Capítulo quarenta e três (parte dois)

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Eva do futuro,

Isabel está dizendo que eu estou com Alzheimer. Não acredito nela. Eu, quer dizer, nós estamos normais. Aquilo não queria dizer nada. Eu só esqueci um detalhe por poucos minutos, toda pessoa já passou por isso!

Eu estava na festa junina da escola de Sandy e Sabrina. Estávamos na mesa comendo canjica quando Sandy apareceu com um garoto. Eu fiquei olhando para aquele ser do lado dela. Um garoto com um chapéu de palha e uma blusa xadrez, tão idêntico com todos os outros garotos correndo e andando ao redor, que eu fiquei confusa demais sem saber qual deles era. Por que tinham que ser tão parecidos?

Achei que poderia ser Lucas, um amigo de Sandy. Ele já havia parecido em casa um dia para que pudessem fazer um trabalho de geografia juntos.

— Senhora Eva, já comeu o crepe? — Lucas começou a dizer com um sorriso no rosto. — Está uma delícia, se quiser posso pegar para você antes que a fila fique muito cheia. Tá igual aquele que você gosta de comer na feira.

Franzi o cenho.

— Como sabe que gosto, Lucas? — perguntei, lançando um olhar questionador a Sandy.

Nossa neta lançou um olhar mais confuso ainda.

— Lucas? — Soltou um riso nervoso e enganchou seu braço no do garoto ao lado. — Esse aqui é o Rafael, vó.

Ele era o Rafael? Fiquei olhando para ele por vários segundos, com o silêncio rondando todos ali na mesa. Isabel, que estava ao lado remexeu na cadeira, parou de comer. A forma como batucava o pé no chão já entregava tudo.

Então soltei um riso alto, uma gargalhada um pouco nervosa demais para acabar com toda a tensão. Todos ao redor ali me imitaram, mas pareciam muitos incertos ainda. Confusos com o que estava acontecendo. Se eles estavam assim, imagina eu.

— Eu sei — disse tentando soar verdadeira. —É que você está tão parecido com os outros que me deixou confusa. Pensei que fosse o Lucas.

Rafael contraiu o maxilar e a tensão voltou a crescer de novo. Aquilo para mim é só um grande mal-entendido, uma pequena falha na memória que acontecia com todo mundo. Quem nunca confundiu uma pessoa com a outra? Era normal. Completamente normal.

Mas a médica em nossa frente dizia que não era.

— Você vive esquecendo nomes, Isabel — rebati.

— Mas mãe, essa não foi a primeira vez que aconteceu, lembra? — perguntou nossa filha com irritação.

Eu menti falando que ela estava mentindo. Queria mostrar que a médica estava errada. Eu não dava muito o braço a torcer, você sabe bem disso. Só que mesmo assim algo mudou dentro de mim. Eu notei. Tudo aquilo fez com que eu percebesse detalhes que estavam obscuros demais em minha mente.

E isso me apavorou.

— Eu não tenho nada. Isso é normal, Isabel. Também olha o tanto que estou velha, faz parte de...

— Mãe, você sabe que está errada.

Eu rebati mais algumas várias vezes até que a médica falasse um pouco mais sobre a doença, contando que não precisava ficar com medo.

— Só queremos que você tenha uma vida melhor — disse ela no final.

Uma vida melhor. Eu já tinha uma vida melhor antes de tudo isso acontecer, porém estava cansada da discussão. Queria voltar para casa. Então eu aceitei fazer os testes, exames ou qualquer que queriam que eu fizesse. Tudo só para que pudessem se acalmar e eu mostrasse que estavam todos errados.

Frangos Explosivos [Completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora