CAPÍTULO 1

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- Mãe. Escuta! Eu estou falando sério. Ela está passando dos limites. – Sarah falava desesperadamente para sua mãe na cozinha. Elas haviam acabado de acordar e preparavam o café da manhã. Kat ainda dormia em seu quarto.

- Sarah, querida... Acalme-se ela é apenas uma criança. Além disso, isso é culpa sua. Ela não vai à escola. Vive sozinha. Cria amigos em sua mente para ocupar esse espaço. Amigos imaginários, Sarah. – Dona Célia lavava algumas panelas na pia. Seu olhar, voltado para fora da janela a sua frente, não prestava atenção no que passava sob seus olhos. Um calafrio percorreu ligeiramente a espinha, mas forçou uma naturalidade aparente.

- Ela não tem condições de ir a uma escola. Mais quantas vezes vou ter que te dizer isso? Ela, infelizmente, é esquizofrênica, mãe. – cerrou o punho, tentando se punir, pela culpa que sentia sobre a doença da filha. - Sabe-se lá, o que ela pode ver, ou ouvir na escola. Pode nunca mais querer sair de casa... - suspirou. - É melhor ela ficar aqui, quieta com seus brinquedos, até quando for necessário. Ela precisa de um tempo para viver em seu próprio mundo. Quando realmente for preciso ela vai estudar em uma escola. - Sarah parou o que fazia e virou para a mãe. Sentou-se na cadeira, cansada. - Não dormi nada essa noite. Fiquei pensando no que ela me disse. Isso não é normal para uma criança da idade dela.

- Explique de novo o que ela falou. Você deve ter entendido errado, querida. Talvez tenha confundido com outra coisa... – a respiração das duas cessou no mesmo instante, e logo em seguida retornou. Compartilhavam a mesma sensação.

Dona Célia parou, secando as mãos em seu avental, e se sentou à mesa junto de Sarah. Pôs a mão sobre a da filha para acalmá-la e reforçou:

– Então, minha filha, como foi que ela disse?

Sarah com a respiração um pouco ofegante disse novamente tudo o que ouvira da voz de Kat. A conversa dela com o ursinho de pelúcia e a garota no final do corredor com a faca na mão.

- Mãe, agora me diz: Que criança imagina uma garota com uma faca? Isso não deve ter saído do nada da mente dela. - Sarah apertou a mão de sua mãe. – Você sabe o que mais me preocupa...

Dona Célia suspirou, evidenciando que sabia exatamente o que preocupava a filha, e se levantou da mesa. Não queria admitir que seus pensamentos a levavam na direção certa. Não queria saber o porquê daquilo estar acontecendo.

- Vá acordar Kat. Deixe que eu termino aqui. – cortou a conversa para que a preocupação parasse de lhe incomodar.

- Vou lá, então. – Sarah assentiu ao sentir a tensão de Dona Célia. Limpou a mão em um pano de prato e pôs-se a subir para o segundo andar.

Saindo da cozinha, passou pela sala dividida em duas por uma escada, que começava na parede oposta a da porta principal. Os degraus davam diretamente para o corredor no andar de cima, onde ficavam os três quartos e o banheiro. Sarah ficou um tempo parada, absorvendo aquele "final do corredor", no qual não havia nada, além do quadro pendurado na última parede. A paisagem bucólica contrastava com a criatura que ontem estava ali parada.

Esqueceu o que acontecera na noite anterior e foi ao quarto de Kat com passos cautelosos e inaudíveis. Parou à frente da porta e ficou ouvindo o que ela dizia.

- É hoje, Teddy. A Dolly vai tomar chá hoje de novo. Você também está com saudades dela? - fez uma longa pausa, como se ouvisse a resposta do urso. - Ta bom, vamos perguntar pra ela o que ela acha da nova amiguinha.

Sarah girou a maçaneta para entrar no quarto e viu a filha sentada na cama com o urso no colo. A face de Kat virou no mesmo instante para a porta. Seus olhos brilharam ao ver a mãe.

- Cadê a melhor filha do mundo? - Sarah entrou com um enorme sorriso no rosto.

- Mamãe! - largou Teddy na cama e abriu os braços enquanto ficava de pé.

Sarah a abraçou bem forte. Pegou a filha no colo e a pôs sentada em suas pernas. Kat não era pesada, sua estatura baixa para a idade e o corpo magro não dificultavam para que Sarah ainda a carregasse de um lado ao outro da casa quando brincavam. Apreciou minuciosamente o rosto da filha, como nunca se cansava de fazer. Os cabelos loiros lisos na altura do ombro faziam o rosto de Kat parecer mais arredondado. A pele branca contrastava marcantemente com os olhos negros de uma maneira que Sarah achava perfeita.

Adorava olhar para o rosto de sua filha incansavelmente. Lembrava de sua infância e elevava seus ânimos ao reparar em tantas semelhanças que as duas tinham. Suas fisionomias eram muito similares, diferenciando-se somente pela altura e o corte de cabelo, que Sarah deixava o mais comprido possível.

- Hoje Dolly volta para o meu quarto, não é, mamãe? - Kat grudou-se no pescoço da mãe, perguntado e cortando a onda de pensamentos que percorreram a mente de Sarah. Mantinha os braços bem firmes e esticados.

- Sim, filha. – sorriu. - Vamos tomar café da manhã?

- Claro! Estou com muita fome, mamãe.

Sarah aumentou o sorriso nos lábios e fez um pouco de cócegas na garotinha que se remexeu no colo da mãe, pedindo carinhosamente, em meio a risadas, para que essa parasse.

- Adivinha o que temos hoje?

- Torta de maçã? - Kat falou no meio de risos. Contorcia-se toda tentando parar as cócegas.

- Acertou! Menina esperta! - Sarah levantou da cama com a filha ainda no colo. Ia saindo do quarto quando Kat fez sinal com braços e a mão vazia, forçando Sarah a voltar. Havia se esquecido de algo, mas lembrara a tempo.

- Eu já volto, Teddy. - disse balançando o dedo indicador para o urso estirado na cama. - Não saia daí. - mandou um curto riso.

O urso, com a face virada para a porta, pareceu sorrir como resposta.

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