PRÓLOGO

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- Não, Teddy. Eu não a conheço, nem você. Ela não pode brincar com a gente.

Kat ficou parada com seus olhos fixos no ursinho de pelúcia sentado na cadeira a sua frente. A mesa do chá tremia com as mãos de Kat, nervosa. O rosto rechonchudo do urso meneava de um lado ao outro, com a intensa movimentação da menina, parecendo interessado no que ouvia.

- Eu sei que ela está chorando, Teddy. Mas ela não é minha amiga. - a garotinha de nove anos se levantou e correu até a porta. Apoiou as mãos na lateral da porta e colocou cautelosamente a cabeça para fora do cômodo. Ficou observando a imagem no final do corredor iluminada precariamente pela luz da televisão que vinha do quarto de sua mãe logo ao lado. Sentia-se vigiada pela criatura mesmo sem detectar seus olhos. - Ela parece triste. Acho que ela poderia brincar com a gente. - hesitou um pouco. Seu corpo se arrepiou por completo como se um vento frio contornasse cada pedaço da superfície de sua pele sob o pijama largo. Suspirou profundamente refletindo. - Mas eu não sei. Eu estou com medo. Ninguém conhece ela. – mantinha-se observando, no entanto nada se movia. Nada mudava no final do corredor. Nem mesmo uma mosca ousava voar no corredor perante a presença daquele ser misterioso. - Como ela entrou aqui? Teddy, eu estou com muito medo!

A imagem ficava intacta. Kat virou o rosto para o urso e voltou a passos desajeitados para perto dele. Sentou-se em sua cadeira tomando cuidado para não fazer alarde. Ficou um tempo calada esperando uma reação do brinquedo. Seu corpo agora não se mexia, mas Kat estava mais atenta a ele.

A mente da pequena viu a boca do boneco se mexer e interpretou sons emitidos por ele. Fruto de sua imaginação ou realidade? Ela não sabia, porém acreditava no que seus olhos e ouvidos captavam. Afinal Kat era apenas uma criança. Uma pura e inocente criança de nove anos.

- Acho melhor a gente perguntar primeiro para a Dolly o que ela acha. Ela não ia ficar feliz se alguém sentasse à mesa sem ela saber. - fez uma pausa para fazer sentir a saudade de sua boneca. - Amanhã ela volta e a gente pergunta, tudo bem?

Kat pegou o urso no colo e o abraçou fortemente com os dois braços completamente envoltos nele, sentindo-se reconfortada com o leve roçar dos pelos marrons escuros em sua pele. Teddy não era muito grande, contudo era extremamente rechonchudo e macio. Kat balançava-o de maneira bem lenta, se sentindo mais segura. O toque dos pelos finos de Teddy sempre confortaram a menina da mesma maneira. Desde que ela se entendia por gente, era a mesma maciez que tirava dela toda a preocupação do mundo. 

- Filha... Com quem você está falando? - Sarah, em seu quarto, deitada na cama, ouvia a conversa de Kat com seu brinquedo. A televisão ligada estava no mudo e as imagens que essa transmitiam eram totalmente ignoradas pela mãe de Kat. Seus ouvidos estavam atentos na conversa de sua filha com seus brinquedos em seu quarto. - Já está tarde, é melhor ir dormir.

- Ah não, mamãe, deixa a gente só terminar a conversa. - colocou o brinquedo novamente em sua cadeira, trocando novamente olhares. - Estou conversando com o Teddy sobre um assunto muito sério!

A garotinha gritou, cortando o silêncio frágil da noite, de maneira carinhosa, tentando convencer a mãe. Nem sequer se deu conta de que a criatura no final do corredor ouvia a conversa das duas. Não se preocupou se seus gritos iriam acordar a avó que dormia profundamente no quarto de frente para o de Sarah. Falava naturalmente. A única coisa que se importava era seus pedidos chegarem aos ouvidos de sua mãe.

Antes que a outra pudesse lhe dar uma resposta, um tilintar de xícaras suavemente ecoou pelos cômodos em conjunto aos risos discretos de Sarah.

- Tudo bem, terminem a conversa. - um sorriso discreto fixa-se na face de Sarah. - E sobre o que vocês estão falando?

- Sobre a garota no final do corredor. Acho que ela quer brincar de comidinha conosco. - inocentemente responde, sem prestar atenção no que falava. A criatura se mantinha atenta ao que a pequena falava, sempre imparcial ao que ouvia. Apenas absorvendo tudo que possível.

A mãe riu da imaginação da filha. Saciava-se com as diversas imagens que a mente dela criava para ocupar o espaço que a falta da escola lhe fazia.

Cada dia uma coisa diferente.

- E por que você acha isso, querida?

- Porque ela tem uma faca na mão. E nós não temos faca.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now