CAPÍTULO 7

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- Boa noite, amor da minha vida! - Sarah deu um beijo na testa da filha e levou o cobertor até o pescoço dela como fazia todas as noites. Não importa se o clima pedia aquela atitude ou não, Sarah sempre colocava o cobertor até a altura do pescoço da filha para que essa não sentisse frio. Talvez, inevitavelmente, o subconsciente da mãe de Kat apenas buscasse proteger a filha dos perigos que a noite esconde.

- Boa noite, mamãe! - Kat se ajeitou na cama, sob o cobertor macio, acomodando a cabeça no travesseiro. Aquela noite estava um pouco fria, portanto a menina não precisaria se descobrir quando a mãe deixasse-a sozinha no quarto.

Sarah caminhou até a porta e parou virando-se para a cama. O rosto redondo de Kat espremido contra o travesseiro era lindo. Fazia-a parecer mais nova do que já aparentava ser.

- Posso apagar? - perguntou com a mão no interruptor. Kat remexeu-se na cama, agitando o cobertor, e em seguida concordou com um balançar ligeiro de cabeça.

- Dorme bem... - falou ao sair do quarto, deixando Kat sozinha em meio ao breu.

- Você também. - o tom de voz da pequena era inaudível.

A garotinha na cama não se mexeu até ter certeza de que a mãe não estava por perto. Esperou que o calcar dos chinelos de Sarah ficasse inaudível para poder realizar qualquer movimento. Ela não estava cansada, e não queria dormir tão cedo. Entrou debaixo das cobertas e pegou Dolly que estava lá escondida para que Sarah não visse.

A mãe de Kat a proibira de dormir com seus brinquedos quando ela completara sete anos, no entanto a menina não obedecia. Sentia-se desconfortável sozinha, com medo do que a noite deixava sorrateiro. Ela olhava para as sombras do lado de fora da janela e não conseguia interpretar nitidamente o que eram. Olhava para a porta entreaberta que dava para o corredor e não compreendia as silhuetas que ali se delimitavam. O pior de tudo não eram esses lugares, mas sim o canto mais escuro de seu quarto, onde as sombras que se espreitavam ali não possuíam contornos.

Inúmeras vezes, Kat vira uma criatura horrenda de três cabeças e diversos olhos a espiando, aguardando o momento certo para avançar sobre ela. Jurava que conseguia enxergar as esferas brancas a encarando fixamente. Outras noites quem se escondia ali era um lobo de pelos negros e dentes mais pretos ainda. A boca escancarada virada para ela esperava o menor movimento do cobertor para pular em cima de Kat e transformar ela em pedaços cada vez menores. Sem contar as outras noites em que criaturas diferentes apareciam e iam embora.

Quando o medo aflorava em sua pele e a impedia de dormir, Kat, em movimentos cautelosos, abraçava seus brinquedos, aproximando-os de seu corpo para protegê-la de qualquer sombra que pudesse a fazer mal. Naquela noite, sua guardiã era apenas sua boneca de pano.

- Ah, Dolly! Que saudades! – apertou-a de maneira extremamente forte, reconfortando-se.

- Também estava, Kat. - disse a boneca quase sem voz.

Afastou-a um pouco de seu corpo para poder enxergar os olhos de botões dessa. 

- Cadê o Teddy?

- Ele não vai dormir com a gente hoje. Falei com ele que estava com muitas saudades de dormir contigo. Ele aceitou rapidinho. - Kat falou sorrindo e abraçou-a novamente. A saudades que sentia era extremamente sincera.

Ficava triste quando Teddy e Dolly tinham que ser lavados, porém, de tanto brincar com eles, a cada semana um deles tinha que passar dois dias na lavanderia. Eram seus brinquedos preferidos e mais antigos também. Ganhara Dolly em seu aniversário de dois anos, e ganhara Teddy quase junto ao seu parto. Desde, então, nunca os largara. Recebera diversos outros brinquedos, mas nunca deu atenção a esses como dava para seu urso e sua boneca.

Um vento entrou debaixo das cobertas sorrateiramente e fez as duas se arrepiarem, cortando o abraço entre elas. Estremeceram juntas e Kat ajeitou a coberta debaixo de seus pés.

- Teddy feche as janelas. - a garota sussurrava para sua mãe não ouvir.

O vento passou novamente por elas, trazendo o mesmo resultado.

- Teddy!

