CAPÍTULO 23 - 1/2

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Sarah congelara-se por completo. Mantinha o olhar fixo na maçaneta que girara tentando abrir em vão. Conseguia imaginar nitidamente as pequeninas e magras mãos daquela criatura segurando leve, porém fixa, a maçaneta do outro lado. As batidas na porta ressoaram de novo e a imagem imaginária das mãos se formaram sobre a madeira em um punho fechado.

- Sarah? - a voz lá fora chamava, ou ao menos fora o que a mente de Sarah permitira entender.

A mulher presa no banheira não conseguia distinguir de quem era aquela voz do lado de fora. Seu nome parecera ser chamado em uma ligação em sinal ruim: balbucios difíceis de se interpretar devido ao intenso ruído. Dona Célia? Mel? O desespero subia a sua cabeça e deixava turva sua visão. O medo confundia seus pensamentos.

- Sarah? - chamara novamente. - Sarah, querida, sou eu!

- Eu quem? - gritou com o olhar perdido. A mão imaginária já não era mais nítida sob seus olhos, era um borrão branco que Sarah agora não tinha tanta certeza se era fruto da sua imaginação.

Esperava pela próxima resposta. Iria ouvir, então, a voz infantil e cínica de Mel, seguida de uma gargalhada irônica, veria a maçaneta girar novamente, mas dessa vez abriria a porta e deixaria Sarah face a face com sua antiga amiga.

Você não pode fazer nada, vamos Brincar, Sarah! Sua mente lhe criava peças, e a mulher fora de sua sanidade mental acreditava que seus ouvidos captavam aquele som.

Olhou com o canto de olho algo sobre a pia que pudesse usar para se defender, porém não havia nada. Jogar um sabão em um espírito não ajudaria em muita coisa. Suas pupilas saltaram imediatamente para a porta de novo, quando a voz, agora em um timbre compreensível e mais real, lhe respondera.

- Sua mãe, querida. O que está acontecendo? Kat está chorando. - a voz de Dona Célia começava a se tornar mais clara. A preocupação era evidente.

A visão de Sarah agora delimitava novamente as silhuetas. Não havia mão de criança alguma do outro lado da porta, apenas a mão com rugas tênues de Dona Célia. O medo se esvazia aos poucos, porém, como um vento frio do começo de inverno saindo pela janela, deixava ainda resquícios de que logo voltaria e não desaparecia por completo.

- Ah mãe... - Sarah sentiu o corpo ficar mais leve. O ar preso em seus pulmões se soltou e a passos jogados se aproximou da porta. Abriu-a levemente e assim que o fez se jogou nos braços da mãe.

Dona Célia segurou o peso da filha com certa dificuldade. Pôs uma das mãos hesitante sobre os cabelos de Sarah e acariciou-o. Ao tocar sua nuca, percebeu o balançar do pescoço da filha junto a respiração acelerada que se normalizava. Concomitantemente, sentiu o ombro se molhar com lágrimas cheias que se quebravam no pano de sua blusa.

- O que aconteceu, querida?

Sarah suspirou. Não respondeu a pergunta da mãe imediatamente. Soltou-se dos braços de Dona Célia e secou o caminho que as lágrimas criaram nas maças de seu rosto. Trocaram olhares por um curto espaço de tempo, mas que fez Dona Célia perceber que não era visível seu reflexo nos olhos de sua filha. Estampado no fundo de sua pupila estava o medo que a dominara. Conseguia sentir que Sarah estava completamente desnorteada com a situação criada pela criatura que regressara.

- Vamos conversar lá embaixo? - Dona Célia agradeceu Sarah, no fundo de seu peito, por cortar, com tal pergunta, a culpa que crescia novamente em seu interior.

Sarah apontou com um balançar de cabeça para o quarto de Kat, insinuando que não queria que a pequena ouvisse a conversa. Nenhum som era audível lá de dentro, mas sabia que sua filha estava lá, transtornada pela cena que fora obrigada a ver. Talvez um pequeno passar de mãos na pelúcia ou um abafado respirar tentando recompor o pranto pudesse ser ouvido, caso os gritos da mulher no parque não ressoassem ainda na mente de Sarah.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now