Capítulo 10

23.3K 2.3K 2.2K
                                    

Dona Célia e Sarah se levantaram repentinamente, virando direto na direção da neta parada no topo da escada. Seu rosto estampava claramente medo. Segurava as lágrimas. Sarah mordeu o lábio e segurou também para que não chorasse. A avó abriu a boca e ia falar algo, porém Sarah fora mais rápida.

- Mel? Quem é Mel, querida? - Sarah tentava esconder o melhor possível seus sentimentos, tentando transparecer o mais confusa.

- Minha amiguinha, mamãe. Ontem nós conversamos sobre ela. Ela veio tomar chá comigo. Conversamos. Não se lembra? - Kat permanecia parada. Os olhos quase fechados, inchados de tanto chorar. - Você esqueceu?

Sarah balançou a cabeça e olhou para sua mãe. Ela não conseguia. O tom de voz de Kat fazia ela querer chorar. Dona Célia abaixou a cabeça dizendo "Vá em frente".

- Ah sim! Lembro-me. - fez uma pausa e tornou a falar hesitante. - E então, querida, acordou melhor? Você acordou gritando ontem dizendo que teve um pesadelo. Com o que sonhou? - Sarah cerrou fortemente a mão ao redor da perna, se punindo com as unhas.

Sua idiota. Você não sabe mentir.

- Pesadelo? - Kat ficara confusa. - Mas... Mamãe, a Mel caiu da escada. Ontem. Ela gritou. Você não se lembra? Pesadelo?

Sarah deixou a filha sem resposta. Caminhou até o topo da escada para ganhar tempo de pensar melhor no que diria e pegou Kat no colo.

- Sim, meu amor. Você acordou gritando. É isso. - riu falsamente, mas a filha pareceu não perceber. - Você sonhou que sua amiguinha caiu da escada?

Kat não mexia. Seus olhos parados trocando um olhar melancólico com a mãe.

- Foi só um sonho. Não precisa se preocupar. - aproximou o rosto da filha de seu peito e acariciou os cabelos.

- Então não aconteceu nada? - falava baixo e ainda cansada.

- Nada! - Sarah olhava para Dona Célia.

O silêncio dominou a casa. Ninguém ousava falar nada, por longos segundos.

- Bom dia! - Dona Célia andou na direção das duas e deu um beijo no rosto da neta.

- Bom dia, vovó. - a garotinha não se movia.

- Leva ela pra cozinha. Vou fazer uma ligação. - Sarah disse sem emitir sons, apenas mexendo os lábios.

Dona Célia concordou com a cabeça e pegou Kat em seus braços.

- Vamos comer gelatina, então, querida? - ficou sem respostas. - Vamos? - levantou o rosto da neta e mandou um olhar cauteloso para ela.

Kat balançou a cabeça concordando.

As duas começaram a descer as escadas e Sarah ficou parada no topo da escada esperando que entrassem na cozinha. Assim que a imagem delas sumiu atrás da porta, foi em direção ao seu quarto e procurou o celular. Estava na escrivaninha. Não guardara na bolsa depois de ligar para o Dr. Alan.

- Claire? - falou ao telefone quando a pessoa do outro lado da linha atendeu. - Aqui é Sarah tudo bem? - uma pausa. - Então... Mais ou menos. Preciso que avise ao chefe que hoje não irei trabalhar. - Claire no outro lado falou algo imediatamente. - Não, não. Pode descontar mesmo. Coisas de Kat. Perdão, Claire, mas hoje não tem como ir. - ficou calada ouvindo a amiga de trabalho. - Obrigada mesmo. Amanhã eu estarei. Até. Obrigada, novamente. Beijos.

Desligou o telefone e se sentou na cama. Abaixou a cabeça e não conseguia se controlar. Estava perdida em pensamentos. Acreditava não saber mais nada. Tentava organizar tudo que percorria sua mente quando o telefone volta a tocar.

Um número desconhecido.

- Alô? - Sarah atendeu.

- Kat! - a voz fina ecoou do outro lado.

- Quem? - engoliu em seco.

- Kat!

- É você... Mel... Seu demônio.

- Kat! - a voz não mudara nada. Ecoava normalmente, não se sentindo abalada pelo que Sarah disse.

- Larga a minha filha. Eu te conheço. Sei muito bem o que você quer com ela. - Sarah gritava ao telefone em seu quarto. Na cozinha Célia e Kat pareciam não escutar.

- Kat!

Os nervos de Sarah estavam à flor da pele. Não conseguia controla-los. Confusa e com raiva daquela garota que atormentara a sua infância. Desligou o telefone imediatamente sem pensar duas vezes e o jogou contra a parede.

Não se quebrara, o máximo que conseguira causar fora um enorme barulho que logo sumiu e deu lugar ao toque, novamente, do celular. Sarah se levantou em um ímpeto movimento e o pegou. Atendeu o mesmo número de antes e pôs-se a falar.

- Escute aqui, seu demônio. Você trate de largar minha filha. Ela não quer brincar com você. Ela não precisa brincar com você. Entendeu? - iria falar mais, porém a voz da garota voltou a falar.

- Kat!

- Chega!

- Sarah, Sarah... - pela primeira vez não repetira o nome da garotinha. - Você é boba, ou prefere se fazer de uma? Você sabe muito bem que ela quer brincar. Mas eu não quero brincar com ela. Eu quero brincar, só isso. - riu maliciosamente.

- Suma da nossa vida! - Sarah estava irritada com a voz da garota. Ouvira-a tantas vezes quando criança e agora voltava a escutar de uma maneira completamente diferente.

- Eu sumo... Mas ainda não. Vamos brincar mais um pouco. Nós brincamos tanto Sarah. Lembra-se de quando corríamos pela casa de sua mãe. Eu lembro da sua brincadeira preferida. Pique-Esconde. Não era muito fã de tomar chá. Também gosta de Pique-Pega. Eram tantas coisas. Deixe eu brincar mais com ela. Ela precisa de mim. Aliás... - a voz sumiu ao outro lado da linha.

Sarah desligara o telefone. Respirava de maneira ofegante. Olhou para a parede fixamente.

Ela voltou. E ela quer brincar mais.

Não sabia se tinha mais medo que sua filha da garota que Kat chamava de Mel.

Eu preciso acabar com isso.

Seus pensamentos foram cortados novamente pelo toque do telefone. Com um impulso jogou-o contra a parede novamente e o celular atendeu a ligação sozinho com a batida.

- Não se esqueça que eu te vejo. - apenas isso e os bips voltaram.

Seu demônio.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now