Vamos Brincar, Kat?

Capítulo 11

- Não, mãe, eu não vou trabalhar hoje. - Sarah disse entre garfadas. As três à mesa almoçavam lentamente. O clima na casa permanecia tenso, silencioso.

- Já avisou que vai faltar? Isso pode dar problema pra você. - Dona Célia estava preocupada com a notícia da filha de que não iria trabalhar. Era a única na casa que sustentava aquela família. Se ficasse sem emprego tudo iria desmoronar.

- Liguei pra Claire. Ela vai ao chefe.

- Melhor.

As duas terminaram de conversar e seus olhos focaram em Kat. Remexia na comida com a colher e parecia não ter comido nada ainda. A cabeça estava sendo segurada por uma das mãos, apoiada à mesa com o cotovelo.

- Não está com fome, meu amor? - Sarah perguntou pondo a mão sobre a da filha, fazendo essa parar de mexer na comida.

- Não. Posso ir pro meu quarto. - perguntou em um tom bem baixo.

- Mas você não comeu nada. Come só um pouquinho.

Kat recusou com a cabeça.

- Gelatina? Você tem que comer alguma coisa, se não vai ficar fraca e não vai poder brincar. - Dona Célia ajudou a incentivar a garota a comer.

- Não. Não quero brincar. - afastou o prato e se levantou da cadeira. - Vou assistir televisão na sala. - falou enquanto saía.

As duas que permaneciam na cozinha esperaram que ela ligasse a televisão para que começassem a falar sobre a noite anterior sem que a garotinha ouvisse.

- Ela sente que foi real. Eu não sei mentir. Simplesmente não sei. Não sou boa com essas coisas.

- Você mentiu bem, querida.

- Ela percebeu, mãe. Ela não acreditou no que eu disse.

- É claro que ela acreditou. O que a mãe fala se faz verdade no mundo dos nossos filhos. Eu tenho certeza que ela só está triste por causa do... sonho. - Dona Célia disse de maneira bem convincente.

"- Desculpa mesmo, querida, mas às vezes mentir é necessário.

- Mas é feio!

- Quando você crescer vai entender. "

A conversa de Sarah com a mãe ressoava em sua cabeça.

Agora eu entendo o porquê...

- Ela acreditou em você, não se preocupe. - Dona Célia se levantou e pegou o prato das duas que já estavam vazios e pô-se a lavá-los.

Sarah bebeu o suco e retirou-se para a sala. Kat estava deitada. Largada sobre o sofá, assistia um filme infantil que Sarah não conseguia.

- Que filme é esse, Kat? - perguntou ao se sentar ao lado dela.

- Candyman... - respondeu sem emoção.

- Parece ser legal. - Sarah tentava puxar assunto.

- É... - foi o máximo que conseguiu.

Passaram-se duas horas e finalmente o filme acabara. Kat mudou de canal incansavelmente, porém nada que a agradasse.

- Pode mudar de canal, mamãe. - ao olhar para a mãe ao seu lado, viu que essa dormia com a cabeça jogada para trás.

Largou o controle no sofá e pôs no mesmo canal que assistia o filme. Não era um programa interessante para ela, porém era a única coisa que tinha. Não prestava atenção no que era transmitido na tela. Um vulto rápido passou extremamente ligeiro atrás dela. Viu seu reflexo na televisão e ouviu os passos rápidos. Olhou para trás. Seus olhos agora tinham esperança. Não via nada.

- Mel? - perguntou com os olhos brilhando.

Nenhuma resposta. Kat se levantou abismada. Tinha visto algo com total certeza.

- Mel, eu sei que está aqui! - andou para a outra sala ao lado.

A sala de estar não era dividida com a sala de televisão. Eram unidas e a única divisória era a escada e a porta. Era simples, com uma única mesa. Kat se aproximou a passos cautelosos e foi girando ao redor da mesa.

- Aqui! - pulou e gritou, porém não havia nada.

Sarah na sala remexeu a cabeça balbuciando palavras sem nexo. Kat fechou a boca com os olhos arregalados e com o rabo de olho viu pés indo mais a fundo no corredor.

- Mel? - ficou novamente sem respostas.

Foi em direção a escada e logo ao subir os primeiros degraus viu a garota parada em frente a porta de seu quarto. Tinha o indicador na frente da boca e do nariz, mandando a garotinha fazer silêncio. Deu três passos e colou a boca no ouvido de Kat e sussurrou com um sorriso enorme em seu rosto.

- Vamos brincar, Kat?