Capítulo 51

739 95 37
                                    

Quando mais jovem, Sarah ouviu uma história sobre um grupo de pessoas que foram largadas no deserto para morrerem. Um a um, os integrantes dos grupos foram sucumbidos. Alguns por fome, outros desidratados ou pela hipotermia. Alguns, sem escolha melhor, comeram areia e, horas depois, seus corpos caíam sozinhos. Até que, afinal, sobrou apenas um. Esse homem enlouqueceu, pensou em comer a carne dos outros e andar até encontrar algo que pudesse salvá-lo, contudo não fez nada. Foi um pensamento sorrateiro que fez cócegas no cérebro fervente e logo cansou de brincar. O último homem, então, resolveu dar fim, ele próprio, a sua vida. Os estímulos estressores ao seu redor, mais a solidão e o silêncio absoluto, eram impossíveis de se suportar.

Uma sinapse conectada erroneamente com outro neurônio – ou ao menos ela queria acreditar que fora um erro – fez com que Sarah se lembrasse dessa história rapidamente enquanto girava ao redor de si mesma. Recusava-se a concordar, mas ela sabia que ela era o último homem. Sua mãe e filha desaparecidas no breu da casa, Mel e Martin caídos a seu lado. Ela estava sozinha, por mais que estivesse rodeada de corpos inertes. A faca tinha uma aura a seu redor chamando-a.

Sarah, você sabe que pode acabar com isso de uma maneira mais fácil, não sabe?

Olhos esbugalhados corriam pelas silhuetas apagadas sem se ligar para os pequenos raios de sol que precariamente chegavam ao interior da casa. A cada volta que Sarah dava parada, suas pupilas fixavam-se sobre a faca por tentadores instantes. Por mais que tentasse ir contrária, sabia que ela era o último homem da história.

- Não! – gritou, enquanto cerrava os olhos e abaixava a cabeça lutando contra a ideia de se matar.

E se o autor estiver errado e o último homem não cometeu suicídio realmente? E, se ele não morreu, ficar parado com certeza não foi o que ele fez. Faça alguma coisa, Sarah! O urso está com sua mãe e sua filha!

Sarah pôs sua coluna ereta rapidamente com uma iniciativa que não sabia de onde tirara. Escondeu toda a tensão em um canto de seu interior e mentiu, fingindo acreditar que não sabia onde ela estava. Mas ela conhecia bem aquele canto. A qualquer momento ela sabia que ia passar por lá e se encontrar com a tensão que não queria. Pegou a faca ao lado do corpo de Mel, que com os olhos parados e fúnebres encaravam a lâmina.

Eu não vou ficar parada!

Olhou para a porta da cozinha semiaberta, porém não foi sobre essa. Teddy não esconderia as duas naquele cômodo. Inconvenientemente, um raio fino de luz atingiu seus olhos, cegando-a temporariamente. Um borrão único e branco se esvaía lentamente em tons de cinza que se transformavam em uma mescla de breus. A luz viera do corredor, e, junto ao pensamento, seus pés começaram a se arrastar para a escada. Passo a passo, subia os degraus cautelosamente, controlando a respiração para não passar pelo canto onde escondera sua tensão.

- Sarah... – a voz de Teddy ecoou novamente, agora com uma direção única: o quadro ao final do corredor.

A mulher não respondeu. Avançava, deixando seu nome ecoar até o infinito e sumir. Não piscava e não observava o movimento de seus pés. Fixou o olhar a frente.

- Sarah... – novamente a chamou. Fez uma pausa e, como não obteve qualquer resposta, continuou: - Você já está brincando, mas esqueceu de falar... – soltou uma risada baixa e maliciosa.

O campo de visão de Sarah agora conseguia ver o final do corredor por completo, e, ao invés de ver o pequeno urso de pelúcia parado sob o quadro, havia uma forma desestruturada como um emaranhado de sombras formando um monte de terra. As sombras pareciam subir uma em cima da outra, como uma dança aleatoriamente ordenada, onde cada qual queria ocupar o espaço alheio.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now