Que lugar nojento... — reclamei, indignada ao pensar que comíamos naqueles pratos.

— Aquela gorda porca. Nem para manter isso aqui em ordem, consegue — dizia Petúnia tapando o nariz.

E o barulho surgiu de novo. Um dos pratos que estava na pilha de louças caiu no chão, estilhaçando-se. Brok deu um salto para trás quase me derrubando. Petúnia gritou ao ver um rato enorme saindo por de trás do amontoado de cerâmicas. Ele pulou até o chão e passou rápido por nós, desaparecendo no limbo.

— Então era esse o culpado. Pan, só me lembre de nunca mais comer a sopa desse orfanato.

— Morreríamos de fome se fizéssemos isso. Vamos sair daqui logo — disse Brok agoniado.

Saímos do refeitório, seguindo para as escadarias do segundo andar. Mas naquele instante, Brok parou, puxando-me para trás. Petúnia também se aquietou.

— O que foi, menino? — perguntou intrigada.

— Sinto alguma coisa ali... Pan... alguém parado em frente as escadas...

Paralisamos imediatamente.

A luz não chegava até o local para sabermos se aquilo era verdade. Encontrávamos no fim do pátio. Em nossa volta, um vasto negrume. Éramos um ponto de luz em meio a trevas e estávamos sendo engolidos por ela. Não sabia ao certo se nossa mente estava acrescentando mais pavor do que tínhamos, ou se realmente escutávamos fracos gemidos vindo de algum lugar no pátio.

— Ele... ele está se aproximando da gente... — Brok tremia, sua mão esmagava meu braço. Petúnia também havia pegado em minha mão e juntos, demos pequenos passos para trás. Que sensação horrível. Estávamos sendo observados por alguma coisa que não podíamos ver.

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.
I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now