CAPÍTULO 6

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Sarah abriu a porta de casa lentamente para não fazer barulho. Olhou ao redor da sala e viu que não havia ninguém ali, porém mesmo assim a televisão estava ligada em um canal de notícias. Esticando o pescoço um pouco tentou ver se havia alguém no corredor dos quartos. Nada. Caminhou até a cozinha. Ninguém, novamente. A casa parecia deserta, apenas as vozes da jornalista ecoavam por seus cômodos. Sarah procurou o controle e desligou a televisão. Imediatamente passos foram ouvidos no corredor.

Abriu um sorriso e começou a subir lentamente os degraus. Não havia ninguém no corredor. Entrou no quarto de Kat e viu sua mãe dormindo. Ao lado dela, também na cama, a filha brincava com Teddy e Dolly. Sua boca mexia e parecia não emitir sons. Sarah bateu três vezes na porta. Kat virou os olhos imediatamente e mexeu com os lábios algo que parecia ser "Mamãe!". A garota se levantou e correu ao encontro de Sarah. Agarrou suas pernas com a cabeça virada para cima.

- Vamos para a sala, querida. Deixar a vovó dormindo aí. - pegou Kat no colo com certa dificuldade por ainda segurar a bolsa.

- Teddy! - Kat exclamou antes que Sarah pudesse descer com ela.

Pondo a filha no chão, esperou-a ir ao quarto e voltar com seu ursinho de pelúcia. Desceram de mãos dadas. Sarah se sentou no sofá e colocou a filha em seu colo.

- Então, filha! Como foi seu dia? – Sarah sempre perguntava para Kat. Gostava de ouvir sobre as brincadeiras diferentes que a pequena inventava, apesar de a maioria dos dias sempre brincar de tomar chá com Teddy e Dolly.

- Muito bom, mamãe. Tomamos chá, como sempre, e ainda comemos o bolo de chocolate. Lembra? Aquele que você comprou? - Kat fez uma pausa e balançou os braços de Teddy. Sarah já estava acostumada a ouvir aquela resposta. Apenas assentiu com a cabeça. - Ah! - voltou a atenção para a mãe. - Fiz uma nova amiguinha.

Sarah engoliu em seco e pôs a filha sentada ao seu lado no sofá. Olhou bem nos olhos de Kat e viu que ela não estampava nenhuma expressão diferente. Falava sem hesitar, evidenciando a inocência da criança. Estava animada com a nova amizade que fizera. A garota que Kat vira na noite anterior aparecera novamente e dessa vez brincara com sua filha, o que mais preocupava Sarah.

- Nova amiguinha? É mesmo? – precisava saber mais sobre. Não poderia deixar a filha criar laços com aquela criatura ou as coisas poderiam piorar para ela. Sarah sabia, e como sabia...

- Uhum! Ela até sentou com a gente para tomar chá. - Kat sorriu. Tinha um brilho nos olhos. A expressão de preocupação de sua mãe, fez com que a pequena escondesse a alegria em sua face.

- Que legal. - o coração de Sarah disparou junto a mentira. - Qual o nome dela?

- Ela não tem nome, mamãe. - Kat disse fazendo uma cara de dó. Largou Teddy ao seu lado e ficou completamente focada na conversa das duas. Queria conversar sobre aquilo com sua mãe. Queria poder entender como uma pessoa poderia não lembrar o próprio nome.

- Como ela não tem nome? Todos temos nome... - se ajeitou no sofá. Estava preocupada com aquilo. Lembrou de sua infância e preferiu esquecer. Precisava dar atenção total à Kat.

A garotinha viu que o rosto de sua mãe apenas piorava. Sarah deixava explícito, involuntariamente, que toda aquela situação a estava deixando desnorteada. Havia algo incomodando sua mãe, mas Kat não sabia exatamente o que era. Não poderia contar tudo, percebera naquele momento.

- Na verdade é Mel. – soltou a mentira de supetão, torcendo para que a mãe não percebesse, porém já tinha falado demais.

- Mel? - Sarah perguntou estranhando aquilo. Havia alguma coisa de errado.

- Uhum! - Kat respondeu imediatamente, assentindo com um balançar enérgico de cabeça. Pegou Teddy ao seu lado e voltou a mexer em seu urso, deixando a mãe de lado propositalmente. Esperava que assim essa parasse de lhe questionar sobre a tal menina com quem brincara.

- Kat, calma. Vamos conversar. - Sarah tirou o urso da mão da filha fortemente. Não prestara atenção em como o fizera. Queria apenas saber o que acontecera para ajudar sua filha a ficar o mais longe possível daquela criatura. 

- Teddy! - Kat estendeu os braços, implorando.

- Depois! - o tom de voz da mãe era de preocupação. Percebeu logo em seguida e corrigiu antes que a filha estranhasse. Tarde demais. - Digo, quero saber mais sobre sua amiguinha. Depois você brinca. Pode ser?

Kat hesitou um pouco, mas logo em seguida cedeu com um balançar de cabeça.

- Então, sobre o que vocês conversaram?

- Ah, algumas coisas. Ela teve de ir embora cedo. Assim que íamos partir o bolo ela teve de ir. Fiquei com uma pena dela, mamãe. O bolo estava tão gostoso. - Kat esfregou as mãos na barriga. Escondeu o restante da conversa. Quanto menos falasse para a mais, menos essa ficaria preocupada.

Sarah não respondeu de imediato. A ínfima possibilidade de que fosse apenas fruto da esquizofrenia da filha passou por sua mente, mas foi logo descartada. A menina no final do corredor aparecera na noite anterior, e naquela tarde uma outra garota surgia para brincar com ela. Seria muita coincidência. Aliás Sarah se lembrava de coisas que preferia ter esquecido por completo.

- Que bom que gostou. Depois eu compro mais. - Sarah brincou tentando esconder o que lhe afligia.

Kat pegou Teddy e voltou a brincar com ele. Sarah parou o olhar fixamente no boneco, vendo esse dar cambalhotas no corpo da pequena e piruetas no ar.

Mel... Mel... Mel... Mel, não é?  

Sarah tentava buscar esse nome em sua memória. Tentava recordar sua infância e a escavava em busca do nome "Mel". Melanie, Melissa, Melody. Nenhum nome com essas iniciais lhe vinha a memória. Nenhuma amizade da escola. Havia aquela menina, mas Sarah não se lembrava de seu nome, se é que essa possuía um. Ficou um certo tempo parada até que cansou. Preferia refletir à noite, antes de dormir. Balançou a cabeça levemente, distanciando o pensamento.

Percebeu, então, que olhava para Teddy que brincava nas mãos de Kat. Toda aquela onda nostálgica pesada lhe trouxera na bagagem poucas lembranças boas. Olhou para a filha e falou:

- Você sabia que o Teddy já foi meu brinquedo, filha?

Vamos Brincar, Kat?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora