Dona Célia acordava lentamente. O sonho aos poucos se esvaia e a escuridão dos olhos fechados tomava conta. O silêncio entrara, então, novamente pelos seus ouvidos. A casa estava morta. Os únicos barulhos abafados vinham do lado de fora.
Abriu seus olhos lentamente para se acostumar com a iluminação. Dona Célia ajeitou, se sentando na cama. A neta estava deitada ao seu lado dormindo. No rosto, o caminho percorrido pelas lágrimas estava delimitado. Olhando Kat deitada de costas, porém com o rosto virado para ela, lembrou-se da cena da garota aos pés da escada. Afastando a imagem, beijou a testa da neta e se levantou.
Pôs um pé no corredor e o mesmo fez parecer ainda maior. A passos extremamente lentos foi até a escada. Parou com os olhos fechados se rejeitando a olhar para a sala lá em baixo. Criando coragem, abriu-os e a imagem da garota caída não estava mais lá. Desceu as escadas e viu Sarah sentada no sofá com o rosto tampado.
- Ela sumiu... - Sarah falou ao sentir a presença da mãe.
- É... Felizmente. - Dona Célia sentou-se também no sofá.
- Felizmente seria se não tivesse acontecido nada, se pudéssemos ser pessoas normais.
Dona Célia se aproximou da filha e pôs a mão na cabeça dessa.
- Eu não sei, querida. Talvez fomos escolhidas. - balançava a cabeça e lembrava do passados que voltara à tona tão rapidamente na noite anterior. - Sarah...
- Sim...
- Você se lembra da primeira vez? Quando você era criança. Estava tentando me recordar.
- Mas... Mãe! - Sarah virou para Dona Célia tirando a mão da outra de seus cabelos. - Era tudo coisa da minha mente. Você disse, mãe. Você disse que não tinha nada. Que era uma amiga imaginária que tinha que ir. Mãe eu tinha seis anos, e agora Kat. Eu queria só protegê-la. - Sarah estava confusa e com medo. Uma lágrima escorreu por seu rosto e logo limpou com a manga da blusa. - Será que vai ser tudo igual?
- Espero que não...
- Espero que dessa vez ela tenha ido.
As duas ficaram caladas por um tempo.
- Eu tava lembrando, detalhadamente, como foi aquele dia. Você se lembra? - Sarah perguntou com os olhos fixos na televisão.
- Talvez poucas coisas. Estou velha para lembrar de tudo. - Dona Célia disse receosa.
Sob os olhos de Sarah, a imagem de uma criança e uma mulher formava bem a sua frente, estampando-se na tela da televisão.
" - Mamãe! - a garota gritava.
- O que foi, meu amor? - a mãe correra para ver o que a filha fazia aos pés da escada.
- Ela caiu. - apontou para uma garota no chão, com um faca cravada nas costas.
A mulher levou a mão até a boca.
- Quem é... Essa menina?
- Uma amiga, mamãe.
- Onde você conheceu ela?
- Mamãe não faz diferença. Olha acho que ela se machucou.
A mulher agachou e virou o rosto da menina deitada. Engoliu em seco.
- Querida, acho melhor conversarmos. Vem aqui no sofá.
- Mas, mamãe, ela precisa de ajuda.
A mulher reforçou o chamado com um puxar de dedos. A pequena garota correu até perto da mãe e sentou no colo.
- O que foi?
- Meu amor, essa sua amiga não existe. - a mulher disse cerrando os punhos e com a consciência bem pesada. - Não tem garota alguma ali.
- Mamãe, pare de bobeira. Você viu minha amiguinha, vamos ajuda-la agora. - a menina remexeu no colo da mãe tentando descer ao chão.
- Escute. - segurou a filha bem firme. - Eu achei que era brincadeira sua e fingi que também a via.
- Mamãe... Você viu. Eu não estou brincando.
- Eu menti... - arregalou os olhos com o peso daquelas palavras.
- Como? - a face da garota ganhou uma expressão de indignação.
- Perdão, querida, eu não queria ter feito isso.
- Você mentiu pra mim! Isso é feio! Você me ensinou!
A mulher respirou fundo para se acalmar e manter o pensamento funcionando.
- Desculpa mesmo, querida, mas às vezes mentir é necessário.
- Mas é feio!
- Quando você crescer vai entender.
As duas ficaram se entreolhando e a respiração delimitada era agonizante naquele lugar.
- Mas, então, quem é ela? Se ela não existe. - a garota agora estava um pouco triste.
- É uma amiga imaginária. Você criou ela para brincar e se divertir. Eu sempre fiz isso.
- Você tem amigos imaginários, mamãe?
- Não, meu amor, eles precisam ir embora um dia. Ela foi embora.
A filha olhava bem no fundo dos olhos da mãe tentando entender.
- Vou brincar com o Teddy. Vou contar tudo o que aconteceu para ele. - a menina ia descendo do sofá e quando ia se por a sair sentiu seu braço sendo apertado. - O que foi, mamãe?
- Você entendeu? Mesmo?
A menina balançou ligeiramente a cabeça positivamente.
- Então pode ir e, por favor, querida, esqueça isso. Não irá mudar nada em nossas vidas.
- Tudo bem! - a garota ia correndo para o quarto.
O corpo já não estava mais ali.
- Não corra nas escadas, Sarah!
- Tudo bem, mamãe."
A imagem se esvaiu e a voz de alguém no corredor chamou sua atenção.
- A Mel sumiu! A Mel sumiu!
ESTÁ A LER
Vamos Brincar, Kat?
Horror- Filha... Com quem você está falando? - Com o Teddy, mamãe. Um tilintar de xícaras ecoa no quarto. - E sobre o que vocês estão falando? - Sobre a garota no final do corredor. Acho que ela quer brincar de comidinha co...