Capítulo 48

720 101 19
                                    

Sarah dirigia desnorteada e suas mãos se moviam involuntariamente. A adrenalina dominava seu corpo cada vez mais, conforme se aproximava de casa. A gravidade da situação era, de maneira contrastante, sobrenatural e real. A respiração das três gerações no carro seguiam um compasso diferente, porém na mesma intensidade. Nenhuma das mulheres ameaçava falar. Vozes gritantes em suas mentes impedia que essas fizessem vibrar suas cordas vocais.

Com o olhar palpitante, Sarah conseguia ver, no retrovisor interno, o carro vacilante de Martin meneando entre as ruelas. O carro que a seguia oscilava entre a calçada, ameaçando bater nos postes e avançar sobre a fachada de alguma casa. A motorista evitava olhar para o reflexo, na tentativa de não piorar sua tensão. A ideia de ter deixado Mel e Martin irem sozinhos no mesmo carro pareceu agora não ter sido uma boa alternativa.

Por sorte as ruas estavam praticamente vazias, e poucos carros começavam a surgir no seu caminho. Os raios de sol começavam a querer aparecer no horizonte, iluminando sorrateiramente o breu noturno que dominava. As poucas estrelas que ainda eram visíveis, desapareciam em frações de segundo. Sarah olhou para o relógio em seu rádio. Havia passado poucos minutos após às seis horas.

Ao chegar à frente de sua casa, virou com o carro incerto sobre o espaço onde costumava parar e desceu desse sem se preocupar em deixá-lo encaixado perfeitamente na vaga.

- Vem, filha! - abriu a porta de trás e fez sinal com as mãos pedindo para a filha se aproximar. Pegou a cadeira de rodas dobrada no banco de trás e a abriu.

- Mamãe, eu acho que já consigo pisar normal. - Kat estava incomodada em ficar presa àquela cadeira e se sentir inútil naquela situação.

- É melhor você não forçar! - Sarah disse sem deixar brechas para qualquer outra tentativa. Colocou a filha na cadeira e beijou sua testa. - Daqui a pouco tudo vai estar como era antes, minha querida. - cerrou o olhar para não deixar nenhuma lágrima escapar.

- Eu confio em você, mamãe. - fez uma curta pausa, e, olhando bem no fundo dos olhos negros de Sarah, acrescentou: - Eu só queria poder ajudar em algo.

A mãe da pequena só conseguiu esconder o choro atrás de um sorriso discreto. Dona Célia a passos não forçados, devido a fraqueza que ainda sentia, chegou atrás da cadeira de rodas de Kat e se pôs em direção a porta. Sarah olhou para a rua, praticamente deserta, e viu o carro de Martin parado no meia dessa.

- Mãe, me espera pra entrar! - gritou sem olhar para trás e correu ao encontro do carro. Passos largos queriam chegar até o automóvel, mas não queriam descobrir o porquê dele estar ali.

Estava à distância de dois metros do carro quando um corpo pulou de seu interior. Mel saltara perdida e criara um baque abafado no asfalto. Sarah parou de súbito, assustada. A garota no chão abria os olhos um pouco perdida e começou a se afastar apressada,com as mãos contra o solo, ao ver Sarah.

- Calma, tia. - sua mente involuntariamente a chamou pelo grau de parentesco e estranhou logo em seguida.

- Sarah?! - questionou. - Martin está desmaiado no carro e o Teddy está lá dentro. - começou a se levantar e correu para abrir a porta do carro. Olhou para o banco de trás onde não havia nada além do couro do banco. - Não é possível! - abriu a porta do carona e preferia ter visto algo, porém o urso já não estava mais lá.

- Ele sumiu? - a mãe de Kat perguntou, mas já sabia a resposta. Sentiu uma fincada no peito, na altura do coração, e correu na direção de sua casa, largando Mel, Martin e o carro para trás.

Mel tocou o bolso de seu macacão e sentiu a faca sobressaltando nesse. O objeto estranhamente parecia mais pesado que o normal. Vendo Sarah correndo para casa, resolveu tirar Martin do carro e levá-lo também para dentro. Não iria deixar aquele homem sozinho e apagado no meio da rua, o alvoroço seria ainda maior se os vizinhos o vissem naquele estado.

Com dificuldade, ia arrastando o corpo do homem pelas pernas, deixando o corpo se arranhar pela calçada. Conforme avançava, ouvia murros sendo dados fortemente contra madeira, e, assim que a porta da casa entrou em seu campo de visão, uma gota de suor pareceu escorrer sobre sua testa.

Sarah esmurrava, sozinha, a porta desesperadamente. Dona Célia e Kat não estavam ali em frente, e Mel não precisava ser um espírito para saber onde as duas se encontravam. Esforçando-se ainda mais, arrastou o corpo de Martin até ao lado de Sarah e começou a esmurrar junto. Bastaram segundos para que ela notasse que agiam em vão e desistisse.

A faca em seu bolso ficava cada vez mais pesada, fazendo seu corpo se curvar para frente. Pegou-a, e os poucos raios de sol, ao tocarem na lâmina, refletiram sobre a janela da sala. Mel enroscou seus dedos sobre essa e foi de encontro a janela que explodiu em milhares de estilhaços.

- Desculpa, Sarah, mas... - não conseguiu concluir a frase. Sarah, que se assustara com o estrondo, agora já pulava pela janela com seu instinto materno berrando em seu interior.

Mel olhou para a rua que se mantinha deserta, guardou a faca e jogou o corpo de Martin pela janela. Verificou minuciosamente as janelas das casas ali em frente e pôde ver a cortina de algumas balançando. Pulou em uma cambalhota para dentro da casa com um objetivo muito específico: Acabar de vez, o mais rápido possível, com aquele demônio que infernizava sua família.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now