Kat tirou sua cabeça do cobertor e seus olhos foram diretos para a janela. Fechada. De onde viera aquele vento? Kat não sabia e seus pelos, já arrepiados, ficaram mais eriçados ainda. Voltou a atenção imediatamente para o corredor. Ouvia vozes sussurrantes vindas naquela direção. A imagem de três duendes verdes surgiu na cabeça de Kat. Eles estavam ali no corredor para roubar seus brinquedos e tramavam um plano para isso.

Kat tinha medo dessas criaturas desde que Sarah lera um livro para ela em que eles apareciam. Ela não se recordava da história, apenas da sensação de medo que aqueles seres orelhudos transmitiram a ela. Recolheu-se ainda mais, deixando seu corpo contraído debaixo da coberta. Naquele momento ela parecia seu único refúgio.

- Dolly... Você também está ouvindo? - os olhos de Kat estavam arregalados. Não conseguia ver quase nada na escuridão. O cômodo era apenas iluminado pela fraca luz que entrava pela janela, e as sombras horripilantes eram sua única criação.

- Ouvindo o... - Dolly virou o rosto para o corredor antes mesmo que pudesse completar a frase. Acabara de se dar conta do que Kat perguntara.

Um grito agonizante vinha junto a passos apressados pelo corredor. Em um berro único, a letra "A" era perpetuada incessantemente. O Efeito Doppler acompanhou a fonte do barulho ensurdecedor fazendo-o se tornar mais agudo ao aproximar do quarto de Kat e em seguida grave ao passar por esse. A menina não sabia verbalizar o que seus ouvidos captaram, apenas sentia, aumentando sua onda de medo.

A boneca pôs-se a gritar aterrorizada. Kat tampou rapidamente a boca de Dolly. Ela não podia fazer barulho. Os duendes poderiam encontrá-la. Mas naquele momento ela já não pensava mais em criaturas verdes. As sombras dos duendes haviam desaparecido e dado espaço a uma silhueta nova. Kat estava ficando preocupada.

- O que foi isso, Kat? - Dolly perguntou e tampou o ouvido ao ouvir um estrondo batendo no chão, como uma granada explodindo bem na sala daquela casa, mas sem produzir o clarão. Kat queria apenas o clarão para enxergar direito.

- Eu não sei... - a respiração da menina era ofegante. Seu corpo tremia. Suas mãos gelaram por completo. Mordeu o lábio bem forte e tirou a coberta. Conhecia aquela voz. Não queria, porém conhecia.

Pôs ambos os pés no chão cautelosamente. O silêncio que tomara novamente a casa após o grito era mais assustador do que tudo. Era como se a granada do estrondo tivesse destruído qualquer resquício de vida naquele lugar, e Kat fosse apenas um espírito perambulando sem ter consciência de sua morte. A sua respiração pesada era a única coisa que se ouvia, e a única prova de que ainda estava viva. Delimitada, marcando o tempo e seus passos. Chegou à porta e olhou para o final do corredor. O quadro ainda estava lá. A pintura não era nítida. Diversos borrões de diferentes tons de preto. Kat aproximou-se, então, da escada.

Dessa vez o grito fora inevitável. Gritava com o ar em seus pulmões saindo desesperadamente. Seu coração batia em um ritmo descomunal. Sentia o sangue gelar por todo seu corpo. Lágrimas começaram a jorrar.

- Mamãe! Mamãe! Mamãe! - gritava desesperadamente.

Silêncio a acolhera como resposta. De repente, uma mão tocou seu ombro, apertando-o fortemente. Eram dedos largos e finos. Seu corpo parou. Rejeitava a virar para ver quem era, nem mesmo conseguiria fazê-lo caso quisesse. Seus membros não obedeciam mais a seu cérebro. Os olhos arregalados para os pés da escada permaneceram estagnados.

- O que foi, filha? - a voz de Sarah estava completamente assustada atrás dela.

Kat se virou rapidamente, retomando controle de seu corpo, e agarrou as pernas da mãe. Sarah sentiu o desespero e medo da garota ao sentir as lágrimas que molhavam seu pijama. Suas pernas tremiam junto ao estímulo de sua filha presa a suas pernas. Kat desejava muito ver um duende verde lá embaixo no lugar do borrão vermelho.

- Mel... Mamãe... Mel... Ah... Mel... - falava baixo, o mais alto que conseguia.

Sarah olhou para os pés da escada. Havia ali um corpo caído. Sangue molhava toda sua roupa. Uma faca cruzando o corpo saía pelas costas. Apenas uma garota.

Mel!

Vamos Brincar, Kat?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora