Capítulo 50

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A blusa que Sarah vestia se cortou com um pedaço de vidro que ficara na borda da janela. A janela se explodira em diversos minúsculos cacos como uma pequena e localizada tempestade de neve e deixou pedaços pontiagudos ao redor dessa. Sarah pulou sem se dar conta disso, mas por sorte o corte se limitou a blusa e o vermelho de sangue não aparecera logo de início. Ou não.

Caiu desajeitada no chão e seu corpo balançou até adquirir novamente o equilíbrio. Apoiando suas mãos na parede, deixou seu corpo cambaleante voltar a dominar a noção espacial. Apenas na hora que retirou suas mãos da parede, que Sarah percebeu sua mão repleta de um líquido vermelho. Sua boca se abriu apavorada. Havia sangrado e não percebera?

Com a visão periférica, percebeu a resposta bem a sua frente, e, levantando vagarosamente sua cabeça, deu-se conta do líquido vermelho que escorria formando uma espécie de cachoeira escarlate. Agitou os braços, como um cachorro incomodado com a água em seus pelos, porém o líquido se rejeitava a sair facilmente.

Virou seu corpo conforme tentava se livrar daquela gosma. Sua casa estava macabramente iluminada com tons de penumbra, sombra e finos raios de luz. Raios esses que pareciam ultrapassar com extrema dificuldade a parede vermelha. Sarah deu passos leves, evitando causar o menor alarde. Mantinha-se em alerta.

Não via ninguém a sua frente. Sua mãe e Kat pareciam não estar naquele breu, nem mesmo serem donas de nenhuma silhueta. Ameaçou tocar o chão com a ponta do pé, quando um estrondo a fez saltar. Atrás dela, o corpo de Martin fora jogado por onde deveria estar a janela, e, logo em seguida, Mel saltou habilidosamente abrindo um espaço na cachoeira.

- Mas como vocês... - Sarah ameaçou falar, sem conseguiu concluir a frase, incrédula com a parede de sangue que não os marcara.

Mel iria perguntar o que, até se virar e ver a mesma tonalidade avermelhada que se acostumara a ver. A marca de que Teddy estava realmente ali. Engoliu em seco receosa. Aquele líquido era a prova de que Teddy já começara a brincar com a mente delas, a controlá-las, como fizera com a pequena Sarah a quase quarenta anos atrás.

- Sarah, tome muito cuidado no que vai ver a partir de agora. Ele já está aqui e...

- Ele quem já está aqui? - a voz de Teddy ecoou por todos os cantos.

A cabeça das duas girou para o alto procurando qualquer sinal que pudesse lhes mostrar aonde a criatura se encontrava, mas nada. Havia somente penumbras amorfas e que se misturavam sem um padrão lógico. Nem mesmo os móveis dos objetos tinham suas sombras bem definidas. Mel deu alguns passos e inevitavelmente chutou Martin, que não demonstrou nenhuma resposta.

Sarah abriu a boca, ameaçando perguntar algo, porém o dedo de Mel tocou os lábios em sinal de silêncio, cortando horizontalmente sua boca. Menearam a cabeça negativamente em conjunto, enquanto Mel retirava a lâmina pesada de seu bolso e a segurava de uma maneira tão firme, quanto nunca fizera.

Subitamente, sem uma explicação plausível, Mel se jogou no chão com um grito esmagado. A faca tombou para a sua lateral, ficando a alguns palmos de distância dessa. Da mesma maneira, Mel começou a gargalhar tão alto, que chegara a doer os ouvidos de Sarah. A resposta imediata da mulher fora tampar seus ouvidos com ambas as mãos para diminuir a intensidade do grito.

- O que você está fazendo? - Sarah gritou para a tia. Arrastava seus pés, recuando.

- Você acha mesmo que vai conseguir acabar com ele? - gargalhou ainda mais alto, fazendo Sarah encolher seu pescoço. Mel se levantou aos poucos enquanto pegava sua faca. - Faz anos que ele controla tudo o que acontece com vocês e acha que hoje, com um ato heroico de amor materno, vai acabar com anos de medo?

A voz de criança de Mel pronunciando aquelas palavras era irritante e pavoroso. Parecia totalmente diferente de sua tia, com quem conversara a poucos segundos. Era como se tivesse perdido sua sanidade para alguém.

- Sarah! - Mel arregalou os olhos ao se dar conta do que fazia. - Perdão, ele já começou a controlar nossas mentes. Eu sou a mais frágil, acho que por ter me entregado muito a ele quando nos conhecemos. - fez uma pausa olhando ao redor, se precavendo para caso Teddy aparecesse. - Minha inocência me fez ser facilmente manipulada.

Sarah pensou rapidamente em Kat. Se a inocência de sua tia quando criança a fizera facilmente ser manipulada, Kat teria a mesma fragilidade para com Teddy.

- Você tem alguma noção ou imagina onde as duas possam estar? - Sarah sussurrou. Olhou para o topo da escada e engoliu em seco.

Mel não teve a oportunidade de responder.

- Ora, ora, quer as respostas muito fácil. - Teddy tornava a falar em seu tom sínico. - Sarah!?

A mãe de Kat rangeu os dentes e sentiu seus músculos travarem. As sombras a seu redor se moveram aleatoriamente, tomando outras formas amorfas. Suas mãos, ainda com vestígios vermelhos, estava gélida e trêmula.

- Não vai me responder, Sarah? - falou com um pouco mais de arrogância.

- Oi? - suas cordas vocais se agitaram e custaram para finalmente pronunciar uma única monossílaba.

- Ah, você está aí. Vocês duas demoraram, começamos a brincar antes. - a voz de Teddy parecia emergir de dentro da cabeça de Sarah, mas ela sabia que não era loucura sua. Seus olhos arregalados giravam 360 graus procurando qualquer vestígio do urso. Esbarrou-se em Mel e abafou um grito rapidamente.

- Estou esperando você perguntar, Sarah...

- Perguntar o quê? - a hesitação era nítida no tremular de sua voz.

- Não quer saber do que estamos brincando? - Teddy perguntou sínico.

- O que você fez com minha mãe e minha filha, seu demônio? - Sarah mesmo com medo conseguiu afrontá-lo, contudo seu tom não demonstrava tanta confiança, apenas a raiva contida nessa.

- Eu não fiz nada, elas que se esconderam! - gargalhou estridentemente e Sarah tampou seus ouvidos com o barulho que parecia tentar explodir seus nervos. - Estão esperando você procurá-las. Eu lembro como você amava brincar de pique-esconde...

As gargalhadas aumentaram de maneira exponencial e Sarah foi contraindo seu corpo, encolhendo sua silhueta. Seus músculos contraindo dolorosamente. Repentinamente Mel começou a gargalhar em conjunto. O contraste das duas vozes era macabro. As pálpebras de Sarah cerradas tentavam se fechar ainda mais em vão.

Da mesma maneira que começara, a gargalha cessou.

- Talvez você queira encontrá-las o mais rápido possível! Aconselho...

Em seguida, o corpo de Mel caiu para a lateral como uma construção sendo demolida, toda desestruturada. A faca caiu para o outro lado, tilintando suavemente. O silêncio, então, baixou sobre a casa de uma maneira mais assustadora ainda.

Vamos Brincar, Kat?Where stories live. Discover now