Uma ponte para o futuro II

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Hora de começar a cavar mais um buraco para outra sapata. Fiz as marcações possíveis porque o projeto não existia. Apenas foi estimulado ou fazia parte do tratamento que seguira. Para quem já lera o relato de um psicólogo num dos Campos de Concentração da II Guerra Mundial, isso parecia moleza mas depois de começar o primeiro buraco fiquei pensando no livro e acho que isso aqui será mais complicado. Mas vamos em frente.

Conversando com João ele lembrou que eu posso achar lembranças que ficaram ali no fundo para que fossem esquecidas mas também que poderia encontrar lembranças que apenas guardei para não esquecê-las no burburinho dos dias da vida ou dos escritos - tantos - que foram caindo dos meus bolsos. Eu tinha essa mania de escrever uma ideia num pedaço qualquer de papel e enfiar num dos bolsos das roupas.

Então peguei a pá e o balde guardados desde finalizado o primeiro buraco e comecei a nova etapa.

No começo só vinha terra e pedra. Às vezes uma minhoca assustada saia se rebolando em busca de novo esconderijo ou uma dessas baratinhas que vivem procurando alimentos decompostas nas terras. Nada de aparecer o que deveria ser o propósito desta ponte. Depois de cavar um bom bocado, e já suado, parei para beber água e respirar o ventinho gostoso que soprava por ali.

Voltei a cavucar. Vi um sininho de ouro desses que as meninas usavam em cordões de ouro na época em que podiam andar com eles sem medo de um bebedor inverterado de cerveja viesse retirá-lo de seu pescoço para trocar por cervejas. O caminhar dela pelo corredor da faculdade já  dizia para aqueles que a esperavam sua chegada sempre depois da aula terminada. Ah, também andava de tamanco do Dr Scholl , muito na moda naquela época. Todos paravam para ver a entrada triunfal daquela linda menina com um belo sorriso até que se sentasse e o professor continuasse.

Pedi ao João para guardar junto das boas lembranças encontradas no outro buraco.

E pá após pá apareceram lembranças de outros acontecimento. Estes pedi para João sumir com eles. Foram bons, até mas efêmeros. Ou como dizia o poetinha Vinícius, "eternos enquanto duraram".

Ainda precisava cavar mais segundo a comparação com o buraco anterior. Aí, encontrei uma foto que tirei para a carteirinha do Grêmio do Pedro II (Internato) onde cursei o ginásio. Sentei no fundo do buraco para assistir o documentário que aquela foto tinha gravado. E uma, teria sido cômica se não tivesse sido trágica e relembrada pelos colegas durante toda a semana.

Entrei para o internato no ano em que pegou fogo o prédio original, da época que o então menino Pedro de Alcântara (Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga) estudara. Por conta disso, algumas mudanças operacionais precisaram ser feitas porque nem todos os prédios que existem lá estavam prontos. E os alunos que entravam no 1° ano tinham uma proteção especial por conta dos trotes aplicados pelos veteranos.

A gente entrava segunda feira pela manhã e ia para o dormitório trocar o uniforme de andar na rua pelo de usar lá. Nisso dormitório era no prédio que pegou fogo. Conseguiram montar nossos dormitórios em alguma salas remanescentes.

E a cena dantesca foi uma diarréia impossível de segurar tão grande era o caminho entre a portaria (perto do atual Teatro até o outro lado do terreno, ao lado da atual piscina). O rastro mostrava meu caminho naquela corrida desengonçada até chegar ao dormitório. Entrei direto no chuveiro. Lavei (?) a calça, cueca,  camisa, meias e sapatos. Depois tomei meu banho pendurei a camisa e a cueca pendurei num num cabide. Deixei o resto enrolado no box do chuveiro até que o inspetor arranjasse um saco para embrulhar. Coloquei a roupa de guerra. E seguimos para nossa sala para aguardarmos a hora do almoço.

O Inspetor contou o que aconteceu ao Chefe de Disciplina, que me chamou à sala dele e ele ligou para meu pai onde contei tudo.

E lá foi meu pai e minha mãe arrumar um novo uniforme "de saída". E foi levar para mim.

Saudade de ti, meu pai, mesmo sabendo que olhas para mim onde quer que estejas.

Parei de cavar nesse ponto. Era impossível prosseguir porque suor e lágrimas caíam pelo meu rosto.

Como eu fui achar isso dra Juliana?

Terapia - Muitas VidasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora