Capítulo 9

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Dona Célia acordava lentamente. O sonho aos poucos se esvaia e a escuridão dos olhos fechados tomava conta. O silêncio entrara, então, novamente pelos seus ouvidos. A casa estava morta. Os únicos barulhos abafados vinham do lado de fora.

Abriu seus olhos lentamente para se acostumar com a iluminação. Dona Célia ajeitou, se sentando na cama. A neta estava deitada ao seu lado dormindo. No rosto, o caminho percorrido pelas lágrimas estava delimitado. Olhando Kat deitada de costas, porém com o rosto virado para ela, lembrou-se da cena da garota aos pés da escada. Afastando a imagem, beijou a testa da neta e se levantou.

Pôs um pé no corredor e o mesmo fez parecer ainda maior. A passos extremamente lentos foi até a escada. Parou com os olhos fechados se rejeitando a olhar para a sala lá em baixo. Criando coragem, abriu-os e a imagem da garota caída não estava mais lá. Desceu as escadas e viu Sarah sentada no sofá com o rosto tampado.

- Ela sumiu... - Sarah falou ao sentir a presença da mãe.

- É... Felizmente. - Dona Célia sentou-se também no sofá.

- Felizmente seria se não tivesse acontecido nada, se pudéssemos ser pessoas normais.

Dona Célia se aproximou da filha e pôs a mão na cabeça dessa.

- Eu não sei, querida. Talvez fomos escolhidas. - balançava a cabeça e lembrava do passados que voltara à tona tão rapidamente na noite anterior. - Sarah...

- Sim...

- Você se lembra da primeira vez? Quando você era criança. Estava tentando me recordar.

- Mas... Mãe! - Sarah virou para Dona Célia tirando a mão da outra de seus cabelos. - Era tudo coisa da minha mente. Você disse, mãe. Você disse que não tinha nada. Que era uma amiga imaginária que tinha que ir. Mãe eu tinha seis anos, e agora Kat. Eu queria só protegê-la. - Sarah estava confusa e com medo. Uma lágrima escorreu por seu rosto e logo limpou com a manga da blusa. - Será que vai ser tudo igual?

- Espero que não...

- Espero que dessa vez ela tenha ido.

As duas ficaram caladas por um tempo.

- Eu tava lembrando, detalhadamente, como foi aquele dia. Você se lembra? - Sarah perguntou com os olhos fixos na televisão.

- Talvez poucas coisas. Estou velha para lembrar de tudo. - Dona Célia disse receosa.

Sob os olhos de Sarah, a imagem de uma criança e uma mulher formava bem a sua frente, estampando-se na tela da televisão.

" - Mamãe! - a garota gritava.

- O que foi, meu amor? - a mãe correra para ver o que a filha fazia aos pés da escada.

- Ela caiu. - apontou para uma garota no chão, com um faca cravada nas costas.

A mulher levou a mão até a boca.

- Quem é... Essa menina?

- Uma amiga, mamãe.

- Onde você conheceu ela?

- Mamãe não faz diferença. Olha acho que ela se machucou.

A mulher agachou e virou o rosto da menina deitada. Engoliu em seco.

- Querida, acho melhor conversarmos. Vem aqui no sofá.

- Mas, mamãe, ela precisa de ajuda.

A mulher reforçou o chamado com um puxar de dedos. A pequena garota correu até perto da mãe e sentou no colo.

- O que foi?

- Meu amor, essa sua amiga não existe. - a mulher disse cerrando os punhos e com a consciência bem pesada. - Não tem garota alguma ali.

- Mamãe, pare de bobeira. Você viu minha amiguinha, vamos ajuda-la agora. - a menina remexeu no colo da mãe tentando descer ao chão.

- Escute. - segurou a filha bem firme. - Eu achei que era brincadeira sua e fingi que também a via.

- Mamãe... Você viu. Eu não estou brincando.

- Eu menti... - arregalou os olhos com o peso daquelas palavras.

- Como? - a face da garota ganhou uma expressão de indignação.

- Perdão, querida, eu não queria ter feito isso.

- Você mentiu pra mim! Isso é feio! Você me ensinou!

A mulher respirou fundo para se acalmar e manter o pensamento funcionando.

- Desculpa mesmo, querida, mas às vezes mentir é necessário.

- Mas é feio!

- Quando você crescer vai entender.

As duas ficaram se entreolhando e a respiração delimitada era agonizante naquele lugar.

- Mas, então, quem é ela? Se ela não existe. - a garota agora estava um pouco triste.

- É uma amiga imaginária. Você criou ela para brincar e se divertir. Eu sempre fiz isso.

- Você tem amigos imaginários, mamãe?

- Não, meu amor, eles precisam ir embora um dia. Ela foi embora.

A filha olhava bem no fundo dos olhos da mãe tentando entender.

- Vou brincar com o Teddy. Vou contar tudo o que aconteceu para ele. - a menina ia descendo do sofá e quando ia se por a sair sentiu seu braço sendo apertado. - O que foi, mamãe?

- Você entendeu? Mesmo?

A menina balançou ligeiramente a cabeça positivamente.

- Então pode ir e, por favor, querida, esqueça isso. Não irá mudar nada em nossas vidas.

- Tudo bem! - a garota ia correndo para o quarto.

O corpo já não estava mais ali.

- Não corra nas escadas, Sarah!

- Tudo bem, mamãe."

A imagem se esvaiu e a voz de alguém no corredor chamou sua atenção.

- A Mel sumiu! A Mel sumiu!

Vamos Brincar, Kat?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora