O divisor de águas

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Os últimos dias foram de mistura de ansiedade e medo. Sim, João, no fundo é um cara que passou a experimentar medos. O principal, segundo ele fala para alguns poucos amigos, é ode errar. Não gosta disso. Se preocupa sempre em fazer o melhor de si. Mas, as coisas deste mundo começaram a mudar e ele não percebeu. Quando se deu conta já estava mergulhando de cabeça, no poço!

Tranquilamente tomou seu banho e lá foi ele para o encontro semanal. Tinha uma série de perguntas ainda não respondidas desde o primeiro encontro (vamos chamar assim). E estava disposto a fazê-las toda no curto espaço que nem dá para tomar um latão com calma!

Foi recebido efusivamente! E isto tem a explicação que no último encontro havia comentado que já havia experimentado duas outras vezes, com resultados um tanto quanto desapontadores. E ao sair, Jorge disse "até a próxima, se você voltar!".

E, ao chegar naquela casa que o assustou na primeira vez que a viu, já entrou mais tranquilo. Afinal já sabia como a coisa era.

Sentado na beira da cama, novamente colocou sua mochila estrategicamente ao seu lado, até para fugir mais rapidamente, se necessário.

Como no primeiro encontro muita coisa que ele achava que deveria ser dita e não foi, dessa vez, mais calmo perguntou como "a coisa" iria acontecer no decorrer dos encontros.

Um seco "você vai falando e eventualmente eu participo com alguma pergunta ou comentário; você é quem veio à procura de ajuda!". Oquei. Então, começamos do útero ou vamos de hoje até o útero? Você define o divisor.

Então vamos partir de um evento que realmente foi um marco na minha vida. Foi a reviravolta! E lá foi ele contar dos dias que passou entre a vida e a morte, quando foi salvo por um anjo enviado pelo Criador. Voltou um pouco antes para contar sobre o evento profissional que acabou culminando com a perda de uma parte considerável de seu coração. Hoje em dia, segundo ele, não pode mais amar ninguém 100%. Só sobraram 80% do coração. E, ainda por cima, com 3 remendos, dois dos quais foram feitos anos mais tarde.

Da montagem estratégica da operação, dos fatos relevantes que aconteceram e até do evento surreal de se esconder da polícia debaixo de uma mesa de escritório. Tudo resolvido da melhor forma possível, seguiu no evento até o final. Tudo encaixotado,voltou para sua cidade natal e ao seu trabalho diário.

Passado talvez uma semana, 10 dias, acordou nomeio da madrugada com uma série de sintomas que só muito tempo depois foi saber que eram característicos do infarto que sofreu: os dentes pareciam que sairiam da boca numa rajada semelhante a de uma metralhador, uma assustadora vontade de vomitar e só saia bílis, as pernas pareciam não suportar o peso do corpo, o frio intenso.Sentou-se na poltrona e começou a cantar "levanta, me serve um café, que o mundo acabou!"

Sua zelosa mulher pediu o número do telefone da médica da empresa e a acordou por volta das cinco da madrugada. Ela foi textual "leva para um pronto socorro porque a medicação que eu posso recomendar não vão aplicar: só em hospitais.

Chama táxi e lá foram eles dois. Ele mais calmo;ela, apavorada. Chegaram ao pronto atendimento e ele logo foi encaminhado para o médico. Lá dentro, contou ele depois, chegou outra pessoa que gritava que iria morrer. Então, ele, ainda que estivesse também na eminência de morrer falou para a médica que "se ela achasse que a outra estava pior, que fosse atendê-la primeiro". E meio exitante lá foi ela. Logo em seguida retorna,escreve alguma coisa num papel e chama o enfermeiro para colocar João numa das macas. Prescreveu algumas medicações e logo vieram seringas, copos com água e um sublingual.

Numa cena patética, segundo ele, a médica, comum pacote de biscoitos Fandangos lhe disse "o senhor esta infartando!" "Mas, mantenha a calma que já pedimos sua transferência para um hospital especializado."

Como ele deveria manter a tranquilidade diante do caos que se formou ali com dois infartados à beira da morte e precisando ser transferidos para onde pudessem ter atendimento especializado. E foram os dois. Não soube dizer quem foi primeiro.Só que o outro paciente morreu no dia seguinte.

Depois de chegar à UTI e de ser preparado para a aplicação da Estreptoquinase, estava ali, deitado, nu, com um lençol cobrindo-lhe parte do corpo e um saco plástico com seus pertences numa mesinha ao lado da cama. Tudo ligado (segundo ele,nada via pois os aparelhos ficavam atrás de sua cabeça, duas enfermeiras fizeram guarda de honra. Uma de cada lado da cama. E a estranha sensação de estar morrendo veio chegando aos poucos,sentindo a falta de calor subindo pelas pernas até próximo ao coração, momento em que o médico desligou o aparelho e acariciando seus pés deu a boa notícia: "Vencemos! Eu já estava preparando a serra para abrir teu peito!"

E ele pode dormir as próximas 3 noites sabendo que estava vivo. Mas sem que ninguém pudesse chegar lá para vê-lo.

Terapia - Muitas VidasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora